5 discos essenciais de Ney Matogrosso

26/09/2025

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Por: Maurício Amendola

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26/09/2025

Resumir a obra de Ney Matogrosso seria dizer que ela revela um artista em constante transformação, cujos trânsitos por rock, MPB e diferentes musicalidades latinas se deram de forma deslumbrante. Entretanto, sua trajetória fonográfica após o fim do Secos & Molhados vai além.

Explorador das possibilidades da canção e da interpretação, Ney tensionou a tradição, desafiou convenções e fugiu da obviedade e do que parecia um terreno seguro. Na bricolagem entre o popular e o erudito, o radiofônico e o marginal, suas transformações não são demanda ou mimese – são ímpeto, desejo, coragem.

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Água do Céu-Pássaro (1975)

Embalada pelo sucesso de “Homem de Neanderthal” – single que, inclusive, acabou se tornando apelido para o disco –, a estreia solo de Ney Matogrosso é uma libertação e uma afirmação. Em entrevista ao Som do Vinil, ele chama Água do Céu-Pássaro de sua “carta de intenções”. “Mostrei, para quem se interessasse, o que me interessava dentro da música. O meu olhar sobre a música era muito mais abrangente do que o Secos & Molhados. Eu adorava o repertório [da banda], mas a minha formação era anterior. Uma formação de rádio, muito mais eclética e aberta”.

Com figurinino de pele de bode, crinas de cavalo e chifres carneiro – indumentária inspirada em feiticeiros africanos –, o disco defende um ecletismo amarrado por uma espécie de jazz-rock-latino, que se intercala a constantes sons da natureza. Uma viagem sensorial, ritualística e hipnótica. A ficha de compositores vai de João Bosco (“O Corsário”) a Astor Piazzolla (“1964 II”), e Ney pinta um manifesto inicial que radicaliza sua linguagem – sem amarras estéticas e de rótulos fadados à inconclusão.

Bandido (1976)

Se Água do Céu-Pássaro representou uma libertação, Bandido é uma virada de chave em que Ney se despe do mistério e do caráter insólito que o caracterizavam para abraçar a sensualidade e o erotismo, encarnando um bandoleiro ambíguo cuja contracultura – tão poderosa quanto instintiva – agia por meio da performance, do figurino, dos movimentos do palco e da música. É um Ney ainda mais livre, decidido e pronto. “Apesar de parecer que sempre foi assim, é o momento em que o Ney para de pensar no que vão pensar dele – acho que ele realmente amadurece isso no Bandido”, reflete o biógrafo Julio Maria.

Cada faixa do disco é um universo autônomo de referências. Blues (“Aqui e Agora”), latinidades (“Pa-ran-pan-pan”), samba (“Pra Não Morrer de Tristeza”) e a canção popular brasileira (“Cante Uma Canção de Amor”, de Odair José) se misturam em uma receita cuja liga vem de Ney e sua voz. O encontro com esse repertório e com esse “personagem” – pinçando os versos que bem entender e fazendo o que bem entender no palco – coroam a versatilidade e a convicção artística que o acompanhariam em toda a sua carreira.   

Ney Matogrosso (1981)

Mais do que o disco de “Homem com H”, Ney Matogrosso, a estreia na gravadora Ariola após um período na Warner, marca algo como uma guinada pop na trajetória do sul-mato-grossense. O repertório exala a energia de um delicioso descompromisso e de diversão – e, embora não seja propriamente um álbum de disco music, Ney brinca com as possibilidades e novidades oitentistas, claro, à sua maneira. O mel pop, os timbres típicos da década e a atmosfera “radiofônica” chegam fundidos a elementos de xote, forró, rock, marchinha, samba e à voz inigualável de Ney. Arranjos, instrumentais e colaborações vêm com estirpe: César Camargo Mariano, Lincoln Olivetti, Rita Lee & Roberto de Carvalho, Gal Costa… Diferentes talentos orbitam em um Ney múltiplo e pronto para comandar um dos discos mais vendidos de sua carreira.

À princípio, Ney não queria gravar “Homem com H”, forró composto pelo compositor e cantor paraibano Antônio Barros. Fora convencido por Gonzaguinha que, a história conta, disse: “Se não você, quem vai gravar?”. Entre a galhofa e a subversão, a emblemática faixa se tornou um clássico absoluto do cancioneiro popular brasileiro.

Olhos de Farol (1998)

Com produção de Zé Nogueira, o último disco de estúdio de Ney no século passado é mais um recado de como seu radar permanece ligado: ele se conecta a compositores que despontavam nos anos 1990 – Pedro Luís, Paulinho Moska, Lenine, Samuel Rosa.

Nomes tarimbados como Ronaldo Bastos, Rita Lee, Itamar Assumpção e Luiz Tatit, além de Cazuza & Frejat (na bela “Poema”) também versam um repertório que, resumidamente, abraça o pop rock. Mas Olhos de Farol não cabe na limitação do termo. Alternam-se ataques de metais, percussões sincopadas e arranjos encorpados a momentos de recolhimento e certas doses de melancolia. O repertório é capaz de ir de um groove do bom, como no híbrido de samba e funk “Gotas de Tempo Puro” – de Paulinho Moska – ao clima taciturno da faixa título – escrita por Ronaldo Bastos e Flávio Henrique, com piano matador de Leandro Braga. Quando comparado a outros momentos da discografia de Ney, Olhos de Farol talvez não salte aos ouvidos por sua ousadia ou experimentação, mas é uma contundente demonstração de como ele, mesmo “dentro da casinha”, tem faro fino para grandes composições – e, especialmente, para (aqui, beirando os 60 anos) elevá-las a grandes canções. 

Beijo Bandido (2009)

“Minha voz tem que estar tinindo, senão dá bandeira. É uma exibição mais explícita”. O encargo reconhecido por Ney Matogrosso ao falar de Beijo Bandido, o disco e o show, em entrevista ao UOL em 2009, é uma dica do que se ouve (e nos encanta) neste repertório: um recital de uma das maiores vozes da nossa música. A investida de Ney na música quase-camerística – sob apenas cordas, percussão e piano – contrasta melodias entoadas entre a explosão e a contenção com arranjos sutis, envolventes. Sua voz surge limpa e sedutora em primeiro plano, enquanto os instrumentais passeiam por um pano de fundo composto de tangos, boleros, diferentes ecos da música clássica e baladas introspectivas. 

O repertório – com composições que vão de Vinicius de Moraes, Geraldo Azevedo e Chico Buarque a Vitor Ramil, Cazuza & Bebel e Herbert Vianna & Paula Toller – carrega uma coesão que, sim, se funda no intimismo, mas guarda ótimas surpresas, seja em arroubos dos músicos ou, especialmente, no poder expressivo e dramático da voz de Ney. Já, àquela altura, dono de uma discografia que passava dos 30 lançamentos, ele se despe de excessos e renova possibilidades de sua obra. 

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26/09/2025

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