A discografia brasileira de Moraes Moreira conta com quase uma centena de títulos, considerando os singles, os álbuns completos, as coletâneas, e os demais lançamentos de cerca de 50 anos de carreira. É uma cadeia musical imensa, que passa por uma banda que revolucionou a música do Brasil e chega à sua trajetória pessoal, que mudou a história do Carnaval de Salvador.
Digo “discografia brasileira” pelo tamanho da sua obra e considerando a vontade, a sede de Brasil, que há em seus arranjos e suas letras. É muito difícil encontrar um caminho para falar sobre os estilos versus os períodos das suas produções, pois além de sua carreira ser enorme, Moraes faz um movimento muito intenso de idas e vindas de ideias sonoras.
Podemos ver isso através do exemplo do frevo, um gênero musical no qual ele produziu diversos hits, permanecendo fiel ao estilo até os seus últimos lançamentos e as derradeiras apresentações. A seguir, elenco alguns álbuns-chave para podermos passear pela trajetória artística de Moraes Moreira.
Moraes Moreira (1975)
O primeiro disco homônimo é um marco revolucionário. Em seu primeiro álbum solo, Moraes demonstra um aprofundamento de seu estilo pessoal, de certa forma já demonstrado no período com os Novos Baianos — mas aqui nesse disco é como se estivéssemos vendo o lado do Moraes da coisa.
Cara e Coração (1977)
Chama atenção a influência de Jimi Hendrix — reintrepretada através da guitarra baiana e do bandolim — sobreposta à roupagem do samba e do choro, dando à tradição musical nacional um tom psicodélico. Também se destaca a cadência das letras, nas quais os arranjos de guitarra acompanham as vozes, às vezes realizando um duelo de chorus.
Esta lógica de produção acompanha a sua carreira solo, independente do que ele estivesse fazendo. Na segunda metade dos anos 1970, após lançamento do primeiro álbum, podemos ver os seus três próximos discos — Cara e Coração (1977), Alto Falante (1978) e o Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira (1979) — como momentos que consagraram esta sua assinatura sonora pessoal.
Bazar Brasileiro (1980)
Para além do samba e do choro, podemos ver aqui o que seria uma consequência da persona de Moraes Moreira no Carnaval soteropolitano: a intensificação do ijexá e do frevo nas suas canções. Dizem inclusive que quem levou o ijexá para o trio elétrico (não para o afoxé) foi o próprio Moraes, com a música “Grito de Guerra”, lançada no álbum Bazar Brasileiro, de 1980.
As mil faces do ijexá: como a batida ancestral influencia o afoxé e os ritmos atuais
E não é somente o ijexá, nesta música e neste álbum podemos ver claramente a introdução de arranjos de sopro e de convenções que marcaram a geração de artistas dos anos 1980, algo que está presente na maioria dos álbuns produzidos no Brasil naquela época — o que me toca muito, pois minha pesquisa musical bate bem aí.
Mancha de Dendê Não Sai (1984)
No intervalo entre 1980 a 1986, Moraes Moreira emplacou um disco por ano, e o seu ritmo de lançamentos continuou intenso até 2015, quando saiu o seu último disco solo, Nossa Parceria, feito com Davi Moraes.
Seu último lançamento fonográfico foi o disco e DVD ao vivo Acabou Chorare, Novos Baianos Se Encontram (2017) Mas o álbum que eu vou investigar é de 1984: o Mancha de Dendê Não Sai, que me impacta de diversas maneiras.
O disco foi produzido e arranjado pelo mago do pop, Lincoln Olivetti, na sua época áurea. Levando em conta a introdução de sintetizadores Moogs, do Yamaha DX-7 e de baterias eletrônicas, eu acredito que este tenha sido o primeiro álbum da música baiana na história a encontrar a música eletrônica.
Além de trazer na bateria o seu parceiro de longa data, Jorginho Gomes, a seção rítmica do álbum inclui o mestre Djalma Corrêa, percussionista e investigador da música experimental e eletrônica desde os anos 1970.
Essa mistura influencia nitidamente as faixas do disco, tornando-o, pra mim, um dos primeiros álbuns de “música eletrônica” do Brasil. Em 2023, Moraes Moreira foi homenageado com uma exposição que carregava o mesmo nome desse álbum e, assim como a mancha de dendê, esse disco ficará marcado para sempre na música brasileira.