Cantor, compositor, instrumentista e ator, Marco Antônio Ribas fez carreira com o apelido “Marku”, em homenagem à tribo indígena Cariri. Em sua trajetória, Marku passou pelos palcos e pelas telas, construindo um legado multicultural e polissêmico, especialmente na música brasileira. O cantor explorou o funk, jazz, ritmos caribenhos e populares com maestria.
Mesmo com o espírito underground, Marku teve seu talento reconhecido em vida por grandes nomes da música – e hoje sua obra reverbera em uma nova geração. O mineiro figura na capa de Coisas Naturais (2025), de Marina Sena, lançamento do mês do Noize Record Club. Assim como a cantora, Ribas veio do Norte de Minas para ganhar o Brasil – e o mundo. Caiu nas graças de Mick Jagger quando ele esteve em passagem pelo Brasil, bem interessado na música latina: o rockstar o convidou para tocar na faixa “Just Another Night”, do album She’s The Boss (1985). Depois, Marku ainda tocou percurssão em “Back to Zero”, do disco Dirty Work (1986), dos Rolling Stones.
Legado e experimentalismo
Reinaldo Amaral é escritor, pintor, trabalhou por muitos anos com teatro, cinema, casas noturnas e produções artísticas de vários tipos. Mas, em meados dos anos 1970, quando conheceu Marku, Reinaldo era muito mais um devoto da música do que um homem de negócios. Muita água já tinha passado pelo Rio São Francisco desde que Marco Antônio Ribas havia deixado suas margens em sua terra natal, Pirapora (MG). Ele mesmo nos conta:
“Por volta de 1976, eu morava em Búzios e tinha lá um maluco chamado Alexandre, que me apresentou uns discos e falou: ‘Esse cara aqui é o cara!’. Eu vi aquelas capas muito loucas, ouvi e falei: ‘Porra… Quem é esse maluco?’.E ele falou: ‘É o Marku, cara… O cara é fera. Vou trazer ele aqui!’. Acredite se quiser, não sei como, mas foi exatamente isso que aconteceu. Um dia, tô indo pra praia e vejo um cara cantando com uma viola. Parei e fiquei olhando. Quando acabou de cantar, falei: “Você é o Marku”. Ele olhou pra mim e falou: “Você é o Reinaldo”. Esse foi o nosso encontro.”
A essa altura, ele já havia lançado um LP com a breve dupla que teve, Deo & Marco (1967), gravado um álbum com a banda Batuki e lançado seus dois primeiros discos solos, ambos chamados Marku, em 1973 e 1976. Já havia morado na França e na Martinica, gravado dois filmes, conhecido pessoalmente Bob Marley e feito a abertura de um show do James Brown, apenas.
Com vinte e poucos anos, Marku tinha um currículo impressionante e já era um músico gigantesco. Mas isso não foi suficiente para que conseguisse marcar um show sequer quando chegou em Búzios. Reinaldo lembra que os donos dos bares de lá estavam tão presos à música comercial que simplesmente não entendiam o Marku.
“Búzios não assimilou. Tinha várias casas de shows e os caras achavam o som totalmente fora do que eles pretendiam”, lembra: “Então, a gente concluiu que teria que abrir uma casa”. – Marku falou: “Vamos abrir uma casa, nós dois?”. Vamos. “Quanto temos de grana?”. Imagina que fosse R$500, não lembro, mas não era mais que isso. Dividimos e o Marku falou: “Eu vou pro Rio buscar os músicos enquanto você abre a casa”. Isso é muito louco! Ele foi com R$250 buscar os músicos e eu fiquei com R$250 pra montar a casa.
Um dia, tô dormindo e chega o Marku às três da manhã em uma Kombi com oito músicos dentro, incluindo o Edison Machado, o cara que “inventou” a bossa nova na bateria. Marku olhou pra mim e falou: “E aí, onde é nossa casa?”. E eu apontei: “É ali”. Era na rua principal de Búzios, de frente pro mar. O Marku não acreditou. Nem eu perguntei como ele fez pra trazer aquela Kombi nem ele me perguntou como montei a casa. Mas foi tudo com pescador, pedreiro amigo, enfim.
Reinaldo conta que eles abriram esse bar juntos, que “virou a maior casa de jazz de todos os tempos de Búzios”. Funcionava assim: “A gente cobrava entrada, mas o negócio era em nome da música, não era em nome do business. O Marku tocava, eu ficava no caixa e os pescadores serviam os uísques”.
“Virou uma doideira, porque era um bando de loucos que não queriam ficar no decadente Beco das Garrafas do Rio e o Marku levou os caras pra Búzios. Eles comiam lagosta e camarão todo dia, conhaque de manhã, de tarde, de noite… Os caras não estavam acreditando, ganhando pra tocar o que quisessem. Só que esses caras eram muito punk. Os melhores músicos que vi na minha vida foram esses que o Marku levou.”
Reinaldo não sabe precisar a data, mas lembra que o empreendimento em Búzios não durou muito. Por volta de 1977, ele se mudou pra Europa e só voltou em 1980. Nesse intervalo, Marku rompeu com a gravadora Copacabana e assinou com a Polygram, pela qual lançou Barrankeiro (1978), Cavalo das Alegrias (1979) e Mente & Coração (1980).
Apesar da sonoridade incrível dos LPs, a relação entre o artista e a gravadora era tensa, pois seus executivos insistiam que ele encaixasse suas canções dentro de gêneros já estabelecidos no mercado. “Nessa época, as músicas eram uma indústria. É como o Tom Jobim costumava dizer, comprava-se música por quilo!”, comenta João Donato, amigo e parceiro de Marku desde meados dos anos 1970.
“Não é assim que se trata a coisa. A música é um instrumento sagrado, é uma mensagem que entra e te pega por dentro da alma. Aí eles usam a música como se fosse uma brincadeira, um negócio”, analisa. “Quando a Polygram contratou o Marku, o samba estava voltando a ser o top da música popular e a gravadora queria muito que ele fizesse um disco de samba”, explica o músico e pesquisador Eduardo Brechó, que, além de fã, tornou-se amigo de Marku.
Fátima Ribas, mais conhecida como Fatão, foi casada com Marku por 35 anos e lembra como aconteceu a gota d’água: – Em 1980, ele rompeu com a Polygram. Porque eles disseram: “Marku, vamos fazer de você o melhor sambista do Brasil”.
E ele: “Eu gosto de samba, mas não posso me rotular como sambista, minha música é universal. Vamos fazer um acordo, faço o que vocês querem, que é só samba, e faço também a minha música criativa”. Aí eles falaram: “Não, Marku. Ou você faz do jeito que a gente quer ou não vamos renovar o contrato”.
Aí ele rasgou o contrato. A gente morava na Barra da Tijuca, em um condomínio pago pela Polygram, aí ele chegou lá em casa, veio perto de mim e falou: “Fatão, acabei de romper com a Polygram. Você me acompanha?”. Acompanho né, fazer o quê? (Risos).
Leite de pedra
Marku foi muito corajoso. Na época, era dificílimo ter acesso a estúdios de gravação e praticamente não existia ainda um cenário de artistas independentes. Pra complicar, o mercado extremamente restrito da indústria musical não perdoava artistas que ousassem ir contra seus interesses. Após romper o contrato com a Polygram, “todas as portas fecharam pra ele”, diz Fatão.
Reinaldo Amaral, de volta ao Rio, se reaproximou de Marku no início dos anos 1980 e conta: “O Marku vivia batendo de frente com os caras das gravadoras, que queriam que ele cantasse uma coisa e ele queria cantar outra. Então, a gente resolveu partir pra uma aventura”: – Fomos num estúdio de jingles de uns caras do Sul, o Willi Wrubel e o Lauro Telles, e levamos uma proposta para eles: virar um selo pra gravação de artistas.
Foi assim que surgiu o selo Timbre Som e Imagem. Eles não eram um selo, eram um estúdio de jingle, nunca tinham pensado em virar um selo. Mas toparam. Nossa proposta era: vocês entram com o estúdio, a gente grava e dividimos os lucros – explica Reinaldo.
Localizado na Rua Paulo Barreto, 43, em Botafogo, o pequeno estúdio de oito canais da Timbre transformou-se no QG de Ribas e Amaral. Ali, naquele ambiente planejado para gravar apenas spots e trilhas comerciais, foi gestado em 1983 o terceiro e último disco do artista batizado de Marku.
“Um disco com seu próprio nome é quase como reinaugurar a carreira”, analisa Eduardo Brechó: – Depois que conseguiu romper o contrato por não ceder a essa pressão de fazer um disco de samba, ele foi fazer o disco que ele queria. É um disco livre. Foi um manifesto do Marku, que se permitiu fazer uma música que ele sempre gostou, mas que não conseguia fazer devido ao tipo de personagem que queriam criar dele.
A cantora e produtora cultural Julia Ribas, filha de Marku, reflete que a coação mercadológica que seu pai enfrentou por anos nas grandes gravadoras servia como combustível para sua criatividade se manifestar de formas ainda mais incontroláveis. “Eu tenho impressão de que, quanto mais queriam prender, mais livre a cabeça dele ficava”.
No primeiro trabalho independente de sua vida, Marku Ribas assina a Direção Musical enquanto Reinaldo Amaral assina a Direção de Produção. Segundo Reinaldo, o objetivo nesse disco que fizeram juntos era sintetizar um diálogo que eles sempre tinham.
De um lado, Reinaldo defendia a importância dos amplificadores e da eletricidade na música; de outro, Marku argumentava que o mais interessante era a sonoridade percussiva e acústica. – Na época, eu era totalmente rock n’ roll e o Marku sempre me dizia: “Cara, instrumento ligado tá fora, é tudo percussivo”.
“Bom, então vamos fazer um disco do jeito que você vê e do jeito que eu vejo. A gente compõe as músicas, estuda os arranjos e vê o que vai dar”. Essa era nossa proposta, era um “desafio” entre nós dois, mas tudo no romantismo, né. A ideia básica era de que podia sair uma coisa muito interessante. E o Marku era um cara poderoso na aventura, ele acreditava muito nisso e se jogava dentro da história. Aí fizemos o disco. Quase todas composições são nossas, mas nos arranjos você sente uma interferência muito clara do instrumental do Marku – pontua Reinaldo.
Das dez faixas, apenas “Brazil com Z” e “Nobre Gente” não são parcerias de Ribas e Amaral, essas são só do Marku. Julia Ribas, que teve chance de trabalhar com seu pai por sete anos, explica que a generosidade era uma característica muito marcante do artista.
“Ele queria que as pessoas ao redor tivessem participação no que ele estava fazendo. Todos seus colegas de trabalho falavam a mesma coisa: se a pessoa escrevia uma vírgula, já virava parceira”. Reinaldo brinca que os principais responsáveis pela produção desse álbum não foram ele e Marku, mas sim Fatão, que gerenciava ao mesmo tempo a família e a carreira de Marku, e o Tomate, que era o Fusca vermelho que Marku tinha na época.
“Esse Fusca que fez esse disco, porque era ele que nos levava por aí. Era o Tomate que comia (Risos). Não existia rango, existia música. A partir da música é que aconteciam o almoço e a janta, nosso objetivo era todo focado no disco”, afirma.
“A gente acordava e ia pra praia, lá que a gente produzia. Íamos pro estúdio às 18h/19h. E teve coisas muito loucas, como Wilson Meirelles tocando zabumba na batera, Jota Moraes no teclado. A produção desses artistas foi toda do Marku”, lembra Reinaldo.
“Ele chamou alguns músicos e fez um acordo com todo mundo, ninguém cobrou nada”, confirma Fatão. Durante todo processo de produção, gravação e finalização do álbum, nenhum profissional recebeu absolutamente nada. Foi um disco totalmente construído por laços de amizade e pelo amor à arte. Independente disso, o nível técnico dos envolvidos era altíssimo.
Além dos já citados, estão presentes, por exemplo, o grande guitarrista de jazz Romero Lubambo e a atriz e cantora Zezé Motta. Quem também está presente é João Donato, que diz: “O Marku era uma pessoa impossível, muito carinhosa, cheia de energia, otimismo, alegria. Gostava de fazer música em ritmos exóticos, tocava um violão bonito. Eu nunca vi nada parecido com o Marku. Ele tem uma personalidade, ele tem um estilo de música, um modo de fazer as coisas, que só ele sabe fazer. Não parece com ninguém”.
Quando se conheceram, o mineiro frequentava sua casa diariamente durante a criação do LP Marku (1976), do qual Donato participou. A experiência tinha sido tão boa que, em 1983, eles repetiram a parceria nas faixas “Brazil com Z”, “Girassóis” e “Fôlôzinha”. “Ele me chamou pra gravar e fui com todo prazer”, conta Donato: “Lembro que toquei trombone em ‘Brazil com Z’. Faço um grave bonito lá na sétima posição do trombone”.
A atriz, diretora e figurinista Lira Ribas, filha de Marku, avalia que, naquele momento, seu pai foi capaz de transmutar as limitações técnicas e criar, a partir disso, uma linguagem original: “Quando ele perde toda estrutura de uma gravadora, ele transforma isso num caminho artístico. Através de uma escassez, ele tem uma potência criativa”, sentencia.
Lira conta que “Karijó” é um tema que sempre lhe intrigou por seu experimentalismo tão radical e sua sobreposição de texturas. Em 2013, pouco antes de seu pai partir, ela teve um momento muito especial quando ele lhe contou a história dessa faixa: – Eu lembro que, um dia, eu estava levando ele pra fazer quimioterapia e, na volta, falei: “Pai, preciso muito que você me explique como você chegou nessa música”. Aí ele contou, e eram coisas tão simples… Por exemplo, tem uma parte que tem uma voz mais dramática, cavernosa.
“Na verdade, aquilo foi uma fita de um radialista de esporte que eles acharam jogada no estúdio, colocaram ao contrário e acharam o timbre interessante. Um outro som que tem ali era de um instrumento quebrado, que eles começaram a puxar a corda. A gente acha que tem 200 coisas tecnológicas pra chegar naquilo e, na verdade, nada mais era do que o que tinha de palpável ali à disposição dele”.
Julia Ribas também acha que seu pai estava no auge da “potência da criatividade exatamente porque lhe foi arrancado tudo”. “Ele usou o máximo do que ele não tinha nas mãos naquele momento”. Ed Motta, outro grande amigo e fã de Marku, concorda: “Esse disco tem um charme sonoro dos ‘private press’, os discos tão procurados mundo afora pelos colecionadores.
Tem esse charme lo-fi de ser uma produção independente, um disco com baixo orçamento. Isso tem um charme estético”, diz. – Esse disco me surpreendeu, num primeiro momento, pelo som. É uma sonoridade interessante porque já é um pouco retrô em relação ao que estava se usando em 1983.
“Quando a gente ouve outros discos da mesma época, a mixagem e a timbragem dos instrumentos são muito diferentes. Mas depois que você entende a história do disco e as condições técnicas da sua gravação, você entende o por quê daquela sonoridade – comenta Eduardo Brechó.
Uma joia descoberta
Reinaldo não tem certeza, mas acredita que a gravação do disco levou, no máximo, uns cinco meses: “A gente não tinha fôlego pra sustentar mais que isso”. Logo após finalizar o álbum, ele mudou-se para São Paulo e, a partir daí, sua relação com Marku foi se distanciando.
“Eu não era produtor do Marku, éramos grandes amigos, fizemos um disco e vida continuou. A Fatão, produzindo e cuidando da família, ela sim era a produtora dessa história toda”, diz. “Eu que era tudo, fazia pão pra vender, ele saía pra tocar. Era assim”, conta Fátima Ribas: – Ele fez esse disco com os amigos e aí eu falei: “E agora, como é que a gente vai fazer a tiragem?”. E o Marku falou: “Vamos fazer 300”.
Aí eu falei: “Nossa Senhora…”. Bom, o Reinaldo fez a capa, meu irmão ajudou, fizemos, ficou pronto, aí eu falei: “Agora vamos por debaixo do braço, né?”. Fomos pra Campinas (SP) com as meninas [Julia e Lira] pequenas, o Marku tinha uma irmã que morava lá e ela conseguiu um alvará na praça. Eu punha as meninas sentadas em cima da capa do violão, aquela capa preta, antiga, e ele tocava. Depois, no Rio, na praça Sáenz Peña, a gente fazia a mesma coisa. Ficava a manhã inteira e vendia o quê? Dois discos!
Fatão explica que Marku (1983) não foi distribuído em lojas, foi vendido apenas por ela e seu marido: “Foi artesanal mesmo”. Reinaldo conta que chegou a acompanhar Marku em São Paulo em um esforço de divulgar o LP nas rádios de lá: “Lembro que a gente foi em umas cinco ou seis emissoras encontrar uns amigos do Marku pra dar o disco e dar entrevista”.
Apesar disso, nenhuma faixa se tornou um sucesso e não houve muitos shows de divulgação do álbum. “Como eu tenho família aqui em Belo Horizonte (MG), nós viemos pra cá em 1985. Aí a gente ia pra churrascaria, pra pizzaria, tocava e eu vendia bastante”, lembra Fatão.
“Ele era muito paizão, então fico imaginando a cabeça dele, com duas filhas pequenas, a esposa, e a estrutura toda arrancada em favor de uma originalidade que ele carregou até o fim. Deve ter sido muito desafiador. Mas, ao mesmo tempo, você vê pela sonoridade como deve ter sido prazeroso estar ali sem nenhuma estrutura e arrancando aquilo tudo – comenta Julia Ribas.
Chama atenção como o repercussão comercial do LP na época foi inversamente proporcional à qualidade artística do álbum de 1983. “É muito bom!”, diz João Donato sobre o disco: “Os arranjos são bons, não é por estar na minha presença, mas eles soam muito bem”. Lira Ribas destaca o pioneirismo do trabalho, que soa como algo feito atualmente: “É contemporâneo, não é datado. Tem grandes artistas que a gente escuta, mas vê que são datados. Esse é um disco que poderia ser de hoje”.
Eduardo Brechó concorda: “Em termos de timbragem, é um tipo de som – de bateria, baixo, teclados – que combina com a sonoridade que a gente ouve hoje em dia”: – Eu sou fissurado no Marku e esse é o meu predileto. Ele tem a união das coisas que eu mais amo na obra dele: a força das canções, a pulsão, a latência rítmica, a inovação no jeito de fundir tradições. É um disco livre. E é o que tem uma identidade mais forte, deixando muito nítido o que é o Marku, mas ao mesmo tempo com toda parte indecifrável da música dele – pontua Brechó.
Pesquisador de discos de vinil há muitos anos, ele ressalta ainda o caráter de relíquia que esse LP adquiriu com o passar do tempo: “Muitos colecionadores que gostam de Marku nem sabem da existência desse disco. Alguns lojistas nunca viram. Todas cópias que eu vi na vida estão autografadas, porque ele só vendeu de mão em mão. O lugar que você mais acha esse disco é em Belo Horizonte, e é raro!”.
Enquanto item de colecionador, o LP valorizou muito, atualmente suas cópias originais custam em média R$800. “Eu nunca me esqueço dele falando assim: ‘No dia em que eu morrer, minha obra vai valer!’. Ele tinha consciência da grandiosidade do que estava deixando enquanto linguagem artística”, diz Julia. No entanto, até o fechamento desta matéria, em agosto de 2020, a maioria de suas faixas segue disponível apenas em vinil.
“Brazil com Z” é de longe a música mais conhecida porque foi incluída em uma coletânea de Marku chamada Zamba Ben (2007), cujas músicas foram selecionadas por Ed Motta. Além dela, apenas “Karijó” e “Urubu é Meu Lôro” foram digitalizadas por fãs e estão disponíveis em baixa qualidade no YouTube.
Através do Noize Record Club, Marku (1983) foi relançado. “É muito legal que esse disco seja reeditado, talvez seja o disco menos conhecido do Marku. O seu encarte, inclusive, pra um disco independente, é incrível”, comenta Ed Motta.
Conhecido ou não, um disco, enquanto objeto físico, é um documento capaz de atravessar anos esperando pacientemente ser redescoberto. Mesmo que não tenha sido compreendido em 1983, Marku é uma obra sem prazo de validade, é atemporal, e segue vivo, pronto para ser escutado pelas próximas gerações de ouvintes. É como João Donato diz: “Essas coisas não acabam, elas servem pra sempre”.
*Esta matéria foi atualizada e publicada originalmente na Revista Noize #39, que acompanha o vinil Marku (1983).