Vem aí a próxima edição do Coala Festival com um line de peso, incluindo Caetano Veloso, Liniker, Black Alien (celebrando os 20 anos de Babylon By Gus), Marina Sena, Nando Reis e Chico Chico, entre outras atrações, de 05 a 07 de setembro (veja ingressos aqui). Para aquecer os motores, relembramos a matéria publicada na Revista Noize #162, celebrando os 10 anos de festival. Leia abaixo:
Os coalas são nativos da Austrália, mas, no começo dos anos 2010, quatro jovens brasileiros traçaram uma analogia entre esses animais e a nossa música: ambos estavam numa situação vulnerável e precisavam de atenção.
Para Christiano Vellutini, Gabriel Andrade, Guilherme Marconi e Thiago Custódio, essa sensação ficou mais forte quando, em 2013, o Studio SP fechou as portas. A casa de shows, que funcionou por oito anos na Rua Augusta, movimentava a noite paulistana e dava espaço para artistas independentes.
Isso mostrou que eles tinham ainda mais motivos para tirar do papel a ideia que já planejavam há um ano. Foi assim que, em 2014, o Coala Festival ganhou vida. “A gente queria ser uma plataforma para dar visibilidade para novas bandas, para essa nova cena que estava acontecendo na música brasileira. E funcionou”, diz Gabriel.
Dez anos depois, o cenário musical no país é outro. “Mudou tudo: o jeito de se consumir música, o impacto da internet, do Instagram, do Spotify, do YouTube… Todas as plataformas de streaming e redes sociais ajudaram a trazer à tona essa cena que, no começo dos anos 2010, parecia que ia sumir”, acrescenta. “O que aconteceu foi o contrário dessa extinção, rolou um crescimento exponencial”.
A estreia
Quando ocupou o Memorial da América Latina pela primeira vez, em São Paulo, o Coala chegou com sete atrações. Entre elas, estavam 5 a Seco, título #98 do NOIZE Record Club, banda que abriu a edição e entrou para a história por inaugurar também o próprio festival. O Coala cresceu, assim como o quinteto.
No ano passado, na edição comemorativa de dez anos, o reencontro aconteceu, com uma apresentação que marcou a volta do grupo aos palcos após um hiato de cinco anos. “Sabia que eles estavam planejando um novo disco e pensei que seria incrível se, antes do lançamento, eles estivessem no Coala com um último show reunindo o repertório dos trabalhos anteriores”, Gabriel conta.
Além de sócio-fundador do festival, ele é responsável pela curadoria desde a primeira edição. “Foi um casamento perfeito, nostálgico e bonito. A celebração de uma história de dez anos”, recorda. Outras raízes foram criadas na edição de 2014, que além do quinteto, contou com Tom Zé, Criolo, O Terno, Charlie e os Marretas, Trupe Chá de Boldo e Shaka.
Equilíbrio de forças
Até a segunda edição do Coala, que teve Marcelo D2 e Otto como headliners, Gabriel Andrade assinou sozinho a curadoria. Logo depois, o jornalista, produtor musical e diretor artístico Marcus Preto entrou para o time, em 2016.
“Com a chegada dele, a gente conseguiu amarrar conceitualmente o que era o Coala, que é essa síntese da música brasileira, dessa transição do século 20 para o século 21, de sempre reverenciar os grandes nomes da música brasileira e abrir caminhos para a nova geração”, Gabriel explica.
Essas mudanças começaram a ser sentidas em 2017, quando Caetano Veloso encabeçou a programação daquele ano. Junto, veio também o primeiro sold-out de ingressos. O aumento de visibilidade levou a um passo maior e impulsionou a edição seguinte, a primeira com dois dias de evento.
O movimento foi acompanhado da presença de mais artistas consagrados em 2018: Gilberto Gil, Milton Nascimento e Elza Soares. No caso dos dois últimos, eles uniram forças com nomes de outras fases da música brasileira, uma das principais características do Coala. Criolo participou do show de Milton, enquanto o bloco Ilú Obá de Min convidou Juçara Marçal e Elza.

Nos anos seguintes, a tradição se encontraria com a vanguarda em diversos momentos: Gal Costa dividiu os vocais com Rubel e Tim Bernardes em 2022, no que seria o último show dela; e na mesma edição, Alcione se juntou a Céu. Em 2023, outros encontros marcantes foram os de Marina Lima e Fernanda Abreu, assim como o de Jards Macalé e Ana Frango Elétrico.
Ao fazer um retrospecto de todos os line-ups do festival, Gabriel Andrade sabe que pensar na programação se tornou desafiador com o passar dos anos, porque novos elementos entraram em jogo. “Hoje é mais difícil porque o festival cresceu muito. Então você precisa balancear o conceito com o potencial comercial”, conta.
“No começo, a gente não pensava tanto nisso. Pensava, mas menos, porque a pressão de público era menor. Então, a primeira edição era para seis mil pessoas, e agora a gente tem que colocar 45 mil pessoas em três dias”, afirma.
Outros ventos
Em 2022, uma semente foi plantada no line-up: Mayra Andrade se tornou a primeira atração internacional do festival. Apesar de ser cabo-verdiana, caiu como uma luva entre os nomes nacionais. “Ela tem licença poética para tocar no Coala, porque além de falar português, tem uma relação grande com os artistas daqui”, Gabriel afirma.
A apresentação de Mayra rendeu alguns frutos. No palco do festival, teve a chance de cantar com BK’, com quem ela havia colaborado em 2021, na faixa “Paraíso Que Me Cerca”, do EP Cidade do Pecado (2021) do rapper. Mayra ainda se entrelaçou a outro momento importante do evento.
Ela participou da estreia internacional em 2024, com o Coala Festival Portugal, que também levou para Cascais artistas brasileiros como Jorge Ben Jor, Gilberto Gil, Rubel e Céu. Na Europa, a proposta curatorial do Coala se amplia. A música cantada em língua portuguesa é o foco, aproximando o Brasil de Portugal e dos países africanos que têm o idioma como língua oficial.
Mesmo com dez anos de estrada, criar uma edição internacional foi um desafio. “Deu um frio na barriga”, Gabriel compartilha. “É como você pegar aquele Instagram com zero seguidores e fazer o primeiro post. Pensar em como vai chegar a um novo país, como vai ser a comunicação, qual vai ser o line-up, qual vai ser a curadoria… Várias coisas que a gente desenvolveu ao longo de uma década no Brasil, e que hoje estão naturais, a gente teve que parar e pensar: ‘como é que faz isso mesmo?’”.
De galho em galho
Ao contrário dos coalas, que são retraídos e não estão entre os maiores aventureiros do mundo animal, o festival soube aproveitar as oportunidades de expandir sua atuação para outras áreas do mercado musical. Uma delas veio com a criação de um selo, o Coala Records, que surgiu a partir da ideia de gravar os shows da programação do festival.
Foi o caso do disco Ao Vivo no Coala Festival (2022), que entre suas doze faixas, registrou Gal Costa cantando “Tigresa” com Rubel. No mesmo álbum, Bala Desejo canta “Lua Comanche”. A banda, que encerrou suas atividades em março de 2024, faz parte do catálogo do Coala Records e é um dos maiores exemplos da atuação ampla da marca.
Além de acompanhar de perto a gravação do disco SIM SIM SIM (2022) num estúdio no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, Gabriel Andrade pensou a comunicação do trabalho junto com o quarteto. O resultado foi uma recepção positiva do público e da crítica, com turnês dentro e fora do Brasil, e um Grammy Latino de “Melhor Álbum Pop em Português”.
Fazem ainda parte do time Coala Records nomes como Tim Bernardes, Dora Morelenbaum, Bruno Berle, Bebé e Zé Ibarra, que têm seus discos lançados em vinil pelo selo. O Coala Records faz parte do Coala Music, um ecossistema que abraça a música como um todo.
Além do selo, existem o Coala Management, para gerenciamento de carreiras de artistas; Coala Studios, responsável pela criação de conteúdo e consultorias; a agência criativa AKQA Coala.Lab; e o Coala TV, canal digital de conteúdo de música. Entre os projetos do Coala Music, estão o “Noites no Municipal”, que estreou em dezembro de 2024, levando Terno Rei e FBC para o Theatro Municipal em São Paulo. Outro sold-out recente foi o do festival GIGANTES, no Rio de Janeiro, idealizado pelo rapper BK’ e organizado em parceria com a marca.
Vestindo a camisa
Em 2014, o Coala se tornou conhecido pelos sons, mas não tardou para o aspecto visual também causar uma boa impressão. Com uma proposta diferente do que estava sendo feito naquela época, o design foi uma peça-chave para que isso acontecesse.
“Quando a gente olhava as coisas de música brasileira, sempre tinha uma direção de arte meio parecida, meio clichê, meio caricata. Foi quando percebemos que precisávamos de uma comunicação diferente”, Gabriel recorda. “É você comunicar Maria Bethânia com uma linguagem que parece que você está falando de um DJ numa rave underground”, brinca.
Essa inovação saiu do próprio cartaz do evento e alcançou todo o seu entorno. Em 2019, o Coala começou a produzir seu próprio merch. Hoje, as roupas e acessórios que eles vendem vão além da clássica camiseta de festival com o line-up estampado nas costas.
Com essa proposta, criam coleções ao longo do ano que podem ser compradas no site até por quem não foi ao festival, deixando a ideia de souvenir para trás. A ideia deu tão certo que o Coala também desenvolve e vende os produtos de artistas parceiros, como Liniker. Em agosto de 2024, a cantora esgotou em cinco minutos os bonés da turnê de Caju. O site teve 115 mil acessos, servindo de termômetro para a procura de ingressos pelos shows da cantora nos meses seguintes.
Conexão profunda
Assim como outros festivais, o Coala é palco de histórias marcantes do público. Das mais comuns, com frequentadores que vão a todas as edições e pedidos de casamento que acontecem durante os shows, às inusitadas, como a fantasia do mascote que foi roubada em 2015, após a cabeça do coala começar a circular entre a plateia.
O diferencial, no entanto, está na relação que foi nutrida ao longo da última década com uma geração que cresceu junto com o festival. “O público do Coala é fã de música de verdade, está lá para ver o show, conhece as músicas”, Gabriel diz.
Na contramão de outros eventos, que enchem o espaço de ativações de marcas com propostas desconexas, o Coala usa isso ao seu favor para que essas interações sejam de fato relevantes para o público. “Sempre tentamos integrar as marcas à experiência do Coala. Então a gente pensa em como sanar as dores que o público tem e potencializar a experiência do festival em vez de criar uma experiência que não tenha nada a ver com o festival”, conta.
Dessa lógica, surgem ações como área de descanso e distribuição gratuita de água e protetor solar. “No pós-pandemia, surgiram muitas iniciativas dentro do entretenimento, não só de festivais. A saída é entender como se diferenciar no meio de tanta coisa, fazer barulho e ser uma experiência que as pessoas prefiram em vez de outro rolê”, declara. “A ideia é que o palco seja protagonista. Acho que isso tá no nosso DNA.”


