Em novo álbum, Tasha & Tracie abordam o sistema prisional com sensibilidade e poesia

06/11/2025

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Por: Vitória Prates

Fotos: Divulgação/Isabelle India

06/11/2025

Elas atingiram o topo: transitam entre a moda e a música, viraram capa de revista e influência para uma geração de meninas. Só faltava um álbum cheio — agora, não falta mais. Lançado em outubro, Serena & Venus (2025) teve o caminho pavimentado pelos EP’s anteriores Rouff (2019) e Diretoria (2021).

A estreia chegou com ainda mais personalidade, entregando uma sonoridade que elas chamam de “rap gótico”, além de toques de house, R&B e funk. Pelas 21 faixas, o ouvinte acompanha a história de uma mulher que se arrisca no mundo do crime e é presa. Entre amores e desilusões, este manifesto sonoro escancara as contradições do sistema.

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A narrativa pode ser fictícia, mas foi muito influenciada pela infância das irmãs, já que a mãe delas passou pelo sistema prisional. Isso já se mostra na capa do álbum, assinada por Jota Ghetto: a imagem foi inspirada nas cartas que a mãe enviava para as filhas, cheias de desenhos. 

Em Serena & Venus, Tasha e Tracie assumem o controle. Gravado e produzido no próprio estúdio, o álbum conta com produção das irmãs em parceria com Pizzol, Caio Passos, Fahel e Stuani, Marvin e Retroboy, além de feats com Liniker, Bivolt, Bitrinho, Dj MF, Dona Kelly, Cecéu Muniz, Nath Fischer e Mc Marks. 

Em entrevista à Noize, as irmãs destrincharam a produção, falaram sobre como mantêm a sintonia criativa e como foi revistar a própria história. Leia na íntegra abaixo: 

Meninas, parabéns pelo primeiro álbum de vocês! Como estão se sentindo com esse lançamento? Estão acompanhando a recepção?

TRACIE: Com a energia drenada, está acontecendo muita coisa [risos]. Mas estou muito feliz, é o primeiro trabalho que ficamos felizes com o resultado como um todo, não mudaríamos nada. É um trabalho que envolve outros tipos de estresse, e não os “Não estão dando atenção ou não tem estrutura para realizar o que queríamos”. É diferente, é um estresse prazeroso. 

TASHA: Estou me sentindo muito feliz e realizada. Demorou muito tempo pra gente tirar o projeto do papel e é o primeiro que a gente gosta 100% do material. Eu escuto muito!

TRACIE: Mesma coisa que eu falei! [risos]

TASHA: E, sobre comentários, a gente não acompanha e nem lê nada.

TRACIE: O fã-clube manda para a gente. Temos um grupo com eles, que enviam as reações, mas não acompanhamos diretamente, só algumas coisas que chegam até a gente.

Serena & Venus já chega com 21 faixas. O quanto vocês cresceram como artistas dos primeiros EPs para cá? 

TASHA: No processo de fazer os EP’s e o álbum, crescemos tanto como empresárias, no ramo da música, quanto como artistas independentes. Quebramos a cabeça e aprendemos muita coisa. Nesse tempo, abri o estúdio com meu namorado, lidamos com artistas, vimos outras carreiras nascendo, e vimos vários lados da música. 

TRACIE: Como estamos fazendo o álbum há certo tempo, melhoramos demais nisso! 

Somos muito estudiosas sobre cultura hip-hop e da rima, sempre guardamos o melhor para nosso álbum. E tem mais coisa guardada, que vai ficar pro próximo álbum.

Como é dividir os palcos, e a própria vida, com a irmã? Como vocês mantêm essa sintonia criativa?

TRACIE: Tem os prós e os contras, né? O contra é que a gente briga muito [risos] Você não fala com um amigo igual você fala com seu irmão, quanto mais intimidade, mais ignorante [risos] Mas, pra quem é irmão e ainda trabalha junto, a gente se dá super bem. 

TASHA: Os prós é que a gente respeita muito o espaço uma da outra. A gente já nasceu junta, temos que respeitar nossa individualidade. Cada uma tem negócios paralelos, então também temos a nossa vida separada. 

TRACIE: Quanto uma não está bem, a outra também segura a barra, isso é muito bom. 

Como nasceu o título do álbum? 

TRACIE: Nos inspiramos na Serena e na Venus Williams. O rap é um jogo e elas são atletas que se superaram no seu jogo.

TASHA: Seguem se superando

TRACIE: Também são ícones de estilo e foram punidas por isso. O esporte é um meio opressivo, os donos, brancos, gostam de ter pessoas de outras etnias em seus times. Por exemplo, atletas foram punidos por usar tranças, a própria Serena e Venus já foram chamadas a atenção pelas suas roupas, já que fazem parte de um meio tão polido e elitista. 

Tem tudo a ver com a nossa narrativa. Sempre falamos sobre uma narrativa esquecida, não fazemos escolhas óbvias, escolhemos músicas e álbuns longos e que muita gente se incomoda com isso. 

TASHA: Prezamos muito em fazer o que nos deixa felizes.

TRACIE: A gente tem acesso as nossas estatísticas, sabemos o que dá mais certo e o que vira hit, mas escolhemos priorizar a música. E isso tem a ver com a Serena e Venus, porque elas também são irmãs, têm uma ligação forte com a moda e é um nome escolhido há tempos.

TASHA: Pensamos em outros, mas tinha que ser esse. 

Reparei que o título traz “Lado A”, como os dois lados de um vinil. Quando o Lado B chega por aí? Quais serão as histórias?

TRACIE: O Lado B não vai chegar tão rápido. Queremos trabalhar o material, não gostamos da rapidez de lançar, sai um projeto e, caso não estoure, já partem para outro. Vamos trabalhar bastante, uma hora vai chegar o Lado B, mas vamos fazer com calma, com colaborações que não conseguimos encaixar no Lado A, por causa de tempo e burocracia. 

Trabalhamos o álbum durante muito tempo, mas deixamos para ver as colaborações por último, queríamos que o projeto já estivesse praticamente pronto. Vamos saber a hora necessária para lançar o Lado B, sabe? Há 5 anos estamos maturando o álbum. Na verdade, achamos que ia chegar muito antes. 

TASHA: Mas a maioria das composições vieram neste ano. Fomos trabalhando o storytelling dele há muito tempo, esperávamos que no Lado A viessem outras paradas, mas, durante a criação surgiram outras ideias. Co-produzimos o álbum com o Pizzol, no estúdio, chegamos com uma ideia, ele dava o toque e dessa troca nasceu uma terceira coisa. 

TRACIE: São 5 anos até chegar no material final. Muita coisa mudou. 

O álbum conta a história de uma mulher que se arrisca no mundo do crime. Como foi o processo de composição das músicas?

TRACIE: Muita pesquisa, mas também muita memória afetiva. Conversas com a nossa mãe e amigas que passaram pelo sistema, são muitas experiências próximas. 

Amamos fazer música que exige pesquisa, adoramos imaginar e contar história de outra maneira. Serena & Venus foi a forma de contar a nossa história, são elementos da nossa vida, mas não de forma literal. 

TASHA: Tem samples de músicas que a gente ouviu a vida inteira e queria colocar na estreia. Músicas que acompanharam nossa trajetória em momentos difíceis, principalmente quando a nossa mãe estava no sistema. 

A gente sempre foi apaixonada pela música e pela leitura, foi o que nos ajudou muito na época. Compramos CD’s e brisavamos no encarte, tem muito dessas lembranças no álbum, mas também muita coisa que não encaixou no Lado A e ficou para o Lado B, muitas músicas que as pessoas esperavam ver no repertório.

TRACIE: Muita gente não entendeu a chamada com a Helen Helene [Castelo Rá-Tim-Bum], mas tem tudo a ver, porque é sobre nós, é uma autobiografia, é sobre coisas que amamos e é uma atriz que sempre amamos, e queríamos que esteja no nosso trabalho. Quando a gente tem irmão, o que me marcou na infância também marcou a Tasha, é bom ter alguém para compartilhar memórias afetivas.

A personagem principal do álbum vive tensões entre ambição, amor, lealdade e sobrevivência. Em que momento da criação vocês perceberam que estavam contando essa história? Sempre foi a ideia criar uma narrativa cronológica?

TRACIE: Queríamos contar nossa história. Desde o início, queríamos falar sobre o cárcere porque é uma questão em nossa vida. As pessoas falam: “A infância é o chão que a gente pisa para sempre”, e os traumas que passamos nesse período, quando nossa mãe estava no cárcere, mudou nossa vida, trazemos cicatrizes até hoje.

A narrativa feminina do cárcere é sempre mais cruel e mais solitária.

Somos muito estudantes do rap nacional, e antes, a cena abordava mais esse assunto, contando história em primeira pessoa, mas se perdeu um pouco. 

Quais álbuns inspiraram vocês?

TASHA: A gente brisou muito em Dinamite 98, álbuns de rap dos anos 90, outros antigos do rap nacional, né, Tracie?

TRACIE: Sim, nos inspiramos muito no rap nacional anos 90 e 2000, que era um rap gótico. Não foram muitos artistas específicos, mas sim memórias afetivas. Sensações e sons, como “Sem Perceber” é uma música que traz agonia e tristeza 

TASHA: Sampleamos músicas que gostamos muito, como faixas do Fanzine. Não só colocar um trecho, mas sim introduzir timbres, pensando em cada detalhe. 

A história pode ser fictícia, mas ela atravessa a vida de vocês. Como foi revisitar o próprio passado para Serena & Venus

TASHA: Foi bem agridoce. Foi legal, mas, até hoje, não consigo acessar algumas lembranças, tenho até um diário dessa época, mas é difícil. Olhei recortes antigos e, nesses anos todos, montamos uma playlist com músicas que amávamos e que nos tocavam. 

Entrar em contato com músicas que sempre guardamos para nosso momento especial de estreia, foi muito legal. Mas, é agridoce, algumas partes é bem difícil de relembrar. Quando falamos sobre a decepção das mulheres, falamos como mulheres e passamos por aquilo. Me conectei com minha adolescente trouxa, que sofreu para caramba no amor [risos]. São coisas que a gente tem vergonha de expor, mas que fazem parte de quem a gente é. 

O álbum traz diversos feats. Quero falar especificamente da Liniker. Como foi a troca com ela? 

TRACIE: Foi muito legal, a Liniker é uma pessoa muito especial e sensível, sempre foi muito legal com a gente. Na indústria, a gente conhece muita gente, e é legal quando nos identificamos e conectamos com alguém, de cara, nós nos demos bem e sempre falamos de trabalhar juntos. No processo do álbum, queríamos ter uma faixa excelente, que fosse a cara da Liniker, para ela fazer um feat com a gente. Enviamos duas músicas, e ela gostou das duas. 

TASHA: A gente estava com muito medo dela não gostar, e ela gostou das duas! Foi a realização de um sonho para a gente. Ela é uma artista incrível, não só pelo tamanho dela, mas pela luz que ela emana e tudo que ela simboliza pra gente. Saber que ela quis fazer parte do projeto, fez eu me sentir muito especial. 

Vocês partem do rap, mas também bebem de sonoridades do R&B e do funk, como foi construir o som do álbum?

TRACIE: Já faz parte da nossa personalidade usar sonoridades diferentes. Em Rouff, a gente começa com house. A gente gosta de versatilidade, e, em Serena & Venus tudo que está ali é muito hip-hop, mas saindo da zona de conforto. Gostamos de rimar em batidas diferentes e de artistas que também fazem isso. Fizemos o som que gostaríamos de ouvir.

TASHA: Quando a gente era DJ, a gente não separava as músicas por gênero, mas por vibe, sentindo o público. Quando a gente vai criar, não separamos os gêneros da rap. A gente se inspirou no que gostamos de ouvir. R&B anos 90, de música negra, em geral.

Eu sei que vocês adoram moda e a estética visual de vocês é sempre muito marcante. Como foi o processo de criação dos visuais do álbum? Vocês sempre usaram a moda como forma de narrativa e resistência. O quanto ela também conta a história desse álbum?

TASHA: Tem muita coisa que estamos guardando para o álbum. No último um ano e meio, diminuímos a agenda de shows para podermos nos concentrar no álbum. Estamos vindo de um bloqueio criativo e problemas que enfrentamos no mercado da música. 

São pessoas que a gente encontra que fazem o que fazem. Foi muito difícil, porque achei que tinha construído algo com Rouff e Diretoria, mas aí vi que essas músicas não eram nossas, foi muito difícil. A gente tinha outros projetos antes do álbum que acabou não rolando, porque a gente não tinha sanidade mental para isso. 

Neste ano anterior, nos estruturamos na nossa equipe e na parte administrativa. Diminuímos a presença na música para focar nesse lado. Estamos crescendo como artistas, como um todo. Representa a nossa nova fase, entrando nos 30 anos. 

Nos visuais, temos referências que juntamos em todos esse ano e, visualmente, vai mostrar o que mais amamos no hip-hop, nossas perspectivas artísticas, mas com muita memória afetiva, que nos alimentaram quando fomos crescendo.

Quem gosta de hip-hop vai pegar essas referências, até a tipografia foi pensando no rap e em discos que a gente ama, com esse toque nosso. A gente já gostava de estar no controle e hoje estamos muito mais, tanto do lado visual quanto do lado de trás. Isso não é fácil, porque acabamos nos sobrecarregando, mas estamos nos profissionalizando em todos os lados. Vai ter a nossa cara em tudo, estamos amadurecidas. 

Mesmo jovens, vocês são donas da própria carreira e falam sobre isso com muita clareza. O que vocês aprenderam sobre o mercado da música nesses últimos anos?

TASHA: Aprendi que, principalmente com meu estúdio e acompanhando a história de artistas ascendentes, a indústria não é feita para que o artista ganhe dinheiro com sua música, para que ele dependa dos empresários. Infelizmente, já conheci diversos artistas que mal começaram e já estão presos a contratos de 10 anos ou os que não conseguem investimentos e não conseguem continuidade a sua arte. 

Quando a gente entende que é a assim que a indústria funciona, percebemos que nosso olhar para o dinheiro precisa ser diferente, tem que ser calculado, criar uma verdadeira educação financeira e também do processo por trás dos bastidores. Como subir conteúdo nas plataformas digitais, onde registrar sua música, acompanhar métricas…

TRACIE: Como a gente lida com as burocracias, administrando o nosso negócio, é muito difícil porque é um meio muito machista. Sempre o homem mais próximo ganha o mérito porque algo que a gente fez, infelizmente acontece. 

TASHA: As pessoas sempre estão buscando o homem mais próximo da gente para acreditar no nosso trabalho. 

Planejam uma turnê em breve?

TRACIE: Estamos planejando, mas só ano que vem. Queremos deixar as coisas assentadas, como pagamos tudo nosso, estamos captando grana. Foi muito tempo para lançar esse álbum, então não queremos que seja de qualquer jeito. Hoje, podemos fechar 10 shows pelo Brasil, mas não vai ser a mesma coisa, com coisas que sempre sonhamos em fazer no palco. O final do ano vai ser para captar recursos e ensaiar. 

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06/11/2025

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Vitória Prates