Lançado em outubro, Crônicas (2025) é o terceiro álbum de Fleezus. Depois de Off Mode (2023) e feat com Marina Sena em “Que Tal”, o rapper paulistano apresenta trabalho mais maduro e íntimo. “É uma realização, conseguir traduzir da forma como realmente sinto. Já passei dos 30 e não dá mais para olhar pra trás”, diz.
O nome Crônicas não é atoa. Pelas 14 faixas, Fleezus mostra a vida na periferia, o dia a dia do motoboy e a noite de São Paulo. Com uma lírica marcante e estilo influenciado pelo rap dos anos 90, em especial o grime, o artista apresenta o corre do brasileiro. “Por mais que existam as adversidades, a gente segue e não vai se calar”, diz ele.
Produzido por CESRV, Ell Liff, Mad Gui e Paulo DK, a lista de feat ainda traz: Criolo, Febem, Hot, Bradockdan, LPT Zlatan, Pastor, VND, SD9 e P.L.K. “Quis reunir amigos nesse processo. Essa troca acaba virando música”, comenta.
Fleezus estreou com Eskibaile (2020), o álbum, co-produzido com time que se repete em Crônicas, chega depois de um caminho pavimentado pelos EP’s Ondas (2017), Ruas (2019) e Brime (2020). Brime, inclusive, reverberou em diferentes mídias. Ganhou versão em vinil, edições da festa “Baile do Brime” com Tasha & Tracie e turnê na Europa.
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Crônicas faixa a faixa:
“Rádio Fleezus”: a faixa intro é um protesto em que eu digo que eles podem tentar calar nossa voz, mas não vão conseguir. Ela vem pra dizer ao mundo que a gente tá aqui, firme e forte, por mais que existam as adversidades, mas a gente segue e não vai se calar.
“Quem Vai Rezar Por Vocês”: essa faixa é sobre quem já trabalhou como office boy e tinha o sonho de um dia ser rapper e viver da sua arte, poder mostrar a forma como aquele trabalhador via o mundo. É para as pessoas que querem viver da sua arte, colocá-la no mundo. Levante, acorde cedo em busca do dinheiro e a cada dia corra atrás do seu sonho, querendo chegar no céu e alcançar os seus objetivos. Essa música mostra a forma como eu enxergo o percurso para chegar e para continuar trilhando o caminho que eu trilho.
“Anjo45”: faz referência a versão de Caetano Veloso para “Charles, Anjo 45”, canção de Jorge Ben Jor. Ela conta a história do dono de um morro que ficou recluso por algum tempo e que fazia falta na rotina dos moradores que se sentiam protegidos por ele. As pessoas daquele ecossistema viviam na esperança de que, com o retorno daquele rapaz, as coisas voltariam ao seu devido lugar e quem vive sob a ótica da periferia sabe muito bem do que eu tô falando. Mas, um dia a música cruzou seu caminho e salvou sua vida, mudou seu destino pra sempre. A arte resgatou aquele jovem da dura realidade das ruas que, por muito tempo, pareceu ser o único caminho possível pra ele.
“Pace de Malandro”: retrata o corre do cotidiano do povo brasileiro que tá na luta, na labuta, que segue em um “pace de malandro pela capital” porque Deus quer assim, e a gente segue da forma como tem que seguir. Essa faixa fala daquela malandragem que só a gente tem, que é o “molho”, né? É assim que a gente lida com as adversidades, com os problemas e, além de tudo, também tem uma questão de autocuidado. Mais do que uma ótica social, também tem essa ótica de você praticar um exercício físico, voltar a sua energia para práticas de esportes que também é muito importante. Então, é uma mistura desses dois universos, do corre diário, da malandragem, do molho, da prática do esporte, tudo isso está dentro do universo de pace de malandro.
“Contramão”: jovens que entendem e dão valor para algumas coisas que pessoas privilegiadas nunca vão compreender tão a fundo. A gente dá sentido pra certas coisas que pra eles pode ser até supérfluo, como ter uma geladeira e um freezer cheios, não se preocupar com contas de água e de luz, com a conta de um restaurante. Entrar em uma loja e sentir o cheiro de um tênis novo traz a sensação de ascensão pra um jovem que tá crescendo com o suor do seu próprio trabalho. Então, como a gente dá sentido pra isso, a gente tá indo na contramão do pensamento da classe média alta e da classe alta que tem prioridades diferentes das nossas.
“Jóia Rara”: um chacoalhão naquela pessoa que pensou em jogar tudo pro alto e desistir no primeiro muro gigante que aparece pela frente. Eu quero dizer: tudo bem você escalar esse muro porque quando você tiver lá em cima, você vai ficar muito mais forte pra alcançar aquele outro muro que vai surgir muito maior. Isso vai te dar força, um sopro de esperança e por mais que existam essas adversidades, você fica bem depois de passar por elas. “Os moleque só quer ficar bem” consigo, com a sua família, com os seus amigos. “Jóia Rara” mostra pro mundo que a gente só quer superar essas barreiras e ficar mais forte depois de pular esses muros.
“Rivais”: conta a história de dois jovens, cada um em uma situação. O do primeiro verso tá pensando em muitas coisas que precisa fazer e ele tá cheio de neurose dentro do quarto, querendo fazer uma besteira no fim do dia, ir pra guerra, por assim dizer. E o outro jovem já está com esse ódio no gatilho, com as neuroses prestes a explodir. Essa faixa é sobre o encontro dessa rivalidade dentro desse contexto. Ali, eles retratam seus pensamentos, suas angústias, ansiedades e a realidade de viver sob pressão em um ambiente que exige muita responsabilidade. É uma forma abstrata de enxergar essas cobranças, porque pode falar sobre a pressão do trabalho, da rotina.
“Puro”: conta um pouco da minha trajetória dentro do Grime, da construção de tudo isso, algumas histórias curiosas que aconteceram. É pra dizer que estamos aí, mano, seguindo firmes e fortes, levantando a bandeira do Grime sempre que possível.
“2 Glock”: é uma música para cima, vibrante, que retrata como é a noite carioca e a noite paulista, de acordo com os nossos olhos, meus e do SD. São realidades que a gente já viu de perto, já presenciou, como a dos bailes e de outras situações que a gente conta na letra. Ela traz, basicamente, uma ótica de quebrada que não perde sua essência apesar de transitar entre diversos ambientes. Tanto eu quanto o SD continuamos jovens periféricos e que têm essa vivência muito próxima da gente.
“C.A.R.D.S”: fala das nossas vivências, da nossa observação e a gente só externou isso dentro de um rap porque acho interessante que as pessoas que não têm acesso a esses movimentos que acontece dentro das quebradas tenham um pouquinho de ciência, de noção de como é e como funciona esse ecossistema.
“Nois é Nois”: crítica sobre a indústria e também uma autocrítica. Ela diz que nós artistas do underground somos a resistência cultural, contra o que a indústria nos impõe.
“V.P.M.M”: a música “Voltando Pra Mim Mesmo” também é uma crítica e uma autocrítica. Também é a forma como eu vejo o mundo e como as pessoas me enxergam, tá ligado? Eu vejo alguns olhares, sorrisos amarelos, que eles não vão querer o meu sossego nunca. Eu vejo muita coisa e a forma como eu enxergo é como eu coloquei ali na faixa. Apesar de todos esses olhares, deles latirem alto, eu quero que eles continuem latindo alto, porque quanto mais alto eles latirem, mais alto eu vou subir e vou deixar de ouvir o latido, porque no fim do dia eu vou estar voltando pra mim mesmo e voltando pra minha verdade. Voltando pra ser quem eu de fato sou, porque o voltar pra si mesmo é um exercício diário.
“M3”: demonstração de afeto. Ela fala sobre a forma como eu enxergo que tem que ser demonstrado afeto, amor, carinho, cuidado, tá ligado? E aquelas palavras não são suficientes ainda para eu demonstrar a minha compreensão de todos esses sentimentos, mas ali tem um pouco da minha ótica do que é essa demonstração.
“Passaporte”: demonstra esperança num futuro próspero, onde algumas coisas já não serão mais tão absurdas assim, vai se tornar algo mais rotineiro. Cronicamente eu falo sobre aquele voo e sobre o “FaceTime com advogado, resolvendo algumas pendências, e os apartamentos alugados”. Isso são só ferramentas que eu encontrei para transformar a minha esperança em música. Com Crônicas enxerguei um futuro legal e bonito, não só para mim, mas para os meus amigos também, prosperidade para nós!