“Sempre gostei de trabalhar em coletivo.” É assim que a rapper Stefanie descreve a maneira como sua carreira foi sendo construída ao longo das últimas duas décadas. A artista de Santo André foi parte dos grupos Simples e Pau-de-Dá-em-Doido, além do coletivo Rimas & Melodias antes de dar o pontapé na carreira solo, que ganha um novo capítulo com o lançamento de Bunmi (2025), o primeiro disco dela sem parte de um conjunto lançado em abril deste ano.
A relação com a música começou em casa, mas os maiores responsáveis pela aproximação com o rap foram um primo e o irmão Marcos, que frequentavam festas. “Meu irmão era DJ, quando ficou mais velho começou a tocar e ele fazia os bailinhos na garagem de casa,” relembra a artista.
Stefania aproveitava os momentos em que ele não estava em casa para explorar a coleção de discos e, assim, passou a se interessar pelo universo do hip hop. Foi assim que conheceu as referências que leva consigo até hoje, com a norte-americana Rah Digga e as brasileiras Rúbia (RPW), Negra Li e Cris SNJ.
Mais tarde, quando ela mesma já frequentava festas voltadas para o público do rap, conheceu um personagem que viria a ser um de seus maiores parceiros e incentivadores ao longo da carreira: o rapper Kamau. “A gente ia para uma festa chamada Clube do Rap em Diadema, quem discotecava lá era o KL Jay, o DJ Roger, que hoje é o DJ do Don L, o Ébano e o Richard. Então, nessa festa, eu conheci o Kamau,” recorda a artista, que a essa altura já queria ser rapper.
Em uma das edições, enquanto rimava em cima da batida que estava sendo tocada, a garota foi notada pelo veterano, que, percebendo um talento na jovem, a incentivou a seguir carreira na música. “Eu tinha escrito uma rima e estava rimando para as meninas em cima de um som que tava rolando”, diz.
“Aí o Kamau chegou em mim e falou assim: ‘Meu, você canta rap?’ A gente começou a trocar, desenrolou a partir daí, e a gente virou parceiro. Isso foi em 1997.” Os primeiros passos na carreira, no entanto, aconteceriam alguns anos depois, ao lado do amigo e de outros nomes da cena no Simples, o primeiro grupo do qual a artista fez parte
Simples, o começo de tudo

O grupo simples surge alguns anos depois, mais precisamente em 2005. A convite de Kamau, Stefanie passou a fazer parte do grupo Simples, que contava também com Rick Fuentes, DJ Will e Diego Beatbox. A ideia inicialmente era lançar um álbum em conjunto para impulsionar as carreiras dos artistas. No ano seguinte, eles lançaram Escuta Aí (2006), o único disco da trajetória do grupo.
“Eu tinha um certo receio, porque pensava assim: “Vou começar a cantar, vou fazer rap, então se eu cantar aqui, eu vou ter que segurar a onda, ter que segurar o BO,” revela a artista, sobre as responsabilidades de uma artista comprometida com os princípios do hip hop.
O grupo chegou a abrir o show da banda estadunidense De La Soul no Sesc Santo André no ano de 2006. Curiosamente, na passagem mais recente dos norte-americanos por aqui, em 2025, Stefanie abriu o show novamente, dessa vez ao lado do rapper gaúcho Zudizilla e do DJ Nyack, além dos músicos Julio Lino e Gabriel Gaiardo.
Pau-de-Dá-em-Doido
Após a dissolução do Simples, Stefanie se uniu ao projeto capitaneado pelo amigo Enésimo e Dj Nato_PK no Pau-de-Dá-em-Doido, em 2007. “Eles me convidaram para fazer parte da mixtape que eles iam lançar, né? Aí nisso uniram vários artistas ali.”
O primeiro volume da mixtape, Pau-de-Dá-em-Doido Vol. 1 (2007), com uma segunda edição, Pau-de-Dá-em-Doido Vol.2 (2014), disponibilizada sete anos depois, em 2014. “E a gente começou a circular e fazer vários shows e daí a gente ficou vários anos tocando,” relembra.
A permanência de Stefanie com a PDD passou a diminuir em 2010. Foi nesse período que a rapper conheceu Lurdes da Luz e passou a conviver com outras mulheres da cena — até então, Stefanie foi a única representante feminina dos projetos nos quais esteve envolvida. “Ela me convidou para participar da faixa “Andei” e foi muito legal, porque foi a partir daí que até então eu andava só com homens.”
A hora e a vez delas
Esse foi o primeiro passo para Stefanie passar a se apresentar em projetos que reuniam diversas artistas femininas, como o Divas do Hip Hop, criado por Daniela Reigadas.
“Lembro que naquele período a gente recebeu um convite para participar de um festival no SESC, se não me engano, do Rodrigo Brandão, se chamava Hey Ladies,” conta. “Quem participou fui eu, a Lourdes da Luz, a Flora Matos e a Nat MC.”
Foi nesse período também que conheceu Lívia Cruz e Karol de Souza, Alt Niss e Tatiane Bispo. A convivência com outras artistas e a participação em projetos como esses foi importante para o que viria a ser posteriormente o Rimas & Melodias.
Rimas & Melodias

“Um dia a gente foi lá para o Diamante, que é um amigo nosso, para gravar a guia de algum som e a Tati falou pra mim: “Amiga, eu quero muito fazer um projeto, uma cypher, só de mulheres”. Cypher se refere ao termo utilizado no rap para falar do encontro de diversos rappers em uma espécie de jam session, podendo ser improvisado ou escrito previamente. Daí surgiu o Rimas & Melodias, formado por Alt Niss, Drik Barbosa, Karol de Souza, Mayra Maldjian, Stefanie, Tássia Reis e Tatiana Bispo.
Quando as artistas foram para o estúdio gravar, perceberam que já tinham trabalhos entre si e músicas feitas em parceria. “Eu tinha a música com a Tati, a Tati tinha a música com Alt Niss, a Tássia tinha a música com a Carol e com a Drik,” relembra Stefanie.
“A gente fez a Cypher, mas também gravamos essas músicas. E fizemo um vídeo e estávamos até na dúvida se a gente ia lançar ou não. E lançamos. E nisso, aconteceu, simplesmente aconteceu,” recorda. “Eu falo que o Rimas foi o projeto que tinha que acontecer e foi muito abençoado. Foi muito natural.”
Em 2017 as rappers lançaram o álbum auto intitulado, Rimas & Melodias (2017), gravado em 10 dias na extinta Red Bull Station. Elas, então passaram a se apresentar em conjunto, mas as agendas paralelas foram um obstáculo para a continuidade do projeto.
“Tássia, estava com uma agenda muito cheia, estava conflitando. A Tássia e a Drike a gente começou a perceber que quando faltava uma, já era ruim, mas quando faltava duas, não era legal,” explica Stefanie sobre o motivo que as levou a pausar as atividades em conjunto.
Sim, uma pausa. A rapper finaliza revelando que nunca houve um fim oficial e que os fãs podem ter esperanças de um reencontro. Ficamos na torcida.