Lançado em novembro, Antes Que Você Se Esqueça (2025) é o terceiro álbum dos paulistas da Abacaxepa, banda formada por três vocalistas, Bruna Alimonda (vocal), Rodrigo Mancusi (vocal), Carol Cavesso (vocal), além de Vinicius Furquim (teclados), Ivan Santarém (guitarra), Fernando Sheila (baixo) e Juliano Veríssimo (bateria).
Com nove faixas e produção de Zé Nigro, o novo disco é uma celebração à música latina, em um giro sonoro que passa pela MPB e o rock. O grupo ainda contou com as participações de Cátia de França no feat em “Onça” e Alessandra Leão na voz e percussão em “Qualquer Canto”.
“Ficamos muito felizes e honrados de receber Cátia, pois desde o início o trabalho dela serviu como referência pra muitas coisas nossas”, comenta a banda. A artista paraibana não é a única influência direta citada pelo grupo, que também reverencia Curumin e “Use Me” de Bill Withers, na faixa “Jogo da Bicha”.
Inspirados pelo tropicalismo, a banda transforma a memória em movimento, com os ecos setentistas e a psicodelia típica da época. A lente sonora do grupo, neste disco, combina brasilidades profundas e a já conhecida inspiração do Abacaxepa na teatralidade — o grupo foi formado durante as aulas de música do curso de teatro da Escola Célia Helena, em São Paulo. “Nosso álbum carrega células da música afro-brasileira e da ciranda, misturadas em uma base pulsante que revela nosso DNA forte”, afirmam.
Antes Que Você Se Esqueça faixa a faixa:
“Onça”: Uma poesia que parte de um diálogo despretensioso entre Bruna, uma das vocalistas, e Marco Polo (Ave Sangria), e que quando encontrou a banda como proposta de nova música, já tinha nas entrelinhas a cara de Cátia de França. Emanando força, embate e um quê de ameaça, “Onça” inaugura o disco como uma introdução, uma benção ou algo assim. Ficamos muito felizes e honrados de receber Cátia como participante, pois desde o início o trabalho dela serviu como referência pra muitas coisas, mas principalmente pra essa música.
“Marina”: Essa nasce de uma brincadeira com a própria palavra, ‘marina’, que pode ser um nome, um lugar ou um verbo. A partir daí surge essa personagem que encanta e devora, impossível resistir, mas que, sem dó, te abandona à deriva. A letra e o arranjo se desenvolvem de forma visceral e inevitável, conduzindo a história por uma estrutura sem volta, que desemboca em um final de compreensão e superação.
“Jogo da Bicha”:– Com maior inspiração na música “Use Me de Bill Withers”, “Jogo da Bicha” é a faixa groove do álbum. O instrumental cativante e dançante é uma mistura de “Use Me” com uma pegada inspirada nas levadas de Curumin, trazendo essa atmosfera dançante brasileira. A canção nasceu de um flerte que nunca se cumpriu. Daqueles em que a pessoa promete o fogo, mas só acende o fósforo. Entre metáforas de cozinha e jogos de cartas, a música fala sobre esse jogo de sedução e blefe, em que o outro deixa cozinhando, sempre prestes a acontecer, mas nunca acontece. O título brinca com isso: “Jogo da Bicha” é o jogo afetivo dessa relação gay. No fim, a canção também carrega um tom de empoderamento, o eu lírico sabe o que está acontecendo, reconhece o jogo e escolhe não jogar. É sobre saber o que se quer e não se submeter aos joguinhos.
“Daria Tudo”: A entrega apaixonada, sem medo, sem amarras, só a pura paixão, é isso que “Daria Tudo” quer te dar. A letra, que mistura emoção e cotidiano, traz a ideia da paixão arrebatadora, do tesão, da vontade, que nos faz entregar não só o corpo, mas também tudo o que se tem de material. E o encontro entre emoção e matéria, o desejo e o impulso. Uma curiosidade interessante é que essa música nasce como um xote, mas ganha o mundo como um reggaeton abrasileirado, como sugestão do produtor do disco, Zé Nigro.
“Qualquer Canto”: “Um convite a perceber o amor no cotidiano: ele se revela no cheiro da chuva, no som da casa, na luz que atravessa a janela. Ao mesmo tempo, a letra revela como o desejo pode surgir do ordinário, no gesto banal, nas frutas dispostas sobre a mesa, no mel que escorre como metáfora de uma doçura secreta. Entre poesia e corpo, a canção insinua uma entrega que se aproxima da devoção, um ato de amor tão delicado quanto arrebatador. O instrumental do single do álbum nasceu inspirado em Lia de Itamaracá, Desde Menina. Com riffs marcantes e levada bem percussiva, o som já foi levado quase que instantaneamente ao nome de Alessandra Leão como participação especial na percussão (Ilú e ganzá) e voz.

“Ladeira”: Essa carrega células da música afro-brasileira e da ciranda, misturadas em uma base pulsante que revela o DNA forte da Abacaxepa. É uma das faixas que mais traduz essa identidade, a de quem mistura ritmos, brinca com diferentes células rítmicas e faz disso um caminho próprio. A construção rítmica remete a músicas anteriores como “Coitado” e “Semente Cadáver”, em que as camadas percussivas se entrelaçam em movimento constante. A letra parte de uma paixão que sabe ser impossível, mas segue mesmo assim, guiada pelo desejo, ignorando o aviso da razão. É o amor que desce a ladeira sem freio, consciente do tombo, mas entregue ao impulso. O ponto de partida veio de um jogo de palavras, “um treco, um traço, um troço, que cresceu junto com o arranjo. A música começa com voz e percussão, simples e crua, e vai ganhando corpo a cada compasso, até chegar ao auge: percussão baiana dobrada, coros fortes e uma energia que arrasta o público junto, como quem sobe, ou desce, uma ladeira em transe.
“Uma Canción em Portunhol”: Com composição iniciada durante a pandemia por Rodrigo Mancusi, vocalista e flautista da Abacaxepa, em parceria com Bernardo Bibancos, amigo íntimo da banda desde seus primeiros passos, “Uma Canción em Portunhol” é uma das poucas faixas do álbum que nasceu fora do núcleo criativo original e trouxe outro compositor pra roda, mas logo ganhou o sotaque coletivo do grupo com a instrumentação e um refrão envolvente. É uma das músicas mais quentes e festivas do disco, uma celebração bem humorada da latinidade, construída sobre o ritmo da cumbia. O clima de festa é atravessado por uma pitada de ironia, um retrato de uma América Latina que se mistura, se reconhece e se reinventa. O arranjo traz um elemento inusitado: o derbak, instrumento de origem árabe, mais comum em tradições do Oriente Médio. A escolha brinca com a mistura do Brasil com o Egito, num convite à mestiçagem sonora que é marca registrada da Abacaxepa e também do nosso continente. O portunhol, por sua vez, surge como metáfora e linguagem real: esse território de fronteira que nos une, onde o português e o espanhol se misturam sem pedir licença. É nessa mistura que a canção celebra o orgulho de ser latino-americano, de se compreender mesmo sem falar igual, de dançar o mesmo ritmo com diferentes palavras.
“Rock Rural”: A dificuldade de ter sempre que atravessar a cidade em nome do trabalho e a delícia de não morar na capital. “Rock Rural” traz essa ambiguidade tanto sonoramente quanto poeticamente, relembrando afetos da vida no interior, do conforto, do familiar, do contato com a natureza, e depois a aceitação do inevitável: a ida para onde está a oportunidade. A música é inspirada pela história de um dos integrantes da banda mas é, na verdade, a história de grande parte da população da cidade de São Paulo, e de tantas outras metrópoles.
“Rotina (Adeus, Um Tchau)”: Escrita durante um voo de Recife a São Paulo, a música reflete o medo e o apego, e fala sobre a repetição de partir e voltar : um gesto que dói, mas também mantém viva a lembrança do que se é. “Rotina (Adeus, um tchau)” nasce desse vai e vem: do desejo de ficar e da necessidade de partir, do adeus que se repete até virar costume. Entre as palavras partir, vida, embora, rotina, a canção constrói um espelho: um ciclo, é sobre seguir mesmo quando o coração fica ,sobre transformar o adeus em parte da vida. Partir, a vida, embora, rotina.