Atração do Psica, os manauras D’Água Negra apresentam seu indie-jazz dançante em novo álbum

01/12/2025

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Por: Vitória Prates

Fotos: Divulgação/Demi Brasil

01/12/2025

São nas encruzilhadas da rua que D’Água Negra se encontra. O grupo manauara, que capta uma mistura dançante de indie e jazz, acaba de lançar o primeiro álbum, Sinal Vermelho Vidro Preto (2025), quatro anos após o lançamento do EP de estreia: Erógena (2021). Formado por Bruno Belchior, Clariana Arruda e Melka Franco, o trio leva o repertório para o Festival Psica [ingressos aqui].

“O Psica é nosso maior ato, enquanto palco e aposta. Estamos muito empolgados. Fechamos o contrato no início do ano, executamos o álbum inteiro e agora vamos poder levá-lo para o festival. Vai ser um grande show, com direção de Gandhi Tabosa, nosso amigo e coreógrafo do Boi Garantido”, diz Bruno. 

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Sinal Vermelho Vidro Preto é um mergulho na força criativa, e na intensidade compartilhada, dos três — e enquanto montavam o repertório do álbum tiraram tarô para entender a energia do projeto — É a sensação catártica de trocar ideia com seus amigos na mesa do bar, e depois migrar para um techno no centro da cidade. Em 10 faixas e coprodução de Daniel Britta, a sonoridade exalta jazz, rock, soul, pop e a música eletrônica. 

As composições se pautam no outro: o desejo de ser visto, o medo de se entregar, as noites mal dormidas, o encontro de almas e a busca pelo afeto. O imaginário aquático também aparece nas texturas sonoras, nas letras e na releitura de “Underwater Love”, da banda Smoke City. O trio é pólvora, pronto para levar seu som Brasil afora. 

“Manaus é totalmente atravessada pela contradição de ser uma pauta global, ponte aérea para diversos lugares do mundo, que traz sonoridades diversas, como rock, blues, soul, dance, muita música eletrônica, mas ao mesmo tempo, ser isolada do resto do Brasil. O isolamento geográfico faz com que as nossas trocas sejam internas, a gente tem um molho próprio, o molho de Manaus”, diz Clariana.

O próprio nome da banda, como lembra Clariana, nasceu quando estavam nadando no Rio Negro. Os integrantes são figuras carimbadas na cena cultural de Manaus. Eles são DJ’s e produtores, tendo integrado o Manacaos, projeto que reuniu cinco artistas locais que resultou na coletânea homônima.

Quando questionamos a banda sobre o maior sonho do grupo, eles não hesitam: “Tocar com Arthur Verocai em Tóquio! [risos]”. Em entrevista à Noize, o trio compartilha as histórias da formação da banda, a forma colaborativa de fazer música, a poesia manauara e a rua como espaço de experimentação cultural.

  Vamos do começo, como vocês se conheceram e como surgiu a ideia de fazer uma banda juntos?

BRUNO: Eu e a Clariana somos amigos desde a época do ensino médio. Já adultos, Clariana aprendeu a fazer beats no Ableton [software para produção musical] depois de um curso com um rapper aqui de Manaus. Enquanto ela aprendia os beats, eu estava começando a explorar a escrita. Nasceram micropoemas e contos dessa estranha necessidade de escrever.

O timing foi perfeito. Um dia, fui na casa da Clariana e ela estava igual um bicho criando os beats [risos], em muitos loops bem lo-fi. Fui colocando minhas letras na melodia, e assim nasceram os primeiros movimentos da D’água Negra. 

Através de um grupo de amigos, conhecemos a Melka, enquanto procurávamos estúdio. A Clariana, que estava dando em cima da Melka na época [risos], convidou ela para ir ao estúdio com a gente. Melka foi, bêbada e louca [risos] e gravou com a gente. Nós apaixonamos pela sua voz, por toda a vibe. Então, quando fomos executar o Erógenas, nosso primeiro EP, já éramos uma banda. 

Como nasceu o nome “D’água Negra”?

CLARIANA: A gente estava pirando em referências amazônicas. Tem uma banda em Manaus, bem antiga, que fazia cover de Blues, os Tulipa Negra. Esse segundo nome sempre me pegou muito, quando olhamos nossas composições.

Prcebemos que falávamos muito sobre o Rio Negro, os beats todos tinham um sample de água e foi assim que surgiu o nome, em referência ao Rio Negro. E, no processo de composição/criação, existe uma alusão a pular no rio, que também esbarra no Rio Negro. Os dois são movimentos de entrega, tanto a escrita, quanto o mergulho.

Vocês tinham outros nomes em mente?

CLARIANA: Pior que não, né? Sempre foi D’água Negra.

MELKA: Quando os conheci, vocês já falavam em D’água Negra. 

BRUNO: Lembro também no aniversário da Clariana, que, em Manaus, a gente tem o costume de ficar de boa no rio, e ela fez um pedido…, o que você pediu? 

CLARIANA: Tem que ter com o que você pede [risos]. Pedi para o rio abrir os caminhos em relação à música. Nesse dia, nasceu o nome da banda, com a gente dentro do Rio Negro. 

Pedi para o rio abrir os caminhos em relação à música. Nesse dia, nasceu o nome da banda, com a gente dentro do Rio Negro. 

BRUNO: Sempre escrevi muita coisa sobre a água, são muitas referências, até nos meus sonhos, estou sempre dentro da água. Eu e a Clariana sempre compartilhamos esse imaginário líquido. O Rio Negro cruza a nossa cidade, em vários sentidos, estamos respirando ele o tempo todo, apesar da cidade ter sido construída de costas para ele. É um símbolo que materializa muito o que a gente quer como banda.

Como funciona o processo de composição?

MELKA: Acho que é uma loucurinha, né? Todo mundo faz um pouco. A produção de beat, musical é mais com a Clariana, mas de composição cada vez faz um pouco. as músicas falam muito sobre o imaginário de cada um, das nossas diferenças íntimas, ou as trocas entre a gente mesmo. Faço uma poesia, mostro para o Bruno, ele acrescenta algo, a Clariana traz alguma coisa que escreveu há anos atrás e transformamos juntos. 

CLARIANA: Tem uma diferença visível entre nossas composições do EP para o álbum, no EP ainda não tínhamos vivido a experiência do palco, as músicas surgiram da saíram da nossa intimidade para o estúdio. Os músicos que tocam com a gente trazem algo novo. Já no álbum, a gente adquiriu o corpo do palco, a música ganha outros contornos. 

BRUNO: Temos a pira de testar no palco antes, várias das faixas do álbum, nós já nos apresentamos no palco, e foi assim que percebemos que elas batiam bem uma com a outra, tem uma musicalidade interessante que faz sentido registrar. Maturidade musical.

Gostei que vocês se definem como indie-jazz manauara. Como vocês chegaram nesse som? 

BRUNO: A gente começou como uma banda de lo-fi. Sempre gostamos da repetição, a sensação meio sonhadora e nostálgica que o estilo traz. Muito disso continua aparecendo no som que fazemos hoje. Em Erógena, os três começaram a experimentar mais, ouvir outras coisas, com arranjos mais complexos, algo mais próximo do jazz, soul, R&B. 

É algo que vem do nosso imaginário pessoal, mas também familiar. Cresci com meu avô, ouvindo Miles Davis, a Melka e a Clariana também tem história com o blues, enfim. No Erógena, pegamos o lo-fi, algo nosso, contemporâneo e alternativo, e trouxe para dentro das referências que nos bancam. Ao mesmo tempo, nós também somos DJs. 

MELKA: DJ’s de todo tipo de música, mas muita eletrônica, então, não tem como fugir dos sintetizadores e de outras coisas que vibram eletrônico. Eu, que fui uma adolescente indie, também não tenho como fugir disso [risos]. Trazemos toda vivência da música dos anos 2000 e 2010, britânica, trip hop, enfim, foi uma junção de referências.

Começamos no lo-fi, mas trouxemos outras coisas que, naturalmente, gostamos muito. Desse bolo de informações, nasceu o D’água Negra. Tem muita gente que fala: o som de vocês é pop. Sim, tem muito pop mesmo, a gente gosta de pop. É muito doido, né? Se torna algo muito autêntico também.

Quais são influências que vocês escutam muito e sentem que reverberam no trabalho?

BRUNO: Atualmente tenho pensado muito nas manas brasileiras dos anos 2000. Acho que por causa do Tiny Desk da Tássia Reis, percebi que ela é muito minha referência. Céu, Tulipa Ruiz, todas desse pop disruptivo. 

CLARIANA: As ancestrais também. Angela Ro Ro, Fernanda Abreu.

MELKA: Rita Lee. Quem mais?

BRUNO: Massive Attack! Fomos ao show, que grande bruxaria! Acabou o show, nosso álbum foi lançado. Tudo alinhado! Temos esse universo do hip-hop também.

MELKA: D’Angelo! Lembro quando descobri, mostrei para eles e falei: “Gente, esse som é muito a gente” E vocês na hora: “Óbvio, Melka, é uma super referência”. [risos]

BRUNO: Tem as próprias referências de Manaus também. Luly Braga, super amiga nossa, Olivia de Amores, Karen Francis quem mais vocês pensam?

MELKA: Indie nortista. 

BRUNO: Por mais que Manaus seja uma cidade muito próxima de outros países, está mais próxima de Miami do que São Paulo, por exemplo. A gente produz coisas muito próprias, nos retroalimentam muito bem, todo mundo é referência de todo mundo. 

Em Manaus, todo mundo é referência de todo mundo

De que forma Manaus e a região Norte influenciam a sonoridade e a poética da banda?

Nossa poesia é manauara

CLARIANA: Manaus é totalmente atravessada pela contradição de ser uma pauta global, ponte aérea para diversos lugares do mundo, que traz sonoridades diversas, como rock, blues, soul, dance, muita música eletrônica, mas ao mesmo tempo, ser isolada do resto do Brasil. O isolamento geográfico faz com que as nossas trocas sejam internas, a gente tem um molho próprio, o molho de Manaus. 

MELKA: Manaus é uma cidade muito intensa. O calor, as relações, a política, tudo é intenso. Só indo lá para entender. Tenho vários amigos que visitam a cidade e falam: “Vocês vivem de forma intensa, ein?” [risos] E é verdade. 

As emoções, as relações, os amores, as brigas, tudo é muito intenso. Nasci e fui criada em Manaus, mas já morei no Rio e agora estou aqui em São Paulo, consigo comparar bem as diferentes formas de se viver nessas cidades. Nossa poesia é manauara. Pessoas que nasceram, se criaram e se relacionam em Manaus. Tudo é inflamado aqui, nossa intensidade é alimentada pela floresta amazônica, pela bruxaria. 

BRUNO: Mas, ao mesmo tempo, existe a contradição da colonização. Manaus foi construída para ser a “Paris do Trópicos”. Tem um grande teatro no centro da cidade, uma construção estilo Belle Époque, é um símbolo muito europeu. 

Em Manaus, acontecem diversos festivais de ópera, jazz e teatro, então carrega uma teatralidade europeia, mas que é cortada por toda essa bruxaria e misticismo, é isso que nós somos, né? Como a Melka falou, Manaus é um caldeirão.

MELKA: É a cidade com mais povos indígenas do Brasil. É uma cidade abusada pelo mundo todo, muita coisa acontece. Quando eu paro pra pensar, fico maluca [risos].

BRUNO: No meio disso tudo, ainda tem a grande floresta amazônica, a base teórica de que o Rio Negro, sai das águas, sobe para e atravessa o mundo. O Rio Negro é o rio que toca todas as águas. Não tem como não ser atravessado por essa mundialidade e essa poética.

O isolamento geográfico faz com que as nossas trocas sejam internas, a gente tem um molho próprio, o molho de Manaus. 

Vocês já mencionaram que a geografia não define totalmente a banda. Como equilibram as raízes locais com a vontade de se projetar nacionalmente? E qual a importância da regionalidade para autenticidade do som?

BRUNO: A regionalidade já está data. É marcada em nossos corpos, pela maneira que a gente fala, por exemplo. Agora, a maneira como a gente vai expor, como a gente vai virar esse jogo, é algo que a D’água Negra tem provocado. Querendo ou não, Manaus é vista de maneira muito alegórica. 

CLARIANA: Do folclore..

BRUNO: Quando a gente fala em ancestralização entendemos que somos marcados e que ninguém tira isso da gente, mas também temos liberdade. Não tem como abrir mão da nossa regionalidade, porque ela está nas nossas palavras.

MELKA: Na nossa prática e na nossa vivência, somos seres amazônicos. Em “Corpo Quente”, por exemplo, a gente pede licença para falar. Isso é tão nortista. A gente quer ser visto, quer entrar, mas somos corpos isolados geograficamente, então pedimos licença. Quando a gente conversa, a gente conversa com o nosso sotaque, a forma de fazer piada, acolher, olhar, é tudo diferente. 

Sinal Vermelho Vidro Preto é o primeiro disco de estúdio, quatro anos depois do EP Erógena. Como foi o salto criativo entre os dois trabalhos? 

CLARIANA: Não sei se foi um salto, às vezes é só um passo de cada vez [risos]. Mas, sim, são quatro anos que vemos recolhendo a nossa poética. Tem música que surgiu no meio do caminho, outras terminadas em estúdio, algumas de 2017. Juntamos o repertório e fomos refletindo sobre como cada música conversava entre si. 

De Erógena para Sinal Vermelho Vidro Preto há uma clara maturidade do som. Começamos a valorizar mais nossas ideias, nossos beats. No contato com o Daniel Britta, nosso produtor, a gente se colocou mais no espaço de produção musical, direção criativa e concepção do álbum. Não abrimos mão do que a gente acreditava, do que gostamos. 

Como se deu a parceria com o produtor Daniel Britta? Que elementos ele trouxe para o som de vocês?

Existe uma neurose parecida entre nós

BRUNO: A gente sempre gostou muito de estar no lugar da produção. Desde que estamos no quarto da Clariana brincando com os beats, mas, no início, a gente não se levava tão sério nesse papel. Só que, depois que você lança um EP, e ele tem um certo impacto e começa a preparar seu primeiro álbum, a gente chega no estúdio com muito respeito. 

Quando conhecemos o Daniel Britta, a gente já tem uma linguagem, com a forma de trabalhar que acreditamos, e perguntamos se ele topa trabalhar com a gente dessa forma. Ele dá toda liberdade criativa para gente, e fala: “Vamos fazer isso juntos”. 

A gente conheceu o Daniel em um show dele aqui em São Paulo. A gente estava lá fora, fumando um tabaquinho, o show dele começou e foi como se a música convocasse a gente. Pensamos: “Precisamos ver isso!”. Nós nos apaixonamos. Ele tem um vozeirão, era algo rock, mas com violinos e outros samples absurdos. 

CLARIANA: Uma elegância, uma loucura. 

BRUNO: Nós quatro flertamos com a loucura, existe uma neurose parecida entre nós. 

CLARIANA: O Daniel também é muito respeitoso, um belo do virginiano prático, sempre aberto às ideias, aprendemos muito com ele no processo. 

BRUNO: Durante a gravação, ele falava que a gente precisava entender a base do nosso som. A força do nosso som nasce da loucura das nossas três vozes. No Erógena temos muitos arranjos, já para o álbum, o Daniel fala: “As vozes de vocês são muito específicas, vocês, vamos olhar para isso e afunilar?”. Em Sinal Vermelho Vidro Preto, juntamos os universos, do jazz, lo-fi e música eletrônica, fizemos uma peneira e colocamos em protagonismo as nossas vozes. 

MELKA: Daniel, a gente te ama!

Vocês comentaram que se dividem na composição e as músicas nasceram em épocas diferentes. Como vocês construíram o repertório e existe algum fio condutor emocional que unifica as 10 faixas?

CLARIANA: A gente fez muita gracinha só com o EP. Com as quatro canções do EP, saímos na rádio e começamos a fazer shows. Sempre revistamos nosso banco de dados dos beats malucos, olhamos nossas poesias e falamos: “Vamos testar isso em um show”. Muitas das músicas do álbum já estão sendo cantadas há algum tempo, foram experimentadas no palco. Anos de pesquisa e experimentação. 

BRUNO: Pensando no fio condutor do álbum. Quando decidimos gravar, eu e a Clariana pegamos uma cartolina, escrevemos todas as faixas que tínhamos e entramos nessa pira de direção criativa. Perguntamos no tarot: qual a energia das músicas? Somos essas pessoas [risos] Saíram cartas densas, sombras, sofrimento, e o tarot é um reflexo, né? Percebemos que o fio condutor das músicas era o embate, raiva e uma questão com o outro, enquanto alteridade, o outro fora de mim, o que me ama, me odeia, meu amigo. 

A gente passa o álbum inteiro competindo com o outro e, no final, entendemos que existem caminhos pela rua, na encruzilhada e por Exú. Por isso o nome também, são sinais em vermelho, momentos de aperto que paramos e pensamos, e vidro preto, porque ele reflete tudo, as emoções refletidas, tem um pouco dessa brincadeira.

MELKA: Mas foi algo meio sincrônico também, sabe? Não foi combinado nada, fomos colocando as músicas no mundo e elas levaram a gente por esse caminho, mas estávamos todos com essa energia e não teve como fugir. Somos dramáticos [risos]

BRUNO: Tem uma galera que pensa que arte é só botar as coisas para fora. Eu nunca esqueço uma amiga que me falou que a gente esquece que arte sai para fora e ela rebate, olha aí o vidro preto de novo. 

Quando a gente toma coragem de fazer uma banda e colocar essa poética, esses afetos, essas composições, essas texturas do mundo, elas  voltam para a gente. Em Sinal Vermelho Vidro Preto, elas voltam bem estruturadas. 

É isso que os quatro anos representam na nossa vida, é o que queremos passar para o mundo, nossa mensagem. Somos complexos e intensos. Sou psicanalista, acredito que a gente precisa atravessar a dor para produzir vida.

Esse é um álbum intenso, e a primeira faixa “A Falta” e a última “Cangote” escancaram o tema da ausência, desse conflito emocional, até chegar no acolhimento. Por que vocês escolheram essa para abrir, essa para fechar e como vocês enxergam o disco no final? Qual é a mensagem dele?

CLARIANA: “A Falta” nasceu em turnê. Estávamos em Belo Horizonte, na casa de amigos músicos, e, na época, estava lendo um livro infantil: A Falta Que a Falta Faz. Super interessante, conta a história de uma bolinha que lhe falta uma parte e ela sai rolando em busca, quando ela encontra a parte perfeita, o rolar dela começa para ser diferente. 

Começar o álbum com essa faz super sentido, porque coloca a falta é a força motriz, o desejo e procura nos impulsiona. Essa faixa tematiza o álbum, do que nos falta e do que está em excesso, sobre como a gente olha para os outros e os próprios espaços.

BRUNO: Ela também traz esse sentimento de transitoriedade, porque nasceu na estrada, e o álbum evoca muito isso, depois de “A Falta” são mais sete faixas nesse embate, até encontrar o caminho na rua, em “Corpo Quente”. 

A música que ia abrir o álbum era “Underwater Love”, cover da Nina Miranda. A gente se conecta muito com a obra dela e todo seu imaginário fantástico, mas, depois de conversar com algumas pessoas, percebemos que “A Falta” precisava ser a primeira.

Já “Cangote” é uma tentativa de não se levar tão a sério. A gente tenta se simplificar, vamos fazer menos, ser sutis, gostosas, lezas e carinhosas [risos] É muito interessante acabar o álbum dessa forma, dá aos ouvintes um certo descanso, sensação de esperança. 

MELKA: Quem sabe o futuro D’Água Negra é mais romântico? O mais engraçado é que nós três somos três românticas, sonhadoras, mas saiu um álbum muito denso, ainda sim, no final a gente deságua no cangote, na vontade de ficar de boa com o outro, de amar e de ser amado. É quase uma antítese. 

Além das faixas autorais, vocês trazem uma releitura de “Underwater Love”, da Nina Miranda. Por que escolheram essa faixa para o repertório?

MELKA: Ouvia o álbum Flying Away (1997) há um certo tempo. Amava, mas não trocava com as pessoas, não sabia quem mais conhecia Smoke City. Escolhendo o repertório do primeiro show, o Bruno perguntou se a gente conhecia “Underwater Love”. E eu na hora: “Amigo, adoro esse álbum!”. E a gente viu que super tinha a ver com a gente. 

A partir daí, ela entrou no repertório e nunca mais saiu. Como a gente toca em todos os shows, as pessoas começaram a perguntar se a música era nossa. Não é autoral, é só um cover, mas é como criar o filho de outra pessoa, sabe? Estamos alimentando, ensinando a aprender, inserindo novas texturas. Não teve como não colocar ela no álbum de estreia. Parece que ela nasceu para ser criada por nós. 

BRUNO: Fomos atrás das questões burocráticas, mas, na verdade, foi tudo muito simples. Eu e a Clariana enviamos um e-mail para a Nina, super dramático e filosófico, e no dia seguinte ela já respondeu, em português, autorizando o uso da música. 

Ela já conhecia a banda. Alguém gravou uma das nossas performances da música e enviou para ela. Ela adorou a ideia de sermos corpos amazônicos, porque a música fala desse imaginário. Se você prestar atenção na letra, é como se ela estivesse falando de Manaus.

CLARIANA: Ela escreveu o rascunho para a gente pintar o quadro.

Já falamos um pouco sobre “Corpo Quente” e “Rua Sem Saída”, em que a cidade vira uma grande pista de dança, que é algo que tem muito a ver com o trabalho de vocês, como músicos e DJs. Qual a importância da rua como esse espaço de experimentação musical/cultural? 

Sem caos não há vida, transformação e nem história

MELKA: Somos três rueiras! Três gatinhas que gostam de rolê, andar por aí em bares, botecos e baladas, conhecendo pessoas e vendo a vida acontecer na rua. Então não tem como não ser atravessado por essas experiências. 

Somos clubbers, sou a mais clubber do grupo. É uma vida de sensações e transformações que passamos na rua. Só quem se coloca no mundo e está disposto a viver confusão e caos consegue sentir. Sou geminiana, adoro o caos. Sem caos não há vida, transformação e nem história. 

BRUNO: Acredito muito no Axé da rua. Quando a gente se coloca em movimento na encruzilhada, em contato com outras pessoas, me sinto essa pessoa alerta à maneira como o outro chega em mim. Acredito que o meu fazer artístico acontece dessa forma, dos encontros. Por exemplo, estou produzindo a direção criativa de um artista porque encontrei ela na balada e dividimos um cigarro, sabe? D’água Negra é muito assim. 

CLARIANA: É uma banda que, também por necessidade, trabalha com produção cultural, no fim das contas, estamos diretamente envolvidos com o processo de produzir a própria rua. Com essas trocas, a gente consegue fazer nosso som reverberar. 

BRUNO: Lá no início, criamos uma festa, a Fricção, que, depois, virou o Festival Fricção, quando ganhamos um edital da Natura com o projeto Manacaos, lá em 2022. O projeto aconteceu lá em Manaus, com cinco singles de cinco artistas diferentes, que virou uma coletânea. Junto, também fizemos a formação de 10 mulheres em discotecagem. No final do projeto, essas artistas se apresentaram no Festival. Como a Clariana falou, esse movimento vai gerando cultura, que é um movimento político.

Após o lançamento do disco, quais são os próximos passos da banda?

BRUNO: O Psica é o nosso maior ato, enquanto palco e aposta. Estamos muito empolgados. Fechamos o contrato no início do ano, executamos o álbum inteiro e agora vamos poder levar ele para o festival. Vai ser um puta show, com direção de palco do Gandhi Tabosa, nosso amigo, grande produtor e coreógrafo do Boi Garantido.

MELKA: Depois seguem os próximos passos que a gente não sabe ainda quais são, mas a gente quer colocar esse álbum na rua, realmente jogar ele pro mundo. Estamos fechando alguns shows para o ano que vem, vamos vendo. Também queremos trabalhar em novas faixas, estão surgindo novas músicas, então quem sabe tenham novidades aí?

Também adoraria fazer alguns audiovisuais, mas é uma questão de dinheiro [risos] A gente que é artista independente tem que viver, mas é isso, em 2026, mais shows e festivais, colocar o álbum para brilhar na rua. 

Qual o sonho de vocês?

MELKA: Vou contar um sonho pessoal. Quem olha para mim nem imagina, mas eu sou super otaku [risos] Fui uma criança alimentada pelo anime e mangá, morro de vontade de visitar Tóquio, se um dia a gente chegar no Japão, gravar um clipe lá, pode me enterrar! 

BRUNO: Meu sonho sempre foi tocar em festivais, agora o sonho vai se alterando. Meu desejo mesmo é ter recurso financeiro estratégico para manter uma equipe fixa e podermos ficar dois anos executando um projeto, com todo mundo sendo bem pago, a gente podendo tomar as decisões criativas, fazer tudo do jeito que queremos. 

Mas como você não fala desses dias, eu penso que talvez o meu, seja ter a condição de ter um recurso financeiro estratégico, de fazer um de ter uma equipe que a gente já vem construindo esses anos que eu acredito muito nessa equipe para executar as coisas que a gente tem para executar e poder ficar, sei lá, 2 anos executando um grande projeto, sabe?

CLARIANA: Sou apaixonada pelo estúdio, né? Tem alguns nomes que eu sonho em fazer algum som. Meu sonho um dia poder tocar com uma orquestra, Arthur Verocai, me nota! 

MELKA: Montar um grande projeto para tocar com Arthur Verocai em Tóquio! [risos]

D’Água Negra no Festival Psica

Data: 13 de dezembro (sábado)

Local: Estádio Olímpico do Pará – Jornalista Edgar Proença (Mangueirão) – Belém

Ingressos: via Ingresse

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01/12/2025

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Vitória Prates