Tainá Santos dedica “Adê” à herança ancestral; leia faixa faixa do álbum

13/08/2025

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Por: Revista NOIZE

Fotos: Divulgação/Brunno Kawagoe

13/08/2025

Adê (2025) é jovem, mas cheio de história. O novo álbum de Tainá Santos chegou às plataformas no dia 24 de julho, com uma narrativa sobre corpo, natureza e ancestralidade, fortemente ligada à Umbanda, religião que a artista segue desde a infância.

“Orixá, pra mim, é caminho, fundamento e força criadora. E cada faixa foi sendo gestada a partir de uma escuta profunda desses fundamentos”, explica a cantora. O próprio título é carregado de herança ancestral — “adê” significa “coroa” no dialeto Yorubá.

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“Há canções que se relacionam diretamente com a energia de um orixá específico, seja pela vibração rítmica, pelo enredo, ou mesmo pela emoção que ela convoca. Outras faixas traduzem passagens da minha vida onde aquela força se fez presente — na travessia cotidiana, nos enfrentamentos, nos recomeços”, continua ela.

Em nove faixas autorais, Tainá mostra que a música brasileira tem sua base nos cantos tradicionais. Entre o terreiro e o palco, o foco está no resgate das tradições, em produção musical assinada pela própria e pelo Estúdio AMA. É um álbum que nasce de dentro para fora, do encontro com a própria espiritualidade.

Junto com o álbum, Taína lançou um vídeo-manifesto, narrado em primeira pessoa, que abre detalhes do projeto, com direção de Brunno Kawagoe e criativa por Fernanda Baffa. Este é o segundo trabalho da cantora, compositora e percussionista.

Sua estreia veio com Tambores Que Cantam (2021), feito com financiamento coletivo, também com versos inspirados nos Orixás. Ninguém melhor para explicar Adê (2025) do que a própria Tainá, neste faixa a faixa que você confere abaixo:

Adê: essa faixa é um poema que escrevi para mim mesma. Um chamado para o Orí, para a essência. “ADÊ” significa coroa no dialeto Yorubá, e eu quis abrir o álbum trazendo essa imagem — mas não da coroa da monarquia européia, mas a coroa espiritual, que representa a nobreza ancestral, o legado, os princípios e o valor que os nossos nos deixaram.

Essa faixa tem o propósito de contextualizar e informar, de ensinar sobre o valor que carregamos, não como algo a conquistar, mas como algo que já nos pertence. Escrevi com a intenção de abrir caminhos, de trazer informação, de lembrar que essa realeza não está fora, mas dentro de nós. É sobre reconhecer a nossa dignidade, afirmar a herança espiritual que nos habita. Coloquei esse poema no início do álbum porque ele me lembra quem eu sou — e desejo que também lembre quem escuta.

“Bori”: essa faixa nasceu logo após eu realizar um ritual de Bori, que na tradição de terreiro significa, literalmente, “dar de comer à cabeça” — do iorubá “bo” (alimentar) + “orí” (cabeça) e naquele momento tive uma conexão muito forte com a minha espiritualidade. Gravei faz uns anos a primeira versão, e agora em ADÊ essa música renasce depois que eu fiz uma viagem para o deserto do Marrocos, na África.

Com novos arranjos, novas paisagens sonoras e, claro, um novo olhar sobre tudo o que significa essa jornada, essa faixa ganha novos contornos, como um reflexo da minha própria evolução, da forma como vejo o mundo e a minha conexão com o sagrado.

Coloquei essa faixa no início do álbum porque acredito que, para nos conectarmos verdadeiramente com as outras faixas — com as mensagens, com as histórias, com os ancestrais que habitam esse álbum —, é preciso fortalecer o Eu, o Centro, a Cabeça, o Sagrado. Antes de seguir adiante, é preciso cuidar do Ori, saudar a cabeça e lembrar de onde vem a nossa força.

“Cavalo Marinho”: é uma canção dedicada à Senhora das Cabeças, a grande Mãe Yemanjá. Orixá que cuida, zela, protege e nutre a nossa cabeça sagrada. Nessa faixa, me reconheço filha. Me permito ser cuidada, guiada e embalada por suas águas. É uma oferenda às minhas próprias águas, ao meu feminino, à minha capacidade de gerar, nutrir e criar.

Cantar essa música é um gesto de entrega e reverência ao mar que me habita, às águas que carregam minha história, minha sensibilidade, minha criatividade. É o meu corpo fluindo com as marés internas, é o meu espírito reconhecendo o útero do mundo como a grande cabaça, agradecendo por estar viva, por ser filha, por ser mulher, por ser rio que segue.

“O Voo da Folha”: nasceu de um momento muito íntimo e transformador da minha vida. É uma canção sobre o processo de entrega, sobre confiar no tempo das coisas, em cada estação da vida. Assim como uma folha que nasce, cresce, floresce e depois cai — eu também precisei cair, me entregar ao chão, à terra, para me refazer. Essa faixa veio depois de um término, de um mergulho profundo dentro de mim mesma. Foi um ciclo que me ensinou a confiar, a soltar o que precisava ir, a me despir de antigas versões, a trocar de pele. Me mostrou que há beleza também no fim, porque o fim é só o início de outra coisa.

A folha que cai vira adubo, vira chão fértil para novos frutos, novas histórias. Essa música me fortaleceu. Me fez perceber que a vida é mais. É mais bonita, mais colorida, mais viva do que eu podia imaginar. Musicalmente, a faixa também segue esse caminho.

Ela começa como quem conta uma história, de forma delicada, quase sussurrada, interagindo com os sons calmos do acordeon, da percussão leve, como se cada nota fosse um passo nesse percurso de transformação. E então, o canto da águia rompe o silêncio e anuncia uma nova fase — o voo, a força, o renascimento. É quando a música se transforma num baião quente, solar, mágico, que me leva para um lugar de luz, de potência, de esperança.

“Oba Kossô”: é uma faixa dedicada a Xangô, meu grande amor, meu melhor amigo, o Senhor da minha Casa espiritual. Orixá do fogo, da justiça, da balança e do equilíbrio. Xangô toma conta da minha história, da minha caminhada, assim como Oyá, que também sopra em mim, move minhas transformações e me guia com seus ventos. Essa música conta uma das passagens de Xangô na Terra — a história em que o Rei não se enforcou, não morreu, mas sim se encantou.

Essa narrativa me atravessa profundamente, porque fala sobre transcendência, sobre a capacidade de se reconhecer além da matéria, além da dor, além do fim. Todo o álbum ADÊ é entregue a Ele. Cada canção, cada verso, cada respiro está atravessado por essa força. “OBA KOSSÔ” é o momento em que eu reverencio esse encantamento.

É sobre me reconhecer parte disso, me reconhecer presente, viva, infinita como ele. Cantar essa faixa é afirmar que o Rei vive — em mim, em nós, no agora. Também dedico essa faixa a minha companheira Fernanda, que é uma filha de Xangô nata, porque essa música chegou quando ela estava fazendo uma viagem e eu estava com muita saudade.

“Segredo de Oyá”: é uma canção sobre a chegada de Iansã na minha vida. Sobre sua ventania, sua força, sua orientação. Quando ela sopra, tudo se move — por dentro e por fora. Essa música fala sobre o momento em que reconheci a Orixá que se assenta na minha coroa, e que toda essa força, toda essa intensidade, todo esse movimento são também parte de mim. Levei um tempo para compor essa faixa. Ela precisou da vida. Precisei viver histórias, bater muita cabeça na terra, deitar em silêncio, observar meus passos, me perder e me encontrar — para só então poder entender os mistérios que Oyá traz.

Durante muito tempo, a música ficou incompleta, parada numa parte só… até que algo amadureceu dentro de mim. Quando entendi o que precisava ser entendido, finalizei. E só então ela pôde ser entregue ao mundo. Essa canção fala sobre a transformação verdadeira. Sobre se deixar atravessar pelo tempo, pelos ventos, pela dor, pelos aprendizados. Sobre fortalecer o espírito, o eu, para estar pronta para vestir a coroa que me foi dada. “

“Gameleira”: é o nome de uma árvore sagrada, tronco firme onde muitos Orixás se assentam. Nessa faixa, me conecto com as forças de Oxumaré e também de Oyá — duas energias que me atravessam e me ensinam o tempo todo sobre transformação, movimento e renascimento. Essa canção fala sobre trocar de pele, sobre se abrir pros ciclos da vida, confiar no que muda e se reconhecer a cada virada do tempo. Oxumaré é o arco-íris, é o elo entre céu e terra, é a serpente que dança a vida em espiral.

É ele que traz a potência da transmutação, da renovação constante. Junto com Oyá, que sopra os ventos da mudança. “Gameleira” é também esse ponto de encontro: entre mim e os Orixás, entre o que fui e o que estou me tornando, entre o que precisa cair e o que já começa a florescer. É sobre ser atravessada pela natureza viva, por tudo o que pulsa e se transforma.

“Encantados da Mata”: é uma canção que celebra a presença viva dos Caboclos, dos Encantados e de todos os povos que habitam e sustentam a força da mata, da floresta e da terra. Essa faixa é uma reverência às energias que constroem e protegem esse Brasil encantado, diverso, miscigenado, cheio de mistério, memória e axé. É uma música que me conecta com a alegria da terra, com a sabedoria dos povos indígenas, com os espíritos da natureza que nos cercam, nos guiam e nos abençoam.

Fala do Axé da mata, da força do verde, da cura que vem do chão, do canto dos pássaros, do vento entre as folhas, da água que corre — e do quanto tudo isso vibra em nós, ainda que às vezes a gente esqueça. Essa faixa nasceu da vontade de vibrar em união, de dançar, de celebrar. Ela traz a batida dos tambores que nos envolve junto com o sopro das flautas de bambu, ela é alegre, é festiva, é cheia de força.

É meu jeito de agradecer e honrar os encantados, os protetores, os curadores da terra. Quando canto “Encantados da Mata”, sinto que meu corpo vira floresta e que minha voz caminha junto com os espíritos que mantêm esse território vivo. Ofereço a minha tataravó, Zumba, presença viva no tronco da minha ancestralidade.

“Coroa de Santo”: nasceu num momento em que eu poderia ter reagido com raiva, com palavras duras, com o impulso de me defender na mesma frequência de ataque. Depois de um episódio de julgamento, preconceito e machismo que vivi na internet, eu parei, respirei fundo — e fiz música. Transformei aquela dor e aquele incômodo em criação, em devoção. Essa faixa é um canto de força e reverência. Uma resposta que não veio com confronto direto, mas com firmeza espiritual.

Coroa de Santo é sobre isso: sobre lembrar de onde vem a minha força. Sobre afirmar, com toda a dignidade e honra, que a minha coroa é ancestral, é espiritual, é sagrada. Encerrando o álbum, essa música sela o ritual que atravessa todas as faixas de “ADÊ”. É uma afirmação da minha realeza interna, da nobreza que carrego não por status, mas por linhagem, por fé, por caminho trilhado junto aos orixás.

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