O processo de composição e criação de um álbum costuma ser intimista, dentro das quatro paredes de um estúdio, antes das canções serem lançadas para o mundo — não para o 43duo. Os paranaenses, que fazem um som lírico e, ao mesmo tempo, psicodélico, decidiram contar com o calor do público no processo criativo do álbum mais recente, Sã Verdade (2025).
As canções foram lapidadas e apresentadas ao vivo pelos integrantes, Hugo Ubaldo (guitarra, vocais) e Luana Santana (baixo, bateria e vocais) antes que o disco chegasse ao mundo. Entre experimentações sonoras e a resposta do público, influências literárias e pensamentos sobre os tempos de pós-verdade, as sete canções nasceram. Inspirados pela inventividade do Pink Floyd em Dark Side Of The Moon (1973), os músicos gravaram baixo, bateria e loop de guitarra de forma simultânea, para deixar o som o mais próximo possível do ao vivo. “Adoramos a experiência, e vamos continuar”, garantem.
A trajetória da dupla teve início em 2020, durante a pandemia, com o EP 43, seguidos dos álbuns As Pessoas e As Cidades (2022) e Se7e Sonhos (2024). O novo trabalho tem produção assinada por Felipe De Mari Scalone.
A Noize bateu um papo com os integrantes e pediu para eles comentarem a novidade, Sã Verdade, faixa a faixa. Leia (e ouça) abaixo:
O disco foi feito para soar como num “ao vivo” — o que vai de encontro à proposta de algumas bandas que preferem tocar ao vivo um som mais fiel ao estúdio. O que essa experiência do ao vivo representa para vocês e de onde veio essa inspiração?
Primeiramente, somos muito gratos pelo espaço. 70% das canções do “Sã Verdade” foram executadas nos shows da turnê do álbum anterior, Se7e Sonhos. Foi uma experiência muito legal. Você consegue sentir a reação das pessoas, e isso fortalece a decisão se a música “funciona”, e rola de trabalhar no estúdio. Nosso desejo de soar o mais parecido possível no álbum, com ao vivo, veio dessa experiência justamente.
Quando fomos produzir com o Felipe Scalone, estávamos com o repertório encaminhado, e as canções, experimentadas.
Somos uma banda que foca no ao vivo; somos estradeiros! Gostamos de construir público in loco. Desse modo, nada melhor do que fazer um disco que transmita isso.
A nossa inspiração/gatilho veio do contato com uma biografia do Pink Floyd, que contava sobre as experiências na construção do Dark Side; eles fizeram o álbum ao vivo e experimentos durante a composição; inclusive você encontra músicas que nunca foram lançadas sendo executadas ao vivo. Adoramos a experiência, e vamos continuar.
Vocês citam Manoel de Barros como uma referência para as letras. Ele carrega mesmo esse lirismo da natureza e até uma pegada meio psicodélica, nesse lance com a inventividade de palavras. Como essa inspiração desembocou nas letras de vocês? Quais são suas outras inspirações na hora de compor?
Manoel de Barros é uma grande inspiração para nossa arte. Esse lirismo naturalístico e psicodélico (como você citou), aliado ao olhar humano, fresco e não utilitarista do mundo, faz parte de nossa história como pessoas. Somos do interior do Paraná, nossa cidade e cercada por rios, e por um tanto de natureza (o que a cana e soja não levou), esse ambiente gera um plano de fundo que se associa a obra de Manoel, que de uma forma lírica linda, nos transporta para uma conexão com as coisas naturais; essa é a nossa maior motivação também.
Nossas inspirações são muitas, mas podemos citar: Caetano, Pink Floyd, Tame Impala, Clube da Esquina, Bispo do Rosário, Fernando Pessoa, Hilda Hilst, Yeah Yeah Yeahs, The White Stripes… por aí vai.
O que seria a “Sã Verdade”?
“Sã Verdade” seria a antítese para o termo pós-verdade. Quando estávamos trabalhando em possíveis nomes, um dos que mais nos agradou foi pós-verdade, porém, o termo é muito usado em várias áreas. Em uma viagem de turnê, fomos cogitando ideias, e possibilidades, algumas mais legais… outras menos, até que chegou o nome “Sã Verdade”. Adoramos de cara. Cremos que a nossa arte tem também o intuito de refletir nossa vida e mundo, desse modo, tudo que fazemos buscamos um sentido de humanização.
Mais uma vez, gratidão pelo espaço, e até uma próxima. Acompanhem nosso trabalho para não perder nada! “43duo” em todas as redes e plataformas.
Faixa a faixa:
“Sã Verdade” uma das primeiras composições a serem criadas, carrega o espírito do álbum em forma e conteúdo. Letras que transitam entre o social, o filosófico e o psicodélico, sobre uma base sonora com guitarras carregadas de efeitos e bateria direta.
“Sal e Sina”: single com forte conexão com o público, lapidado ao vivo. A letra aborda a busca constante por completude e o medo da morte. O instrumental brinca com modulações rítmicas, criando camadas sobre um loop contínuo de guitarra.
“Navio de Sonhos”: versão de uma canção de 1969 da banda Gralha Azul, ícone local de Paranavaí – feita como homenagem durante um festival. A canção original trata da luta camponesa e da dignidade rural; na versão do 43duo, a essência foi mantida em clima mântrico, com pedal que simula um sitar. É a base do viés ecológico e político do álbum.
“Guabiruba pt. II“: A faixa foi criada durante uma pausa da turnê do último disco por Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Guabiruba é uma cidade próxima de Blumenau, onde o duo ficou antes da retomada dos shows, e que inspirou uma outra canção com o nome da cidade que tinha uma parte final com o riff usado para criar “Guabiruba pt. II”. A música ganhou força a partir da experiência direta com os impactos das enchentes no sul do país, pois a letra traz imagens do acúmulo e do colapso.
“Cabeça Vasta (Chuva Cinza)”: nascida da junção de duas músicas que disputavam espaço na produção. A combinação de refrões distintos criou uma faixa que dialoga com temas como consciência crítica e colapso ambiental. A psicodelia moderna se mistura ao garage rock, em uma construção que fala de coragem, luta e devastação.
“Concreto”: última faixa composta, surgiu de um improviso em estúdio a convite do produtor. Carregada de fuzz e energia, é a mais pesada do disco. A letra faz um retrato direto da pós-verdade, perguntando onde nos levará o caminho atual da sociedade.
“Lispector”: uma das preferidas da banda, fala do tempo-limite para mudanças diante da crise climática, com imagens que contrapõem valor material e perda do essencial. O nome surgiu por acaso, mas ficou. A instrumentação remete ao Tame Impala e fecha o disco com uma dobra de guitarras que abre espaço para respiro — ou recomeço.