Álbum de Monchmonch é punk distópico com influências de Viagra Boys a Tom Zé; leia faixa a faixa

30/06/2025

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Por: Revista NOIZE

Fotos: Divulgação/Marina Mole

30/06/2025

Imagine o seguinte cenário distópico: um grupo de bilionários colonizam Marte e, de lá, assistem à Terra colapsar em uma tragédia que eles mesmos ajudaram a criar. Nem parece tão distópico assim, se pararmos para pensar. Foi matutando sobre essa ideia que nasceu MARTEMORTE, novo álbum do paulistano Monchmonch, que saiu neste mês pelo selo português Saliva Diva em parceria com a Seloki Records (BR).

O resultado é um disco que mistura pirações sonoras com muito reverb, numa espécie de pós-punk experimental com influências que passam de Glote a Tom Zé, de Ana Frango Elétrico a Ramones, de Radiohead a Viagra Boys. Instrumentos que tensionam sob o caos sonoro acompanham a narrativa. As letras — com títulos como “Jeff Bezos Paga um Pão de Queijo” e “Rasga Céu” — ganham toque de humor e pós-ironia, tendo o pão de queijo, veja só, como símbolo das ilusões perdidas.

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Complementa-se ao álbum uma HQ que ajuda a conceituar visualmente essa narrativa. “Desde sempre fui muito ligado a histórias em quadrinhos, não à toa, o próprio nome MONCHMONCH vem daí. É uma onomatopeia para expressar algo sendo devorado”, conta o artista. O projeto gráfico é assinado por Atópico, Luvas Novas, Lori Rodrigues, Marcilío Pires, Violenciazinha, Sophia Tegoshi, Sofia Belém, Bruno Xavier e Luís Barreto. Já a arte do prefácio é de Bia Oliveira, e o design assinado por Alice Rocha.

O mais legal é que o projeto vai ganhar uma versão em vinil, com um lado B exclusivo em mídia física. Ou seja, o que ouvimos agora é a metade dessa narrativa que promete desdobramentos ainda mais intensos.

O grupo é formado por integrantes que fazem um intercâmbio sonoro entre o Brasil e Portugal — entre eles, oriundos do projeto Baleia Baleia Baleia. Do Brasil, Alice Rocha no backing vocal, Omar da Matta na bateria, Valentim Frateschi no baixo e José Victor Barroso e Caio Colasante nas guitarras. Em Portugal, Manuel Molarinho no baixo, Ricardo Cabral na bateria, Matias Ferreira na guitarra e José Silva nos synth e guitarra.

A produção do trabalho é assinada por cleozinhu (Duo Chipa, Manobra Feroz) e Sammy Shirts.

BOLINHA DE FERRO“:  É uma das músicas que mais passa a sonoridade MONCHMONCH. É rápida, tem um ritmo complexo, mas, ao mesmo tempo soa simples. Também é carregada de elementos eletrônicos e muitas bagunças sonoras. Tem ainda um “feat” com o TAZ, dos Looney Tunes. Faz sentido como primeira música porque é caricato ao que produzo.

Refs: Thee Oh Sees, King Gizzard & the Lizard Wizard , Glote

CITY BUNDA” Essa música me fascina bastante, porque no que conseguimos chegar musicalmente é algo que está mais próximo do jazz do que o rock, mas tem um tom de sátira ao refinamento jazzístico, ela é extremamente refinada em ser esquisita. A música nasceu falando de São Paulo, mas, no fundo é sobre a sociedade, este grande acordo mundial de fazer muita merda e agir com total naturalidade sobre o assunto. Nossa sociedade é uma tragédia e existe um deleite nisso. Somos absolutamente tarados pela desgraça humana, somos incapazes de fazer um mundo melhor, acho que no fim desse álbum, eu passo a acreditar nas formigas, e deixo isso mais evidente com os quadrinhos.

O quadrinho que acompanha a música é feito por Atópico e captura o nosso ridículo com precisão. A história é uma reportagem sobre uma cidade aleatória deste mundo em ruína, onde todos idolatram Jeff Bezos, o autoproclamado rei do universo. Esta reportagem é uma referência a uma propaganda muito antiga de São Paulo, onde mostravam como a cidade era maravilhosa, moderna, revolucionária, quando bem sabemos que ela é suja, desigual e violenta.

Refs: Tom Zé, Ana Frango Elétrico, Tutu Nana

CRYPTOQUEIJOS” Este interlúdio representa um surto comum na vida de todo humano que não ascendeu economicamente. São as infinitas parcelas de aluguéis, as assinaturas, os empréstimos, todo o pesadelo se materializando numa chamada de call center cobrando uma fatura obrigatória para comprar uma passagem para “Marte Condo-Village”. O sonho fútil que engana todo dia. O engraçado nessa música, embora seja uma grande fantasia, é que na realidade, estou de fato num processo judicial contra a Claro, que vem cobrando parcelas gordas de uma conta que eu já cancelei há quase um ano.

JEFF BEZOS PAGA UM PÃO DE QUEIJO“: Esta é a música que iniciou o álbum, e sem dúvida é a que carrega todo o álbum, e também os shows. É uma música que entra no coração de qualquer fudido, seja português, brasileiro, inglês, japonês, medieval, paleolítico. Sempre houve um Jeff Bezos. O nome e a cara mudam, mas a face do capital sempre surge para sangrar os sacrifícios, que somos nós. Essa música é um grito tragicômico de esperança e desastre. O quadrinho feito por Luvas Novas, representa muito a trama, as criaturas do mundo se unindo milagrosamente numa grande massa de carne, num lance meio AKIRA, um sonho comunista. No fim do quadrinho, ao toque de um botão do todo-poderoso Jeff Bezos, somos obliterados com toda a esperança da humanidade e com o planeta Terra.

Refs: Ramones, Prison Affair, Guilhermoso Wild

VELHOS BRANCOS VELHOS CAREQUINHAS“: Essa foi feita em Portugal e é um reforço do universo da música anterior, tem o clima mate ou morra. Quase sempre é a gente que morre, em uma infinidade de mortes que só o sistema capitalista pode proporcionar, matança de corpo, alma, sonho, tudo. Essa música é um chamado para cada um, enfrentando seja lá qual desafio, que continue alimentando seus sonhos e explodam prédios, as suas maneiras, não porque o terrorismo vai vencer, isso é improvável, mas porque é o que é possivel. Essa música é tragédia e esperança lado a lado. 

Refs: Baleia, King Gizzard & the Lizard Wizard, Tangolo Mangos

RASGA-CÉU“: Essa aqui é um delírio de ver certos tipos de CEO’s tendo seu fim, a coisa é maior, mas procuramos sempre um alvo para os problemas. Se o capitalismo é o problema, os seus arautos são as cabeças de empresa e eles vão ser atacados pelo meu ódio. Fiz no ápice de me dar mal na Europa e isto é pura sede de sangue.

Refs: Radiohead, Fontaines

PRÉDIOS“: É desistência. Minha mente se recusa a cair neste lugar, e acho que a de todo mundo que continua andando segue assim, mas aqui é o momento da saga do herói, em que o herói cai, no caso da história do álbum e dos quadrinhos, aqui a humanidade acaba, ou pelo menos a parcela humana não bilionária, que não se enfiou num bunker ou se mudou para Marte. 

Refs: Elliot Smith, Velvet Underground, Sorry

VALA“: Aqui o álbum-quadrinho começa entrar mais ainda na fantasia pós-humana, aqui o humano já não existe. Dos restos mortais e vegetais do mundo, se ergue uma nova criatura, sedenta por vingança. A natureza vem dar o troco, criando um novo tipo de vida para destruir enfim Jeff Bezos. Essa música veio após assistir à Visita ao Inferno do Herzog, que mostra a potência dos vulcões em destruir imediatamente o humano, totalmente insignificante perante o poder da natureza. Aqui acontece a primeira vitória do disco inteiro, a vingança da Terra e o fim do humano e do capitalismo. A letra da música e o quadrinho narram igualmente estas criaturas vulcânicas indo obliterar o que sobrou da humanidade (os bilionários que vivem em Marte).

Refs: Talking Heads, David Bowie

COISA LINDA“: Na representação dessa música na história em quadrinhos já não existe nada humano, mas criaturinhas se comendo apenas no grau necessário, as coisas em equilíbrio. De novo com inspiração no filme do Herzog: uma natureza ameaçadora e brutal, mas linda e equilibrada, quando não envenenada pela mão humana. Aqui o significado vem nos versos “o mundo cai, tranquilo, coisa doce, coisa linda”. Existe paz sem o humano, uma paz bruta e sangrenta, mas verdadeiramente real. É a cobra que come o pássaro que come a minhoca que come a formiga. E eu acredito nas formigas. Essa música tem uma sonoridade bem diferente, alegre e divertidinha. 

Refs: Sorry, Metronomy, Plantasia

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30/06/2025

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