Discoteca Básica do Rashid: 5 discos para entender a obra do rapper

27/06/2025

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Por: Luan Gomes

Fotos: Revista NOIZE

27/06/2025

Michel Dias Costa, o Rashid, é um dos nomes mais inventivos do rap nacional, e sua discografia reflete uma trajetória marcada por evolução e ousadia. Do despertar social em Hora de Acordar (2010) à maturidade estética de Movimento Rápido dos Olhos (2022), seus trabalhos tecem uma narrativa que combina lirismo afiado, coesão temática e experimentações sonoras.

Cada álbum é um capítulo dessa história, explorando as múltiplas dimensões da música como espaço de reflexão e transformação. Portal (2024), sua obra mais recente, foi lançado em fevereiro pelo NRC e preparamos uma Discoteca Básica sobre o seu trabalho na revista NOIZE #158. Confira abaixo:

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Hora de Acordar (2010) 

O projeto reúne nove faixas marcadas por versos cortantes e beats cuidadosamente construídos, reflexo da colaboração com nomes como Nave, Laudz e Marechal. Já no início da carreira, Rashid já deixava claro seu compromisso com a autenticidade, explorando temas que transitam entre o pessoal e o social. Músicas como “Bilhete” e “Uma Chance”, com participações de Fióti e Rael, respectivamente, exemplificam a habilidade do rapper paulistano em traduzir emoções e narrativas urbanas em rimas densas e reflexivas. A faixa-título, com participação de Luiz Guima, abre o disco como um chamado ao ouvinte, convocando à ação e à tomada de consciência. Conectando batidas modernas com a cadência tradicional do gênero, a estreia destacou Rashid como um artista capaz de dialogar com a herança do rap brasileiro enquanto anunciava seu próprio estilo, forjado pela introspecção e pela crítica social.

Que Assim Seja (2012)

Descrito como o seu “acesso à série A”, em Que Assim Seja, sua segunda mixtape, o rapper traduz sua ascensão para um lugar de maturidade e profundidade. Sustentada por beats épicos e vaporizados, adornados por teclados e samples extraídos de clássicos da soul e funk music — como é o caso em “R.A.P.” (com sample de Hank Crawford) e “Falou” (com sample de Greg Perry) — a mixtape combina força estética e autenticidade lírica. Nas 20 faixas, Rashid equilibra momentos de densidade emocional, como em “Drama” e “Quando Eu Morrer”, com respiros nostálgicos, caso de “Rolê de Kadet”. As letras, por vezes confessionais, abordam desigualdade social, superação e auto descoberta, consolidando assim a sua identidade. Mais que um conjunto de músicas, o trabalho reflete a essência de um artista que dialoga com as tradições do gênero enquanto amplia os seus horizontes. 

Confundindo Sábios (2013)

Lançada em um Brasil em ebulição, onde protestos ecoavam nas ruas, Confundindo Sábios emerge como um retrato contundente de sua época. Rashid sintetiza o cenário de incertezas por meio do lirismo afiado e dos beats bem calculados. A mixtape soa como um manifesto, costurando elementos de rap clássico a experimentações modernas – um baixo pulsante, corais cintilantes e grooves que evocam tanto introspecção quanto revolta. Em faixas como “Virando a Mesa”, produzida por Coyote Beatz, os versos falam do ciclo de opressão e da busca incessante por justiça: “Minha caneta faz tatuagem na sua alma”. Já em “Crônica da Maldita Saudade” com Di Melo, o groove cadenciado encontra reflexões sobre os paradoxos da vida urbana. O título é uma referência ao versículo bíblico que propõe “confundir os sábios”, aqui ressignificado para o país onde os marginalizados reivindicam sua voz e seu espaço. O resultado é um trabalho que transcende o rap, resgatando e renovando a música brasileira com colaborações preciosas, como Tássia Reis e Emicida. Confundindo Sábios não é apenas um cartão de visita; é um grito de resistência, uma declaração de que há sabedoria até em momentos confusos.

Crise (2018)

Desdobramento do projeto Em ConstruçãoCrise é mais um trabalho reflexo do caos que marcou o Brasil, dessa vez em novo contexto, sintetizando a relação entre vulnerabilidades individuais e os desafios coletivos. Rashid constrói um diálogo metalinguístico e multifacetado sobre identidade, contraste e resiliência, enquanto explora a musicalidade em flertes com R&B e neo soul. Em faixas como “Estereótipo”, a guitarra e a flauta criam uma base delicada para versos contundentes, onde ele expõe as feridas abertas do racismo estrutural: “Quantas Cláudias se foram antes de ter a chance de ser uma Taís Araújo?”. A dicotomia entre insegurança e confiança permeia músicas como “Sem Sorte” e “Se Tudo Der Errado Amanhã”, capturando a complexidade das crises pessoais em meio ao turbilhão político. Rashid reafirma sua capacidade de explorar temas densos sem perder o frescor lírico, como em “Primeira Diss”, um exercício de autocrítica que questiona o papel do artista frente às expectativas do público. Com autenticidade e assertividade, Crise é uma declaração sobre a profundidade do rap nacional como espaço de contestação, introspecção e, acima de tudo, reconstrução.

Movimento Rápido dos Olhos (2022)

Definido como “Kurosawa no cenário de Bacurau”, o disco foi inspirado por mitos japoneses e pela filosofia samurai, e combina audiodramas com músicas que transcendem a fronteira do gênero, integrando rap, R&B, MPB e pop em uma paleta instrumental eclética e inventiva. A produção recorre a arranjos que vão do minimalismo eletrônico às camadas densas de cordas e metais, conferindo profundidade à narrativa. A história do protagonista de um futuro distópico devastado por desigualdades e violência é conduzida por letras que dialogam com temas universais, como a luta contra a opressão e a busca por identidade. Rashid tece suas rimas com precisão cirúrgica, alternando entre reflexões filosóficas e provocações sociais, como na faixa “Deixai Toda Esperança”, com participação de Marcelo Bellini,  onde versos carregados de melancolia e indignação expõem as contradições do presente. Cada faixa funciona como um capítulo, tornando o álbum em uma experiência imersiva, uma aula de como a música pode ser não apenas ouvida, mas vivida em sua múltiplas dimensões.

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27/06/2025

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Luan Gomes