O Tokio Marine Hall, em São Paulo, mais uma vez foi palco do Balaclava Fest, no último domingo (9/11). O festival é conhecido pela curadoria pautada no indie de ontem e hoje: além de pinçarem bandas de shoegaze, dreampop e outros estilos do rock alternativo, a Balaclava Records também projeta novos artistas nacionais do próprio selo para um público que pode curti-los: é o caso de Gab Ferreira, Walfredo em Busca da Simbiose e Jovens Ateus, que abriram os trabalhos para Geordie Greep, Horse Jumper of Love e os headliners Stereolab e Yo La Tengo.
Em uma era em que os festivais se consolidam como marca, chamando tanta atenção quanto as atrações em si, o Balaclava Fest, junto ao Popload e C6, atende a um público real fã de música. Trazendo um formato enxuto, com atrações concentradas em apenas um dia, o Balaclava consegue atender um público alternativo que dificilmente veria seus ídolos tocando em grandes palcos brasileiros — para se ter ideia, o Yo La Tengo e o Stereolab tocaram por aqui no Sesc Pompeia nos anos 2000, quando estavam relativamente no auge.
Portanto, não é de se estranhar que esse público tenha enchido o Tokio Marine, formado, naquela noite de domingo, majoritariamente por millennials que provavelmente ouviram essas duas bandas por anos a fio, seja nas caixinhas de som do velho PC ou nos fones de ouvido de seus discmans.
Rock alternativo de ontem e hoje
O evento foi dividido em dois palcos: o principal, Balaclava, e o Vans, voltado às atrações do selo. Neste último, o destaque fica para os Jovens Ateus. A banda conseguiu encher o palco menor mesmo tocando pouco antes do Yo La Tengo, cujo público mais ávido já começava a migrar para o palco principal.
O quinteto paranaense vem ganhando projeção na cena pós-punk atual. Formada por Guto Becchi, João Manoel Oliveira, Fernando Vallim, Bruno Deffune e Antônio Bresolin, a banda combina guitarras e sintetizadores soturnos com letras sobre o desencanto contemporâneo, soando como herdeira natural do espírito alternativo que o festival celebra.
A banda estava mais azeitada e segura no palco em comparação com performances anteriores — mérito da maturidade conquistada ao longo das apresentações ao vivo do repertório do álbum de estreia, Vol.1 (2025).
Destaque também para a versão joy-dividiana de “Igreja”, dos Titãs, presente no clássico Cabeça Dinossauro. Na nova roupagem do grupo, a faixa se torna uma espécie de manifesto da própria banda, com Guto empunhando seu microfone para o alto enquanto cantava: “Eu não gosto de bispo/Eu não gosto de Cristo/Eu não digo amém”.
Mas a maioria do público foi mesmo para acompanhar Yo La Tengo e Stereolab, bandas veteranas do rock alternativo. A primeira — formada por Ira Kaplan (guitarra e voz), Georgia Hubley (bateria e voz) e James McNew (baixo e voz) — se deparou com um público devoto. Intercalando momentos de psicodelia indie com baladas leves, tocadas num volume mais baixo, o show contou com plateia atenta (que ficava no mais absoluto silêncio nas faixas mais intimistas).
Apesar de ter lançado o álbum This Stupid World há menos de dois anos, a banda entregou um show com antigos hits, para o deleite dos fãs. No set, predominaram os álbuns I Can Hear the Heart Beating as One (1997) e And Then Nothing Turned Itself Inside-Out (2000), com faixas como “Big Day Coming”, “Sinatra Drive Breakdown” e “Stockholm Syndrome”. Ao vivo, Kaplan alternava ataques de guitarra ruidosos com passagens sutis, enquanto Hubley e McNew sustentavam uma base rítmica quase hipnótica. A banda reafirmou seu papel como um dos pilares do indie norte-americano: introspectiva, mas preenchendo o palco com densidade.
Em seguida, o Stereolab confirmou o título de atração mais aguardada da noite. O grupo britânico-francês liderado pela diva-mor Lætitia Sadier (vocais, teclados, guitarra) e Tim Gane (guitarra, teclados), acompanhados por Andy Ramsay na bateria trouxe ao palco uma combinação precisa de elegância e barulho. O show marcou a estreia sul-americana do novo álbum Instant Holograms on Metal Film (2025), e intercalou faixas novas com clássicos dos anos 1990, como o Dots and Loops (1997).
O repertório passou por “Miss Modular”, “Household Names” e “Motoroller Scalatron”, mostrando a facilidade com que transitam entre o shoegaze, o krautrock e o andamento lounge-experimental, que horas lembram até a nossa bossa nova (influência assumidíssima do grupo). Mas o destaque mesmo fica com Lætitia, que toca de tudo: vai da guitarra para o trompete, intercala com os synths, sai correndo de fininho do palco para buscar um pandeiro, interage com a plateia exalando simpatia.
A noite de domingo foi encerrada com guitarras em alto e bom som, fazendo derreter parte do público que não queria arredar o pé do Tokio Marine Hall. Mais uma noite memorável para os fãs de música (e de festivais, por consequência).




