Donas do som: conheça 10 lojas de vinil comandadas por mulheres

25/09/2025

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Por: Vitória Prates

Fotos: Revista Noize e Arquivo Pessoal

25/09/2025

Num mercado historicamente associado ao universo masculino, um novo som começa a se destacar — e ele é feito por mulheres apaixonadas por música. Conversamos com algumas dessas mulheres à frente de empreendimentos dedicados aos LPs, entre lojas físicas e online.

“Está acontecendo uma verdadeira revolução das mulheres que consomem, pesquisam, vendem e vivem o vinil de várias formas”, comenta Lúcia Furtado, da Discos Sem Riscos. A paulistana de 61 anos é formada em Letras, mas foi no mundo do vinil que ela se encontrou — uma história que se repete em outras lojistas. O nome da loja faz referência a uma crise financeira que ela passou em 2023. “Olhei para os meus discos e disse: eu aqui correndo risco e vocês aí sem risco algum…vou vender vocês!’”, conta ela. 

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Em 15 minutos, abriu a Discos Sem Riscos online. Em 1 hora, vendeu os primeiros discos, com entrega para todo Brasil. Hoje, a curadoria se expandiu, levando Lúcia para viagens por todo estado de São Paulo atrás de raridades. “O público é incrível. Se um dia eu tiver loja física, será pequena, acolhedora e muito divertida”, diz ela. Com o bom humor e com a comunidade que Lúcia constrói entre outras lojistas, não duvidamos.

Quando Erika Morais decidiu abrir a Papisa Discos, quatro anos atrás, ela escolheu o dia 8/3. “É o Dia Internacional da Mulher, foi muito simbólico. A loja é recente, mas sua proprietária é colecionadora de discos há mais de 30 anos. “Os discos sempre fizeram parte do meu universo, e como cliente, já estava familiarizada com o mercado”, diz ela. 

Hoje, a Papisa é mais do que uma loja, é um espaço de pesquisa e novas experiências. Todo mês, Erika convida clientes para uma primeira experiência com discotecagem em vinil, no Kaia Bar, em São Paulo. Por enquanto, 11 mulheres já participaram e ela quer crescer o projeto. “Não é só sobre música, mas também sobre empoderamento”, diz. 

“A curadoria da Papisa é ampla, assim como meu gosto musical pessoal. A estrada que as mulheres precisam percorrer para serem reconhecidas como pesquisadoras e curadoras ainda é mais longa e tortuosa. Meu maior sonho é lançar a Papisa Discos como selo. Acho muito importante ter uma mulher à frente de lançamentos em vinil também”, finaliza ela. 

A última mulher a se apresentar no “Papisa Discos Convida” foi Andressa Silva, proprietária da Sonzera Records. Aos 28 anos, começou sua trajetória profissional na Engenharia, mas foi arrebatada pelo mundo da música. Hoje, a Sonzera ocupa uma loja física na Galeria Nova Barão, mas o seu começo foi inusitado. 

Leia também: Nova Barão: a história da galeria que se tornou epicentro do vinil em São Paulo

“A Sonzera nasceu como uma loja de vinil sobre rodas. Entre 2013 e 2014, uma van adaptada que carregava centenas de discos e parava em pontos estratégicos de São Paulo e em feiras fora do estado”, explica ela. Seu braço direito na loja, Ananda Ferreira, comenta: “Meu pai sempre comentava que queria ter uma loja de discos, então trabalhar com meu hobby é um sonho”.

“Não nichamos nossa loja porque respeitamos e gostamos de aprender com nossos clientes, por isso o público vai dos 20 aos 70 anos. A loja de discos é um espaço de convivência e aprendizado — é o nosso algoritmo analógico, da vida real”, diz Andressa.

No futuro, a Sonzera quer ser um espaço cultural — hoje já realizam tardes de autógrafos, mas querem mais. “A ideia é trabalhar pela música, contribuindo com a difusão de artistas do passado e impulsionando os artistas novos do nosso país”, afirma Andressa.

Das faculdades ao mercado de vinis

Saindo de São Paulo e pegando um voo para Maceió, Deborah Regina se define como disqueira e pesquisadora musical seleta, enquanto divide o dia de trabalho como nutricionista. O sonho de ter uma loja se concretizou com o Ginga Discos depois de um garimpo de mais de 3 mil discos. E hoje o acervo subiu para 13 mil. 

No Ginga, você encontra o que Deborah define como “discoteca básica”: “Tem muita procura pelos clássicos da MPB, principalmente Djavan. Ele é quase uma unanimidade, tem um público diverso de fãs. Talvez, também por sermos conterrâneos, sempre existe procura por seus álbuns”, comenta. 

Marcelle Costa também saiu do ambiente gastronômico — formada em Gastronomia — e foi nos discos que ela se encontrou. A baiana tem uma curadoria onde afeto dita o tom do acervo: “A Vendo Vinil. SSA nasceu em 2017 como um jeito de equilibrar o hobby: comprava lotes, ficava com o que amava e revendia o resto. É íntima, mas com cuidado profissional.”

Hoje, a loja-casa, em Salvador, é aberta ao público. “A varanda, inclusive, dá para a rua, como um convite para quem quer se perder (ou se achar) entre capas e grooves. “Quando clientes encontram em minha loja a liberdade para explorar seus gostos sem julgamentos, confirmo que a representatividade faz toda a diferença”, diz ela. 

Assim como Deborah, os clássicos da música nacional estão entre os preferidos. “Os tropicalistas são imbatíveis — Caetano, Gil e Gal lideram as buscas, seguidos por Rita Lee e Mutantes. Depois, muito rock nacional e MPB contemporânea”, conta. Mas, como uma mulher lésbica em um meio predominantemente masculino, ela não esconde os desafios. “Existe desconfiança sobre meu conhecimento técnico e questionamentos sobre a seriedade do meu negócio, mas a qualidade do acervo sempre foi minha melhor resposta”. 

Outra disqueira oriunda da gastronomia é Mariana de Castro. Mas ela está envolvida com os bolachões desde a adolescência. Em 1996, sua mãe abriu o Brechó da Mare que, entre outras coisas, tinha diversos LP’s no acervo. O espaço foi evoluindo e Mariana, na época com 17 anos, foi tomando gosto por esse mundo até que decidiu abrir uma loja virtual só de vinis. 

“Foram mais de 15 anos no mercado. Sempre gosto de falar que paguei a faculdade de Gastronomia vendendo discos, eram quase 2 mil na minha kitnet, até cheguei a ter um espaço físico em Balneário Camboriú, mas fechei as portas em 2013”, explica ela. O que poderia parecer o fim foi só o começo quando Alessandra Moreira entrou na empreitada. 

Em 2018, a geógrafa e a cozinheira, já experientes no mercado, abriram a Casa Laranja, um espaço/ateliê de arte e gastronomia em Votorantim, no interior de São Paulo. Os discos não escaparam e hoje somam mais de 8 mil no acervo. “É uma curadoria diversificada, com foco em música brasileira e latino-americana. Conectar as pessoas com os discos desejados é a nossa alegria”, comenta Alessandra.

Vinil é resistência

Foi vendo os DJ’s discotecando com vinil que Jeeniffer de Andrade se apaixonou pelo mundo dos discos. A carioca cresceu no Complexo do Alemão e, em 2022, abriu a Maraca Discos, o nome faz referência ao bairro do Maracanã, onde está localizada. Para ela, o espaço é mais do que só uma loja: “É sobre cultura, comunidade e resistência”, afirma. 

Sobre a falta de representatividade entre lojistas, ela comenta: “Acham que a loja é do meu pai, do meu avô. E eu, sinceramente? Dou risada”. Jeeniffer se diferencia pela curadoria e vai sambando entre o novo e o clássico, é o point para garimpos diversos. Espere desde a trilha sonora de Cidade de Deus a The Queen Is Dead (1986), do The Smiths. 

“Minha curadoria reflete a minha visão de mundo: aberta e curiosa. Para Jeeniffer, o vinil está longe de ser só nostalgia, como ela mesma define: “Ele é moderno, vivo e te convida a viver um tempo de qualidade. Você ouve o lado A, vira o lado B e sente a intenção do artista. Sonho com uma indústria mais acessível e cada vez mais democrática.”

Da frente dos quadros para detrás das vitrolas, a artista plástica e arquiteta Taynara Barcelos é fundadora da Jungle Discos, localizada no coração de Niterói (RJ). Para criar o espaço, ela recorreu a duas inspirações que podem parecer distintas: “Me inspirei nos bares de audição do Japão e nos botecos do interior que sempre amei”, revela.

Com esses temas em mente, não é de estranhar que, além de loja, a Jungle Discos se transformou também em um espaço de discotecagem 100% em vinil que se completa com um serviço de drinks de alta coquetelaria. No futuro, ela quer criar um espaço onde todos os tipos de arte se encontram, com exibições de filmes e exposições de arte. 

O futuro é agora (e é delas)

Para Rebeca Picanço, os discos são um refúgio. Comandando a Goyaba Discos, a jornalista encontrou sua vocação. Entre os favoritos, Rita Lee é a queridinha do público e o vinil mais procurado é o Clube da Esquina (1972), de Milton Nascimento e Lô Borges. Assim como Erika, Rebeca também tem o sonho de abrir seu próprio selo. 

“Meu público é jovem, LGBT+ e, principalmente, feminino. Com a loja, meu propósito sempre foi fazer aquilo que eu acreditava. Quero muito lançar novos artistas em vinil. O mercado fonográfico é complexo, mas tenho estudado muito sobre isso e espero realizar esse sonho em breve”, explica Rebeca. 

Às vezes, as maiores surpresas começam de forma despretensiosa. E foi assim que Heloísa Francheo, proprietária da The Vinil, começou a vender mídia física. “Em 2012, comecei a me desfazer de itens repetidos da minha coleção. Paralelamente, ganhei um toca-discos. Aí a paixão pelo vinil me pegou e juntei o hobby com o empreendedorismo.”

Já citamos a The Vinil em nosso guia de lojas de São Paulo e Heloísa mantém um lema claro: “Música do mundo para todo mundo”. Esse mantra já atraiu celebridades e os corredores da loja em Campinas já receberam visitas de Edgard Scandurra — que já trocaram diversas indicações de discos — Dj Meme, Lúcio Mauro Filho — Heloísa conseguiu um vinil do Lúcio Mauro que faltava na coleção do mesmo.

A lista continua com Pitty, Fernanda Takai, Rubel, Linn da Quebrada e Jota.pê. Um dos mais clientes mais assíduos é MC Hariel “Como produtora de eventos, já trabalhei em três shows do Hariel, mantivemos contato e agora faço uma curadoria de discos para ele. Passamos a tarde ouvindo”.

Leia também: 14 lojas de discos para conhecer em São Paulo; confira lista

“Meu público é bem diverso! Vai desde uma criança de 9 anos que ouve música clássica, até um senhor de 80 que coleciona rock progressivo”, comenta Heloísa. É o mundo da mídia física como tem que ser: diverso e para todo mundo.

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25/09/2025

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