Em 2019, YMA fez barulho no meio independente com sua estreia, Par de Olhos (2019), trazendo um indie cheio de frescor e uma vibe soturna oitentista. Depois disso, ainda lançou alguns projetos, como o EP Zelena (2023), em parceria com Jadsa. Mas o aguardado segundo álbum chegou mesmo em outubro deste ano, Sentimental Palace (2025).
E, novamente, ela não chega sozinha: o disco traz feats de Lucas Silveira, Jup do Bairro e Sophia Chablau, com produção e mix de Fernando Rischbieter e coprodução de Lauiz (da banda Pelados).
Em Sentimental Palace, YMA apresenta ao ouvinte uma narrativa cinematográfica, em que cada faixa desvenda uma faceta do universo onírico criado nas onze canções. Os arranjos do trabalho exploram as diferenças, ora com naipes de cordas e contrabaixo acústico, ora com programações e sintetizadores, sempre misturando o orgânico e o eletrônico.
“Quero que as pessoas sintam o Sentimental Palace enquanto um lugar: a decadência do hotel, a umidade, as cortinas, os detalhes. Na primeira faixa, você entra comigo por essas portas”, declara a compositora em entrevista à Noize.
“É como no cinema: você está no escuro, diante de uma tela enorme, e de repente está vivendo aquela história. Por isso, penso o disco quase como uma espécie de filme sonoro”
Em seu passeio pelo palácio mal assombrado, a artista constrói em estúdio, com liberdade criativa jazzística, uma sonoridade que vai do art pop ao indie rock com a colaboração de nomes como Fernando Catatau, Marcelo Cabral, Gabriel Milliet, Vitor Wutzki, João Barisbe, Francisca Barreto, Pedro Lacerda, Manu Julian, Uiu Lopes e Thiago Leal.
Entre o realismo fantástico e o barroco, Sentimental Palace apresenta uma viagem experimental pela subjetividade da artista que, com sussurros e efeitos vocais, conduz a trama enquanto narradora e personagem. Essa dimensão performática fica ainda mais clara nos materiais visuais do disco, produzidos por Gabriela Schmidt e Marcelo Jarosz.
“O que mais quero é experimentar esse trabalho em outros formatos. Quero desdobrá-lo num livro, e principalmente construir o show – que, pra mim, é uma ferramenta muito importante pra transmitir uma mensagem artística. No palco dá pra explorar outras possibilidades, outras linguagens”, reflete Yma.
Conversamos com a artista sobre o processo de composição e produção de seu novo álbum. Confira o bate-papo:

Foram seis anos desde o lançamento do seu álbum de estreia. Dentro desse período, quando você começou a criar o Sentimental Palace? E o que mudou na YMA de lá pra cá?
Em 2022, comecei a pensar em um novo disco. Mas em 2023 passei por problemas de saúde e por situações pessoais que mudaram a forma como eu via o mundo e como eu estava nele. Isso afetou diretamente minha maneira de compor e criar. Tive bloqueio criativo. O disco mesmo começou a nascer em 2024, a partir da tentativa de entender o que seria o Sentimental Palace. Criei esse lugar para abrigar todas as minhas inquietações, pesadelos, demônios, momentos difíceis. Um universo com várias portas, onde eu pudesse organizar esses temas. Quando consegui enxergar esse lugar, desbloqueei algo dentro de mim. Imaginar o Sentimental Palace foi o ponto-chave.
De lá pra cá, tudo mudou – e eu mudei completamente desde 2019. Criar esse hotel foi o que me permitiu desenhar o disco e me redesenhar junto, quase como um processo de cura. Olhar pra esse disco agora é materializar acontecimentos muito fortes da minha vida e transformá-los em algo que tem direção, em algo que me ajuda a entender o que vivi.
Você escolheu “2001” como single, uma letra que cita títulos de diversos filmes famosos. A faixa título trabalha com sonoplastia, você propõe a imersão do ouvinte em uma cena, quase como em uma rádio novela. Fale sobre essa abordagem cinematográfica.
Ao longo do processo, comecei a pensar na obra de fora, como algo que existe além de mim e pode gerar uma experiência para quem escuta. Quando entendi o que era esse lugar, passei a pensar na imersão do ouvinte. Quero que as pessoas sintam o Sentimental Palace: a decadência do hotel, a umidade, as cortinas, os detalhes. Na primeira faixa, você entra comigo por essas portas. Esse percurso é importante porque quero criar um tipo de teletransporte artístico – mais do que pensar se a música tem um refrão que vai colar.
O cinema tem muito a ver com isso. É uma das linguagens que mais me atravessam e me inspiram. Gosto de como ele cria imersão: você está no escuro, diante de uma tela enorme, e de repente, está vivendo aquela história. Isso me impacta muito. Por isso, penso o disco quase como uma espécie de filme sonoro.

Enquanto uma artista da cena alternativa que toca rock, ao incorporar todos esses elementos ao universo sonoro e visual do seu trabalho, você chega em um resultado que é muito pop. Conta pra gente sobre esse lugar de fronteira.
Admiro artistas como o David Bowie, que é um grande símbolo pop e, ao mesmo tempo, profundamente artístico. A Kate Bush também faz isso: cada disco é um universo próprio. Acho que eles são portais. E, nesse sentido, me identifico com esse tipo de artista – pop e experimental ao mesmo tempo. É onde eu gostaria de estar, porque são as minhas maiores influências.
Esse disco, especificamente, foi curioso. Quando comecei a fazer, eu pensava: “Gente, não tem refrão! Será que as pessoas vão entender?”. Tem momentos estranhos, que me davam medo. Mas, no fim, eu preferi ser sincera. Se não for pra ser sincera, prefiro não fazer.
Ao mesmo tempo, fico feliz quando o trabalho é percebido como pop, porque não quero afastar as pessoas. Acho que a arte também tem que ser um lugar de respiro — um espaço pra se conectar, pra descobrir algo novo, mas acessível. Espero que o Sentimental Palace seja isso: um convite pra entrar, respirar e se deixar levar.
Musicalmente, o trabalho é diverso. Você começa com um arranjo de cordas na primeira faixa e logo na sequência quebra com um beat de drum’n’bass. Tem muitos sintetizadores, mas também tem contrabaixo acústico. Fale sobre como foi chegar nessa sonoridade em estúdio.
Tentei, em 2022, começar a desenvolver ideias pro disco novo. Mas senti que a sonoridade não estava chegando no lugar que eu imaginava – não traduzia esses desejos mais cinematográficos, as músicas pediam arranjos diferentes do disco anterior e eu ainda não estava sabendo conduzir para o que queria. Aí dei uma pausa. Nesse tempo, fui entendendo o que buscava. Gravei com o Fernando Catatau, vi shows, lembro de um do Marcelo Cabral com a Juçara Marçal. Fui pescando coisas, pensando: “Por que eu amo tanto o jeito dessa pessoa tocar?”. E percebi que era porque essas pessoas tocam de um jeito muito poético, artístico.
Cada convite teve um propósito: o que essa música pede? Então, cada faixa era uma porta, um ambiente. Eu descrevia o ambiente e os músicos traduziam aquilo no instrumento. Hoje, muita gente cria música no computador, e às vezes parece que os timbres digitais já estão todos meio saturados. Mas quando você experimenta no orgânico, ainda dá pra chegar em lugares completamente novos. É infinito.

E o álbum também conta com alguns feats. Por que você escolheu cada um dos artistas para essas músicas?
Eu vou começar com “Te Quero Fora”, que é a faixa com o Lucas. Eu tinha essa música há um tempo, mas várias vezes pensei em tirá-la do disco, porque não conseguia terminar a letra. Pensei em alguém pra escrever o resto e na hora me veio o nome do Lucas, da Fresno. Enviei a música, ele curtiu e topou na hora. Fiquei muito feliz, porque eu escutava muito Fresno na adolescência – fui emo, e era minha banda brasileira favorita na época. Acho que o Lucas nem sabe disso.
Com a Jup, foi diferente. Eu sou muito fã dela, e o disco novo dela é o meu favorito do ano. Acho incrível como ela consegue unir arte e política de um jeito muito próprio, em que uma coisa não apaga a outra. Mas quando pensei em chamá-la, eu ainda nem tinha ouvido esse álbum. A música “Lagosta Ostra” era muito visual, e fiquei imaginando uma cena de banquete. Quando pensei em alguém, a voz da Jup veio na hora. Mandei a faixa e ela topou de primeira.
Por fim, “Rita”, que tem a Sophia Chablau. Essa é a faixa mais antiga do disco, de 2020 ou 2021. Logo depois de compor, mandei pra ela, achando que ficaria linda na voz dela. Dois dias depois, ela me devolveu uma demo que me encantou. Quando decidi colocar a música no disco, quis manter esse espírito da demo. Chamei a Sofia pro estúdio e ela participou de todo o processo, desde o arranjo até a gravação dos coros.