“Estreito”, segundo o dicionário, é um espaço entre dois lugares. Aos 21 anos — e com um pé em cada lado da montanha da música — o compositor, produtor e arranjador Valentim Frateschi estreia com Estreito (2025), lançado em 3/9, via Seloki Records e produção de Yann Dardenne.
Entusiasta da música desde a infância, Valentim levou seis anos para lançar o álbum, das primeiras composições à finalização do trabalho. As nove faixas trazem um ar existencialista, toque nostálgico e muita experimentação sonora.
Para além das canções, muitos dos instrumentos foram comandados pelo Valentim. Em grupo, o paulistano é baixista, compositor e produtor musical na banda Os Fonsecas — juntos eles lançaram o EP Fundo da Meia (2020) e o álbum Estranho pra Vizinha (2024).
Entre as inspirações, Valentim destaca nomes potentes, como Vovô Bebê, Maurício Pereira, Ana Frango Elétrico, João Donato, Jards Macalé, Arthur Verocai, Crumb, BadBadNotGood e Yellow Days, sentidos na sonoridade.
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Para os feats, o artista convidou suas amigas de infância Nina Maia — na faixa bem MPB “Falando Nisso” e Sophia Chablau — no rock de “Mau Contato” — “Falando Nisso”, inclusive, chegou como single e foi a primeira faixa a ser gravada para o álbum.
Um destaque vai para o glockenspiel, o instrumento de percussão alemão, foi gravado no Departamento de Música da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Leia (e ouça) o faixa a faixa abaixo:

“Estreito”: abre o disco e dá nome a ele. A letra fala sobre o pescoço como um estreito geográfico que liga o corpo à cabeça, lembrando que tudo é uma coisa só, algo que muitas vezes a gente esquece. É uma faixa que se propõe a tocar um lugar específico e sensível da intimidade de quem ouve, mas sem machucar. E embora o verso mais repetido da canção fale de um choro de angústia, a melodia, harmonia, interpretação e o arranjo se unem para dar um ar leve, nostálgico e até um tanto lúdico pra música.
“Pássaro Cinza”: ela aproveita o gancho leve e lúdico deixado por Estreito, mas através de um groove marcado, coloca um pouco mais de movimento no álbum. A composição é inspirada em uma foto real tirada por mim na casa do meu avô. Mostra um lado imagético que eu gosto bastante de trazer pras minhas letras. Acho que criar imagens pode ser tão emocionante quanto falar de sentimentos. Essa é a composição mais antiga que entrou pro disco, compus em 2019 exatamente na varanda que eu cito.
“Mau Contato”: é uma canção de amor dissonante. Dado que “amor” é um dos temas mais tratados na música popular brasileira (talvez mundial), me propus ao desafio de compor e cantar uma canção romântica, mas tentando não soar óbvio demais. Pra isso, chamei a Sophia Chablau, que coloca um frescor e um deboche em tudo o que canta, inclusive nas suas canções de amor.
Sobre o arranjo, ao invés das camadas de sopros e cordas que contornam o resto do álbum, foram empilhadas justamente camadas de “mau contato” com sintetizadores, cabos desplugados, viradas atropeladas e vozes distorcidas para que desse pra sentir o tal do “amor” de outra forma.
“flnd”: essa faixa é uma vinheta para “Falando Nisso”. Todo os elementos dela são sampleados de outras faixas do álbum, com exceção do baixo, que é o único baixo do disco gravado por mim.
“Falando Nisso”: é uma faixa muito especial para mim, porque foi a primeira que produzi. Antes mesmo de ter certeza se faria um álbum, ela foi lançada como um single em 2023. E de alguma forma, a sonoridade que eu e Yann chegamos nesse single acabou sugerindo a sonoridade que desenvolvemos no resto do disco.
Pra mim, ela fala sobre umas ironias da vida, inclusive a simbólica situação de não ter saco para dar parabéns a alguém no dia de seu aniversário. Acho lindo como a participação da Nina dá um tom extraordinário pra uma letra tão cotidiana. Ela se relaciona com o conceito do álbum, porque compus no dia que tomei a primeira dose da vacina de Covid-19 e me sentia vivendo exatamente num lugar entre o mundo pandêmico e um mundo que começava a se abrir.
“Corpo Colado”: é uma espécie de jazz progressivo. Se é a faixa que mais se distancia das outras no que diz respeito à forma, é também quando o álbum alcança o seu ápice em termos de arranjo e densidade de camadas, reunindo em uma só faixa todos os instrumentos que aparecem ao longo do disco.
“Colado”: é a última parte da odisseia que é Corpo Colado. Depois de alcançar o ápice do arranjo e de passar por inusitados caminhos harmônicos, Colado chega como uma base jazzística e swingada para improvisos inspirados de Antonio Neves (trombone), Eduardo Santana (trompete) e Amanda Camargo (sintetizador).
“Novo Espaço”: essa faixa é a segunda vinheta do álbum, dessa vez para Lokotário. Ainda que curtinha, a frase “queria tanto um novo espaço” dialoga com o conceito do álbum, é como se você estivesse realmente chegando no final do estreito. Foi bastante influenciada pelo álbum The Remixes Álbum vol. 1 (2007) do Marcos Valle.
“Lokotário”: é mais uma canção que dá um ar lúdico pra uma sensação bem angustiante que é a de estar enclausurado. Ela também foi composta durante a pandemia e é um daqueles delírios que a gente tem quando fica preso no mesmo lugar, com o mundo acabando lá fora. Essa faixa tem um groove swingado, que somado aos ataques de metais ajudam a transformar a loucura desse eu-lírico em movimento, gerando uma faixa dançante pra acabar o disco em alto astral.