Foi de um encontro na casa de Catto que surgiu a parceria afetiva e musical entre Pélico e Ronaldo Bastos. Eles se conheceram na casa da amiga em comum, em 2019, e logo viram afinidades. Depois, veio a vontade de criar juntos: primeiro, nasceu uma música; este ano, virou um álbum completo. Juntos, eles lançaram, em setembro, A Universa me Sorriu – Minhas canções com Ronaldo Bastos (com direito à música dedicada para Catto, “Deusa Mistica”).
O título veio inspirado pelas conversas de Pélico com a amiga e poeta Mariana Portela — ela se refere ao universo como “universa”, assim, no feminino. Depois, veio o encontro com Ronaldo, a parceria entre fã e ídolo. Por tudo isso, certo dia, Pélico comentou com sua assessora, Piky Candeias: “Acho que o universo voltou a sorrir pra mim”. Nascia ali o nome do disco.
O disco reúne dez inéditas com letras de Ronaldo Bastos e do próprio Pélico, que também assina as melodias. Em um registro mais solar, o trabalho é guiado pelo violão de nylon em diálogo com a leitura rítmica de João Erbetta e Guilherme Kastrup, além das flautas e sax de Marcelo Politano. Os arranjos ainda contam com a sanfona de Tony Berchmans e a guitarra de Régis Damasceno, enquanto as participações especiais ficam por conta de Marisa Orth, em “É Melhor Assim”, e Silvia Machete, em “Sem Parar”.
A Universa me Sorriu também passa por uma curiosidade: é o primeiro álbum de Pelico tocado em violão de nylon. “Foi ideia do Jesus Sanchez, ele notou que nos meus discos anteriores, o instrumento pouco aparecia. Agora, ele é protagonista. Entao chamamos o João Erbetta, grande violonista, guitarrista, que ajudou a dar esse tom de brasilidade pro álbum”, conta.
Conversamos com os artistas, separadamente, sobre como nasce essa parceria e como foi produzir o álbum em conjunto. Confira abaixo:
[Pélico]
Vocês se conheceram por meio da Catto. Como foi esse encontro?
Então, eu conheci o Ronaldo em 2012 na casa da Catto. Tava rolando uma festinha, alguns amigos e amigas, e eu lembro exatamente de quando entrei na sala e vi o Ronaldo. E eu era muito fã do Ronaldo, sempre fui muito fã. E eu falei: “Gente, Ronaldo Bastos!” Cumprimentei ele e tal. E o Ronaldo é uma pessoa muito expansiva, ele gosta muito de gente, gosta de prosear.
E ele tinha lançado um disco de 2011, o Liebe Paradiso, que eu tinha gostado muito. E eu puxei esse assunto com ele ali, falei: “Olha, Ronaldo, eu queria te falar que adora esse seu disco”. E, desde então, a gente foi falando por e-mail. Em 2019, decidimos fazer nossa primeira parceria.
Como foi esse primeiro processo e como ele levou para essa atual parceria, com um disco cheio?
Então, no final daquele ano, o Ronaldo me mandou uma mensagem falando: “Querido, vamos fazer uma música”? Falei: “Vamos”. Você me manda uma melodia? E aí eu fui dar uma vasculhada nas minhas coisas e mandei três melodias para ele.
Algumas semanas depois, ele me mandou a letra, que se chama “Na Barca do Amor.” Fiquei encantado com a letra, como ele tinha respeitado exatamente a melodia que mandei. O Ronaldo é muito cirúrgico. Não tem hora de prosódia, não tem sílaba a mais.
Eu como eu tinha feito a melodia, eu peguei a letra e cantei de prima, sabe? Uma coisa encantadora. E aí eu fui morar em Portugal e a gente ficou naquela, vamos lançar. Mas aí veio a pandemia, e engavetamos.
Voltei para o Brasil em 2022 e a gente falou: “E aí, aquele projeto, ainda está no ar?” E nessa eu falei: “O Ronaldo, que tal a gente gravar um disco?” Ele falou: “Bora, vamos gravar”.
Qual sua música favorita do repertório do Ronaldo?
Olha, essa pergunta é bem difícil de responder. Eu gosto de tantas…. Oh, meu Deus! Mas eu acho que eu vou ficar com “Cais”, música dele em parceria com Milton Nascimento.
[Ronaldo]
O que você mais admira na assinatura musical/composição de Pélico?
Eu admiro muito a qualidade das canções dele, sempre bonitas e muito bem escritas. Gosto também do frescor que elas têm, da espontaneidade que elas me passam a cada audição. E gosto muito dele como intérprete das próprias canções, que ficam num lugar que é bem brasileiro e universal ao mesmo tempo. Nisso eu me identifico bastante com ele. Foi uma alegria termos juntado forças para criar canções novas, com a bagagem e o amor pela música que os dois temos.
Ronaldo, hoje que lugar tem a poesia na sua vida? Ela inspira de alguma forma as suas composições?
Eu sempre li poesia. Tenho um respeito e um amor profundo por todos e todas que se dedicam a ela, e sou fascinado por muitas obras poéticas. E no Brasil há muitos nomes que são fundamentais. Acho que qualquer pessoa que trabalha com arte tem que conhecer o que essas pessoas fizeram e fazem.
No entanto, a poesia nem sempre foi uma influência direta para eu querer fazer canções. Porque, para mim, letra de música é música. Quer dizer, compositor letrista é músico, e não necessariamente um poeta, embora algumas das minhas canções talvez possam ser lidas dessa maneira sem a música. Mas eu sou súdito das melodias. Elas são mesmo o meu norte. Meu ofício é revelar a canção que já existe naquela melodia.
Há projetos para 2026 que você possa nos adiantar?
Há, sim. Tenho um projeto de canções inéditas em parceria com outro jovem e talentoso parceiro. Letras minhas que estavam escritas há décadas foram lindamente musicadas por ele e viraram um álbum conceitual. Eu não posso revelar muito ainda, porque estamos em fase de captação de recursos, já que se trata de um projeto que inclui artistas de outras latitudes. Vai ser um álbum para celebrar o mundo lusófono. Eu estou muito entusiasmado com esse projeto.
Leia faixa a faixa de A Universa me Sorriu:
”A Universa Me Sorriu”: Esta faixa traz muito do conceito do álbum, que traduz um momento feliz, uma sorte, uma hora na vida em que de repente “a universa nos sorri” e muitas coisas boas passam a acontecer. Usamos a palavra “universa” no feminino, inspirados pela minha amiga poeta Mariana Portela, que sempre ressalta a natureza feminina de toda força criadora. O fato da voz ser acompanhada apenas por instrumentos de corda num arranjo muito suave, trouxe uma delicadeza para a música, reforçando a mensagem da letra.
“Infinito Blue”: Esta foi a primeira música a ficar pronta. Eu já tinha essa melodia há um tempo e assim que comecei esse projeto, mandei para o Ronaldo. Em poucos dias ele mandou essa letra incrível, que é um passeio por imagens variadas, descrevendo uma paixão. Depois nós chamamos o João Erbetta, que gravou violão de nylon, orientando assim todo o incrível arranjo da música.
“Sua Mãe Tinha Razão”: Nesta música realizei o sonho de compor um ijexá, coisa que nunca tinha feito antes. Essa foi uma das músicas que eu e Ronaldo compusemos presencialmente, junto com Léo Pereda, que assina essa conosco. Eu tinha a ideia inicial, de falar de uma lembrança que virou canção e Ronaldo foi continuando, teve um “insight” de colocar a palavra “trampolim” e ficamos criando a história da música juntos na casa dele, no Rio.
“Marinar”: Essa foi a primeira música que fiz com Ronaldo, ainda em 2019. Antes ela chamava “A Barca do Amor”, mas a estrutura, tanto de letra como de melodia, já estava pronta. O narrador é alguém que fica olhando para um amor idealizado, talvez através das redes sócias, sonhando com o dia desse encontro acontecer.
“É Melhor Assim”: Encontrei o Otto numa festa e ele cantou para mim a primeira frase dessa música e disse “agora continua”. Aí eu e o Ronaldo fomos juntos continuando a história da letra, que fala sobre amores inventados, como elações virtuais, que dão uma sensação de afeto e proximidade, mas que na maioria das vezes são vazias. Nos divertimos muito criando esse personagem. A música acabou ficando um rock com um arranjo divertido e chamamos a cantora e atriz Marisa Orth para participar, o que deu um tom ainda mais bem-humorado à canção.
”Louva-Deus”: Essa é a única música do disco que gravei tocando violão. Também foi a última a entrar, embora a gente tivesse essa ideia do louva-a-deus há um tempo. Um inseto que traz em seu nome a ideia de fé e a ideia de louvar um deus ou alguma força maior. É uma música sobre fé, mas uma fé no amor, não na religião necessariamente.
“Sem Parar”: Mexendo no baú do Ronaldo Bastos, com escritos de várias épocas, encontramos essa prontinha, com o refrão em inglês. Ronaldo diz que escreveu na juventude. Ele foi até a cozinha fazer um café e, quando ele voltou, eu já tinha feito a melodia. Foi a melodia mais rápida que fiz na minha vida. Convidamos a incrível Silvia Machete para cantar comigo.
“O Amor Ficou”: Desde o começo da produção do disco tínhamos optado por fazer um disco bem brasileiro, diferente dos meus anteriores. Nessa faixa tem a incrível sanfona de Tony Berchmans, que acabou dando o tom da música. A letra tem a identidade de Ronaldo, com descrições de paisagens, céus e um amor que foi embora.
“Luz da Manhã”: Amo essa letra, que fala sobre coragem, sobre alguém que foi tentar a sorte no mundo enquanto o outro ficou. Amo os versos do Ronaldo “como um lance de dados sob a luz da manhã”. A melodia tem charme daqueles sucessos de rádio dos anos 70.
“Deusa Mística”: Essa é pra a Catto, que além de minha amiga, é das maiores cantoras do país e foi quem me apresentou o Ronaldo. Achamos que ficaria bonito ela ser uma música cantada à capela, só minha voz, sem nenhum instrumento me acompanhando. Ela fecha o álbum também concluindo um pouco a ideia do disco, de alguma maneira, de falar dessa força criadora de todas as coisas, que podemos enxergar sempre que quisermos, pois está na simples sensação de ficar descalço na grama realizado por um dia feliz ou quando ouvimos uma música que nos transporta para outro estado de espírito, ou quando de fato estamos agradecidos por algo grandioso que nos aconteceu. No final das contas, esse é um disco sobre gratidão.