Ex-Luísa e os Alquimistas, LEOA emerge da música potiguar e do brega para criar pop singular

14/07/2025

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Por: Damy Coelho

Fotos: Divulgação/ Ian Rassari

14/07/2025

Não foi da noite para o dia que Luísa Nascim gestou uma nova era em sua carreira. À frente do projeto Luísa e os Alquimistas por quase uma década, a artista potiguar vinha amadurecendo silenciosamente a ideia de recomeçar, até que LEOA nasceu — assim mesmo, em caixa alta, como uma estreia em grande estilo. “Foi um processo desafiador. Levei anos amadurecendo essa possibilidade. Aos poucos, fui sentindo essa transição acontecer de dentro pra fora”, conta à Noize, sobre o fim da banda e a nova fase. “Hoje, me sinto mais leve, mais centrada — e não num sentido clichê de empoderamento, mas real: de autonomia, de investir em mim mesma.”

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Esse recomeço toma forma no álbum Original Malokera (2025). O disco traz 15 faixas que misturam batidas eletrônicas com ritmos da América Latina, do Caribe e do Nordeste, como o brega — em uma sonoridade que é, ao mesmo tempo, pista e território. “Essa mistura é algo constante no meu som. Gosto dessa brincadeira de cruzar fronteiras e manter o diálogo entre o regional e o internacional como parte viva da minha expressão artística.”

As inspirações vão de um alter-ego que é, ao mesmo tempo, princesa e maloqueira, brega e pop, independente e apaixonada — a faixa “Acesa”, por exemplo, foi inspirada tanto por uma frase espirituosa que ouviu no Big Brother quanto pelo amor por seu companheiro, que vive com ela em São Paulo. “Tenho muitos pontos de partida para compor. Às vezes é um beat, uma música que escuto no rádio… outras, algo bem inesperado”, conta.

Com participações de nomes como Urias, Potyguara Bardo, Gil Bala, Amem Ore, Pi Love, o novo disco é, também, uma celebração da coletividade. “Nunca fui guiada por números. Tem gente no disco que nem tem perfil no Spotify. Sempre gostei de apresentar novos nomes”, diz ela, que compõe em português, espanhol, francês e inglês — uma estética global que não desfaz suas raízes cosmopolitas. Ao contrário: as reforça.

Leia a entrevista:

Como foi o fim de Luísa e os Alquimistas e a construção dessa nova era em sua carreira, com esse nome tão potente quanto LEOA? Pode compartilhar com a gente como foi esse processo para você?


Foi bastante desafiador. A decisão não aconteceu de uma hora para outra — levei anos amadurecendo essa possibilidade. Aos poucos, fui sentindo essa transição acontecer de dentro pra fora, me aproximando dessa nova realidade. Mas não foi fácil. Mudar nunca é simples, especialmente quando se trata de um projeto ao qual dediquei quase uma década da minha vida, da minha carreira, da minha energia. Por muito tempo, acreditei que Luísa e os Alquimistas existiria para sempre.

Mesmo assim, a mudança foi extremamente necessária. Me trouxe força, me empoderou num lugar muito significativo. Hoje, me sinto mais leve, mais centrada — e não num sentido clichê de empoderamento, mas real: de autonomia, de tomar decisões importantes, de investir em mim mesma, de canalizar minha energia de forma consciente.

O apoio do selo ALÁ Comunicação e do meu empresário, Jorginho Velloso, também foi essencial. Ele sempre acreditou muito em mim, e isso fez toda a diferença. Foi um caminho espiritual e terapêutico — me devolveu o fôlego, reacendeu minha chama para recomeçar. Estou feliz com essa nova fase, mesmo com todos os desafios.

Estamos apenas começando essa nova era, então ainda estou compreendendo tudo o que ela representa. Mas já percebo uma recepção muito positiva, tanto do público que me acompanhava com a banda quanto de uma nova audiência que está chegando agora. É bonito sentir essa abertura, esse acolhimento. Está sendo um recomeço potente e cheio de significado.

Neste álbum, você explora outras línguas e ritmos. Você pensou desde o início nessa identidade/conceito global? Como é pra você compor em outros idiomas?


Esse lance dos idiomas nunca foi algo planejado no sentido de: “vou compor em tal língua para atingir determinado público” ou para tornar o trabalho mais “global”. Desde o primeiro álbum de Luísa e os Alquimistas — que também foi meu primeiro lançamento como compositora — isso já fazia parte da minha identidade como autora. Sempre esteve presente na minha escrita, na minha personalidade artística, esse leque maior de possibilidades linguísticas e rítmicas. Inclusive, por muito tempo, até segurei um pouco essa vontade de compor em outros idiomas, porque enfrentava muitas dificuldades na hora de lançar essas músicas, pensando no mercado nacional, no público brasileiro. Nem sempre era bem aceito.

Mas, mesmo assim, nunca abandonei essa característica. Fui, na verdade, desenvolvendo ainda mais minhas composições em português, ao mesmo tempo que trazia outras línguas de forma pontual. Essa dimensão mais “global” do meu trabalho sempre existiu, naturalmente, por conta dessa minha relação com os idiomas.

Sou filha de professora de inglês, viajei bastante desde nova. Minhas primeiras experiências internacionais aconteceram ainda na época em que estava muito envolvida com o circo — antes mesmo de me descobrir como cantora e compositora. Foi através do circo que viajei pela Argentina, onde aprendi espanhol, e depois fui para a França, participar de projetos em escolas de circo. Então os idiomas sempre fizeram parte da minha vida. Sempre fui muito curiosa, sempre tive facilidade com línguas e gosto de estudá-las. É algo que me encanta.

Se você olhar a discografia de Luísa e os Alquimistas — os quatro álbuns e dois EPs — vai perceber que sempre há uma pincelada de espanhol, francês ou inglês. Com LEOA, não seria diferente. Essa mistura está mesmo na minha forma de criar. Sinto que meu raciocínio criativo já acessa essas ferramentas naturalmente na hora de compor. Tenho escritos soltos em vários idiomas nos meus blocos de notas. Estou sempre alimentando isso, estudando, assistindo séries, filmes, ouvindo músicas em outras línguas. Especialmente em espanhol — que, depois do português, é o idioma em que sou mais fluente. Em alguns períodos, inclusive, escuto mais música em espanhol do que em português. Isso me inspira muito.

Gosto de mergulhar em documentários sobre música latina, caribenha, descobrir novos ritmos… E isso vai despertando palavras, termos, ideias. Durante as viagens também, estou sempre anotando referências em outras línguas. Para mim, é muito satisfatório. Me sinto com um leque de possibilidades criativas muito maior.

O que te inspira na hora de compor suas letras? Há algo que você ouviu, leu ou assistiu que te inspirou diretamente nessa nova fase?


Tenho muitos pontos de partida. Às vezes é um beat, uma música que escuto no rádio… outras, algo completamente inesperado. Já compus música a partir de story no Instagram — “Boquinha Sapeca”, por exemplo, veio assim. Teve uma frase de uma participante do Big Brother — “a lua tá cheia e eu tô acesa” — que virou a faixa “Acesa”.

Além dessas inspirações, os ritmos são fundamentais no meu processo. Tenho o hábito de anotar tudo o que me chama atenção: frases, conversas, palavras soltas… Mas essas anotações só viram música quando me conecto com um ritmo, quando entro nesse universo. Por exemplo, se quero fazer uma bachata, coloco um type beat e começo a criar em cima dele.

Sou muito ligada ao flow. Esse álbum traz muito isso — uma linguagem urbana mesmo. Reggaeton, dembow, dancehall, funk, rap… tudo isso influenciou diretamente o processo criativo. E esse disco é profundamente pessoal. Minhas vivências — inclusive as mais íntimas — foram as principais fontes de inspiração. Diria que 90% das músicas têm esse toque autobiográfico; os outros 10% são histórias inventadas ou aumentadas — porque também gosto de criar narrativas a partir da imaginação.

Como foi a escolha das parcerias do disco?


As parcerias, em geral, nascem da sensação de que a música está pedindo algo, seja um flow específico, uma voz diferente, uma presença que complemente. Mas no caso desse álbum, cada feat teve um processo único. O feat com Gil Bala, por exemplo, foi especial. Eu admiro ele há muitos anos, ele é referência no Nordeste, o Rei do Batidão. A oportunidade surgiu através de um amigo em comum, o Pilove — que também está presente no disco. Ele compôs a parte do Gil Bala, gravaram primeiro, e só depois, durante uma turnê em Berlim, nos encontramos pessoalmente e finalizei minha parte. Nessa mesma ocasião, criamos “Essa Bebê é Peso”.

Muitas faixas nasceram dessa troca presencial, no estúdio, no improviso, o encontro direto teve um peso grande nesse disco. Ao mesmo tempo, tive um cuidado de manter o álbum com uma identidade fortemente conectada ao Norte e Nordeste. Isso é uma militância minha: desde os artistas até os profissionais envolvidos no off, como stylist, direção criativa, coreografia — muitos são do Pará e do Rio Grande do Norte. Queria fugir dessa centralização sudestina que domina o pop nacional e trazer novas estéticas, novas sonoridades.

A Urias é a única artista de fora do Nordeste no álbum. A música “Toy Boy” tem esse caráter mais global, mistura idiomas, e desde que ouvi o beat pensei nela. Ela topou, entregou uma parte linda, e inclusive tive que adaptar minha letra para encaixar a dela — e a música só cresceu com isso.

No mais, nunca fui guiada por números. Tem artistas no disco que estão recomeçando, outros que nem têm perfil no Spotify, gente nova da cena potiguar… sempre gostei de apresentar nomes que talvez muita gente ainda não conheça. A presença da Urias também traz esse contraponto de um nome já consolidado, que fortalece e dá visibilidade a quem está começando ou recomeçando agora, que é o meu caso.

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Queria falar especialmente da bachata, que é um ritmo explorado no Brasil em outros gêneros, inclusive no sertanejo, e se reforça no pop contigo, com a Marina Sena, entre outras artistas. Qual sua relação com a bachata, o que você mais gosta neste gênero? 


Sou uma amante e militante do brega. Tenho uma festa mensal em São Paulo, o Brega Dance Clube, que também já circulou por outras cidades do Brasil e até fora do país. Nesse processo de me tornar DJ, além de curadora e produtora da festa, fui pesquisando mais e percebi como vários ritmos caribenhos e latino-americanos influenciam diretamente o brega, especialmente o brega romântico, e também outras músicas do Norte e Nordeste do Brasil.

A bachata, pra mim, é um desses ritmos que dialogam profundamente com a gente. Ela tem esse tom meloso, romântico, dramático — que é muito presente na maneira como o Sul Global, a América Latina e a América Central falam de amor: de forma intensa, escrachada, profunda. Tem tudo a ver com a minha estética. Eu já tinha experimentado uma mistura de bachata com brega recifense no álbum Elixir, de Luísa e os Alquimistas, mas neste disco queria trazer uma bachata mais “pura”, mais assumida mesmo. Até porque esse álbum tem a proposta de revisitar ritmos que foram fundamentais na minha formação artística, e a bachata, com certeza, é um deles.

Leia também:“Numa Ilha”, hit de Marina Sena, é uma bachata? Especialistas respondem

Você vai excursionar com o álbum, há clipes previstos? Quais os próximos planos?

Pois é, o álbum já está na pista há pouco mais de uma semana e a repercussão tem sido muito bonita. Estou muito feliz com a resposta do público e, agora, estamos imersos nos ensaios e na construção do novo show. Estou empolgada pra circular com esse trabalho, com esse repertório e com esse espetáculo que estamos montando com muito carinho. Estamos pensando em todos os detalhes: parte coreográfica, direção de movimento, cenografia, a nova banda, que é uma girl band, uma formação 100% feminina no palco [Malka Julieta (synths e guitarras), Franci Oliver (Percussão), Eva Bessa (Elenco / dança / performance)]— um sonho antigo que estou realizando agora, e isso me deixa especialmente feliz.

Também gravei duas live sessions em Natal. A primeira já está no ar, Acesa. A segunda, da música “Tamanco” (minha parceria com Amém Ore). Ambas foram feitas em colaboração com o coletivo Duna Lab, do Rio Grande do Norte, dentro do projeto Duna Sessions. O resultado ficou lindo, e convido todo mundo a conferir. 

Leia — e ouça — Original Malokeira faixa a faixa:

“084“: Eu escrevi “084” sozinha, em casa, aqui em São Paulo, pra quem não sabe, 084 é o DDD do Rio Grande do Norte, estado onde nasci, cresci e me descobri artista… estado que abraçou minha arte desde o início. Já faz alguns anos que tinha me mudado, e nesse dia, ouvindo um beat de funk paulista, comecei a cantar em cima e deixar fluir. Estava precisando de uma música que me fortalecesse, que me lembrasse de onde vim. Algo que conversasse com meu público do RN e que afirmasse esse orgulho de ser de lá. Chamei Potyguara Bardo e Janvita pra somar — duas artistas potiguares incríveis, que são figuras importantes da nossa cena. Essa música é um lembrete: o 084 tá no mapa, e sempre vai estar comigo.

“Carne Arde”: Foi uma das primeiras músicas que comecei a compor pro álbum. Sentia uma vontade enorme de ter uma Kompa no disco — algo que trouxesse essa pegada tropical, caribenha, que hoje é tão presente em todo o trabalho. Essa faixa, de certa forma, abriu caminho. Ela deu o tom, acendeu em mim o desejo de explorar ainda mais os ritmos latinos e caribenhos. Foi ali que a estética sonora do álbum começou a se desenhar com mais clareza.

“Melô de Cinderela”: Nasceu da minha obsessão pelo reggae funk do Piauí — uma cena que me pegou de jeito. Mergulhei nesse universo, nos beats lo-fi, nos MCs, nesse jeito nordestino e brasileiro de fazer reggae.

Quis trazer essa vibe do meu jeito: de uma nordestina maconheira, antiproibicionista, com tatuagem da Hello Kitty e que também gosta de falar de amor. Além disso, nessa faixa quis explorar um jeito de cantar bem suave, leve, quase sussurrado. Queria que fosse confortável, que soasse como um carinho no ouvido, sabe? Juntei tudo: o deboche, a ternura, a brisa e o desejo de cantar o que eu vivo com naturalidade.

“Meu Reggae“: É um batidão típico da Paraíba — um ritmo urbano, periférico, que nasceu ali e se espalhou com força pelo Rio Grande do Norte, Pernambuco e outros cantos do Nordeste. É um som que caminha junto com a cena do brega funk, mas que ainda é pouco difundido no restante do país. Pra mim, ele carrega uma identidade muito forte e me desperta uma identificação imediata. A música começou com o Pilove, que é paraibano e mora em Berlim. Ele criou a base e já pensou na participação do Gil Bala, que é hoje um dos grandes nomes do gênero. Gil gravou a voz dele, e a faixa ficou um tempo parada. Quando encontrei o Pilove pessoalmente, durante uma viagem a Berlim, entrei no processo de composição e finalizei minha parte no estúdio. A faixa acabou ficando quente, dançante, com essa energia de pista que eu estava buscando.

“Acesa”:

É uma música que fiz completamente apaixonada pelo meu companheiro. Daquele jeito que a gente fica quando o mel da paixão tá correndo doce nas veias. Ela tem um significado muito especial pra mim — é uma das minhas favoritas do álbum. Não foi à toa que escolhi como faixa de trabalho. Falar de romance é algo que sempre me atravessou, não é de hoje. E acho que essa é, de longe, a música mais melosa do disco.

Eu e meu namorado, nós somos um casal de imigrantes, né? Sou do Nordeste do Brasil, potiguar do Rio Grande do Norte, e ele é do Norte, do Pará. A gente se encontrou nesta cidade doida (São Paulo). Somos artistas, e nos fortalecemos muito um no outro. Essa música também fala disso — desse encontro, desse cuidado, desse amor que se constrói longe de casa.

“Tropical do Brasil”: Começou a nascer a partir da base eletrônica, da produção musical. É uma faixa que co-assino a produção junto com Tupy e Gabriel Souto. Fui trabalhando nela com bastante cuidado, antes mesmo de entrar no processo do álbum. Foi o primeiro beat que surgiu — guardei algumas ideias e, conforme fui entendendo o que seria esse disco, tive certeza de que essa música precisava estar nele.

Gosto muito desse reggaeton mais lento, mais suave. Na época, estava escutando bastante a Karol G e queria trazer um reggaeton mais filtrado, mais delicado, misturado com esse flow jamaicano que carrego forte no meu trabalho. Quando retomei a faixa dentro do processo do álbum, consegui finalizar a letra. Ela traz uma espécie de memória inventada: uma fantasia de como meus pais podem ter se conhecido e se apaixonado, lá no Rio Grande do Norte. Não é uma história que minha mãe me contou — imaginei, inventei, como se fosse uma fotografia viva. Depois disso, a letra foi ganhando outros sentidos.

A participação da Uana foi essencial pra fechar esse som. A voz dela, a presença dela, trazem uma energia muito única. A gente já queria fazer algo juntas há muito tempo. Nos encontramos em São Paulo, numa das vindas dela, e compomos a parte dela aqui em casa fumando, trocando ideia… Foi um momento muito especial.

“Toy Boy”: É uma música que tem como referência a Bad Gyal, que é uma artista espanhola de quem sou muito, muito fã. Acho que é uma das minhas preferidas da atualidade. Ela manda muito nos flows de reggaeton e dancehall, e estava com vontade de fazer um dancehall com essa pegada mais pop que ela traz. Outra referência muito forte pra mim e que está presente nessa faixa, especialmente no refrão, que tem essa voz mais aguda, é a FKA Twigs, artista britânica que tem um álbum chamado Caprisongs, cheio de influências jamaicanas. Tem uma faixa ali, Papi Bones, que é um dancehall bem pesado, com beat grave e essa voz agudinha no topo — eu quis muito trazer esse clima pra faixa.

Na produção musical, o Gabriel Souto e o Walter Nazário foram fundamentais. Quando estavam desenvolvendo o beat, a gente conversou sobre como seria legal trazer um toque de “Baby Boy”, da Beyoncé — com aqueles timbres e solos que remetem a uma sonoridade mais árabe. E quando a música já tava mais encaminhada, senti que seria incrível ter a Urias nela. A gente já se acompanha há um tempo — desde a época de Luísa e os Alquimistas. Ela sempre demonstrou muito carinho pelo meu trabalho. E como ela também canta em vários idiomas, fez todo o sentido. Essa é uma música que mistura espanhol e inglês, então achei que combinava demais com ela. Fiquei muito feliz que ela topou — era minha primeira escolha pra parceria e deu super certo. O resultado me deixou muito contente. É uma faixa dançante, com uma energia meio misteriosa, que me atravessa.

“Essa Bebê é Peso”: Nasceu de um momento espontâneo no estúdio com o Pilove, Gabriel e os meninos da banda Luisa e os Alquimistas em Berlim, durante nossa turnê de encerramento. Fomos lá sem intenção de criar nada, só pra ouvir umas produções, e acabamos finalizando Meu Reggae também. Nesse fluxo leve e criativo, a música simplesmente brotou.

A inspiração veio do Caribbean Hits, banda maranhense criada pelo Woldon Campos nos anos 90. Eles têm uma pegada caribenha muito forte e criaram um gênero próprio, o “Regaton” — diferente do “Reggaeton” tradicional, com sotaque nordestino e molho brasileiro.

Com a faixa já gravada, conheci o Woldon pessoalmente, quando ele participou de um evento que organizei em São Paulo. Conversamos bastante sobre o surgimento desse gênero, e aquilo me marcou.Já venho pesquisando essa conexão entre a música caribenha e os ritmos urbanos do Nordeste, e sempre fui fã de faixas como “Mulher Roleira”, que inclusive viralizou recentemente. Mas essa referência já fazia parte do meu repertório muito antes disso.

“Cidade do Sol”: É uma composição de Allan Negão, um artista fundamental pra minha geração. Ele fez parte da banda Rasta Feeling, que teve grande destaque no Nordeste nos anos 2000, especialmente no Rio Grande do Norte. Essa faixa é um verdadeiro hino natalense — se você procurar no YouTube, vai encontrar versões ao vivo, clipes antigos…

Essa música marcou a minha adolescência. Sempre fui muito fã da banda, e como potiguar, senti vontade de trazer essa referência tão importante pra mim. Entrei em contato com o Allan, que ficou lisonjeado com o convite. A gente já se conhece há anos, e foi um prazer enorme poder regravar esse reggae que é uma pedrada. 

O arranjo que Gabriel fez pra essa regravação é algo pra se prestar atenção. A presença de Ian Medeiros na bateria também.

“Carinito”: Surgiu da vontade de fazer uma cúmbia e de falar sobre as confusões que acontecem no começo de uma relação. Quando você começa a se aproximar de alguém, mas tem muita coisa acontecendo na vida de cada um… às vezes rola essa confusão, esse não saber. Estava passando por isso na época — tentando entender o que estava sentindo, essa mistura de desejo, dúvida, vontade de estar perto. A música foi meu jeito de transformar esse momento em som, de colocar pra fora o que estava vivendo. Sabe quando era pra ser só uma ficada e, quando você vê, sua vida vira de pernas pro ar? Quem nunca passou por isso, né?

“Trim Trim“: É aquela faixa que nasce nos 45 do segundo tempo, no meio da rotina intensa de estúdio que rola durante a criação de um álbum. O Gabriel e o Walter estavam ali brincando com os beats — “vamos fazer um brega funk” — e começaram a tirar um som numa espécie de jam, improvisando com sintetizadores.

Estava por perto, ouvindo, e comecei a ter algumas ideias. A música foi surgindo assim, de maneira bem coletiva, com várias proposições de melodia deles. Demorei um pouco pra entender a estrutura toda e fechar as partes, mas fiz questão de terminar porque gosto muito da sonoridade dela.

Finalizei a letra no próprio dia das gravações finais de voz, já em São Paulo. Literalmente, escrevi as últimas linhas no estúdio, antes de gravar. E hoje é uma das que mais gosto.

“Leoa”: É um rugido macio de autoafirmação. É sobre reconhecer minha força, minha importância, e ser feliz sendo quem sou. Compus essa música desse lugar — de alegria em me assumir por inteiro. São dez anos de trajetória. Olhar pra trás e ver meu impacto na música potiguar, no pop nordestino e brasileiro, mesmo sem grandes prêmios, é forte. Sei que me tornei referência pra muita gente que tá trilhando caminhos na música ou se vê em mim de alguma forma. Nesse caminho, também enfrentei situações difíceis. Vi minha imagem, meu som, meu jeito de ser sendo copiados de forma bem problemática. Plágio mesmo — de uma identidade, de uma existência. É uma espécie de carta pra mim mesma e pra todas as originais.

“Pecheras”: Talvez soe como uma quebra na sonoridade do álbum, mas, ao mesmo tempo, faz todo sentido dentro da proposta de passear por diferentes ritmos da Latinoamérica. É um Corrido Tumbado, ritmo mexicano que tenho ouvido bastante. Um dos artistas que mais escutei no ano passado foi o Peso Pluma, e essa identificação me deu vontade de compor e cantar um corrido — em português, à brasileira.

Acho que essa é a música mais íntima que já fiz. Escrevi num dia chuvoso, triste, com saudade. Tenho muito orgulho dessa letra e dessa melodia. Ela tem uma vibe cigana, bélica, muito forte. Compus em cima de um beat que encontrei no YouTube. Na descrição dizia que estava disponível pra gravação com autorização. Entrei em contato com o Dorado (produtor musical mexicano) pelo Instagram, fizemos todo o trâmite legal e o resultado foi essa maravilha.

“Tamanco”: Nasceu a capela, a partir de uma melodia que lembra uma ladainha de capoeira. Tinha uma força ancestral já na voz, e quis contrapor isso com uma sonoridade mais urbana, atual. A gente levou um tempo pra entender como equilibrar essas camadas. Minha ideia era que soasse como um sample — como nas produções de rap, drill, grime ou trap, que muitas vezes usam trechos de músicas tradicionais. Mesmo sendo uma composição nova, queria que tivesse esse clima de viagem no tempo.

Sentia que faltava uma voz que chegasse com cadência, com presença do rap, da poesia urbana. Conversando com amigos, surgiu o nome do Amen ore — um nome forte da nova geração do hip hop e da escrita lá de Natal. Foi muito especial. Quando mandei a faixa, ele respondeu dizendo que já vinha pesquisando sobre capoeira. No dia seguinte, me enviou a parte dele. Foi rápido e certeiro. A entrega dele elevou a música de uma maneira surreal

“MALOKERA”: É um dembow dominicano debochado e ácido — escolhido para ser o primeiro single dessa nova fase, dessa nova persona que apresento. O clipe foi gravado em Natal, no Centro Histórico, na Frisson, espaço cultural novo, mas que tem sido essencial para a cena eletrônica e para a nova geração. Uma parceria importante.

A faixa nasceu com beat, flow e ideia certeira. É urbana, latina, com originalidade e pé na porta. Muito dançante. Foi uma chegada forte, que abriu os caminhos do álbum. Sou fluente em espanhol, mas nos trechos dessa música — tanto em espanhol quanto em português — quis experimentar um sotaque meio portunhol. Teve gente que não entendeu, achou que era um erro, mas essa estranheza era proposital. Um sotaque indefinido, que você não sabe bem de onde vem.

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14/07/2025

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Damy Coelho