Lançado em setembro, Fulorá (2025) é a estreia solo da artista paulistana Bruna Black. Da participação no The Voice Brasil — programa em que chegou até as quartas de final — ao duo ÀVUÀ com Jota.pê, Bruna cava espaço na cena atual da MPB. Com o novo trabalho, cujo título foi inspirado em Luiz Gonzaga, escreve um novo capítulo dessa história que está apenas começando.
Em entrevista à Noize, Bruna explica que as primeiras músicas do álbum nasceram em 2019, mas permaneceram em processo de maturação durante seis anos. Ao longo das 13 faixas, ela canta sobre amor, maternidade e a música nacional.
“O álbum é dividido em três conceitos: Semente, Broto e Florescer, em que cada canção se encaixou na fase relacionada ao nível de maturidade que estava no momento em que a escrevi”, diz. Nos feats, participam “artistas que admira”, como explica a própria Bruna, que divide o microfone com Juliana Linhares, Chico César, Baobá, Clarianas e Jéssica Gaspar.
Para tirar a ideia do papel, Bruna contou com a produção musical de Webster Santos e o diretor criativo Lucas Jesus. Fulorá (2025) nasceu com visuais caprichados. “Queria mostrar algo contemporâneo sem perder as raízes. Trouxemos diversas referências: Lia de Itamaracá, Janelle Monáe, Tyler The Creator e Erykah Badu”, diz.
Bruna cresceu com música. Aos três anos, entrou no coral da igreja, estudou canto popular e erudito na adolescência até chegar à sonoridade de hoje. Ela apresenta o repertório pela primeira vez nesta sexta-feira (17/10) e sábado (18/10), no Sesc Bom Retiro. [ingressos aqui].
Com Fulorá (2025) no mundo, Bruna Black já sabe seus próximos passos: “Como diz o próprio nome do disco, espero que floresça! Quero cativar o público e colocar esse álbum nos palcos. Fulorá é para sentir à flor da pele”, explica a cantora. Leia (e ouça) o faixa a faixa abaixo:
“A Capela”: fiz para um ficante, no intuito de dizer que o sentimento estava mais profundo, mas que eu estava insegura em dizer. Quando mostrei essa música pra ele, foi a capella, impactante pra mim e pra ele. No final das contas, o relacionamento não deu certo, mas dali em diante entendi que eu tinha uma sensibilidade mais aflorada para desenvolver sentimentos profundos, e que minha voz por si só é um portal pra isso.
“Porto”: sobre aquele amor que te deixa livre, e que é tão seguro e confortável, que dá vontade de ficar por escolha própria e não por dependência.
“Vale Tudo”: essa canção fala sobre o pós-parto e seus desafios, em que quem se propõe a cuidar passa por toda exaustão, e que, no final de tudo, encontra nos detalhes mais belos o motivo real de se dedicar. Onde o amor é o cansaço e o descaso ao mesmo tempo.
“Saudade”: sobre o encontro de duas mulheres, a potência do encontro homoafetivo e sensações tão fortes quanto fenômenos da Terra. É a saudade de uma química que só se tem nesse tipo de encontro, orgasmos profundos que deságuam.
“Marrom cremoso”: geralmente o homem negro está atrelado a agressividade, a uma certa “pegada”. Quando, na verdade, existem os que são desprendidos dessa ideia de que as relações precisam ser como nos conteúdos 18+. É um delírio cativado através da sensibilidade, onde as sensações partem de um toque cauteloso, lento e sem pressa.
“Arrepiei”: escrevi quando não estava disponível sexualmente na relação. No pós-parto, meus hormônios mudaram muito, misturado ao cansaço e toda a insegurança com meu corpo. Foi preciso que meu companheiro entendesse que não se tratava de não desejá-lo, e que ele precisava respeitar esse momento.
Acho que isso é uma questão muito séria a ser discutida na sociedade. Li diversos relatos, sobre resguardos quebrados e agressividades de maridos para com suas mulheres, e me espantei. O distanciamento do casal nos primeiros meses e até anos, depois que a criança nasce, é muito comum.
Mas com o companheirismo e conversa, se descobre uma conexão por outros meios e formatos. “Arrepiei” foi crucial para que eu entendesse que ainda havia desejo, mas que eu precisava de tempo para entender o que se passava comigo, reviver minha autoestima e assim me abrir para o desejo.
“Quebra Prato”: inspirada pelo toque de evocação da Orixá Oyá, a própria tempestade. No candomblé, é chamado de “Daró” e “Quebra-Prato”. A letra é um relato da dança de Oyá, um Orixá que pode ser bruto e delicado, que é búfalo mas também é borboleta. Sua dança, como o vento, vai da calmaria ao vendaval, mas transforma e cativa por onde passa com sua energia e movimento.
“Noda de Caju”: “noda” é o encontro entre pessoas de diferentes estados ou países. A liga da conexão que ultrapassa fronteiras, diferenças, que dança e se delicia. O entrelace de corpos que deixam um pouco de si no outro: um cheiro, tato, palavras, uma dança… e, principalmente, a memória.
“Zoin”: convidei mães de meninas negras para o feat. Essa música foi inspirada pelo livro Amoras, do Emicida. Cito um provérbio africano, com intuito de passar para a frente a ideia de que as crianças são responsabilidades da comunidade, mesmo quem não tem filho deve ter essa empatia.
As crianças são dádivas, e seus cuidadores precisam de apoio. Essa ideia de que “quem pariu, mate e balance” não condiz com premissas de povos originários e africanos. Inclusive, coloco uma voz masculina no coro, como um chamado para homens entenderem que essa é uma função independente de gênero.
“Rio”: escrevi quando vi o show da Maria Bethânia, em que ela convidou Xande Pilares, os cabelos que cito na música são dela e as nagôs são dele. Esse show foi no Rio de Janeiro, era lua cheia, o mar estava revolto.
Falo sobre o prazer de inspirar em quem admiro, alucinante pra mim, principalmente depois que encontrei a Maria Bethânia no camarim e me senti abençoada por poder tê-la conhecido. O refrão foi inspirado pelo Rubens Oliveira dançando no clipe “Esperança”, de Criolo, nos takes em que ele dança na frente do mar, e parece que as ondas seguem ele.
“Fica?”: uma resposta a música “Caju” de Liniker, em que me coloco no personagem que corresponde, e na música tento colocar literalmente as respostas das perguntas que Liniker coloca na música. Liniker canta: “Pedindo para eu ficar, pra não voar”, e eu respondo logo no título: “Fica?” e também no refrão: “Fica? Me diz que é bem possível?”.
“Xuliana”: inspirada na Juliana Linhares. Quando cantamos juntas pela 1º vez, refleti sobre a sensação incrível de dividir o palco com artistas fodas, trocar vivências, rir, se divertir e dividir camarins. Pra mim é de extrema intimidade cantar com alguém, é um presente aprender através da admiração.
“Fulorá”: falo sobre como as fases da vida nos modificam. Projetar e criar o futuro é uma grande responsabilidade. Honrar o passado é cavar sua própria honra, respeitar o presente e abraçá-lo com toda beleza, defeitos, é regar e nutrir o florescer para frutificar, trilhar o caminho com legado e garantir uma raiz forte para os que virão.