Em 1997, um grupo de músicos liderados por Gabriel Moura e Seu Jorge transformou um apartamento em Santa Teresa no epicentro de uma revolução musical. O Farofa Carioca, coletivo que misturava samba, reggae, hip-hop e soul com letras afiadas sobre racismo e violência urbana, ressurgiu em 2024.
Após anos de hiato relança Moro no Brasil (1998) em versão remasterizada e prepara o vinil, provando que sua mistura de celebração e denúncia segue mais necessária do que nunca. Em entrevista exclusiva, Gabriel e Mário Broder contam como a banda se reconciliou, por que as músicas do disco original seguem atuais e adiantam: tem farofa nova no fogão.
A história do Farofa começa no Méier, onde Gabriel Moura – sobrinho do lendário saxofonista Paulo Moura – se apresentava em bares locais. Foi ali que conheceu Seu Jorge, então um jovem sem teto que havia acabado de perder o irmão em uma chacina.
Gabriel o convidou para trabalhar no Teatro da UERJ, onde era diretor musical. A química entre os dois explodiu quando, em 1997, se mudaram para Santa Teresa com o flautista francês Bertrand Doussain. No bairro boêmio, frequentado por bandas como O Rappa e Planet Hemp, desenvolveram uma sonoridade única: rap acelerado com violão, letras sobre amor e tragédia urbana, tudo temperado pela irreverência carioca. Moro no Brasil (1997) era um manifesto disfarçado de festa.
Faixas como “A Carne” (parceria de Seu Jorge com Marcelo Yuka) e “Lei da Bala” denunciavam racismo e violência policial, enquanto “São Gonça” e “Bebel” celebravam o humor e a sensualidade carioca. Além disso, tem novidade chegando, uma faixa perdida, “Rap do Negão (Citação Upa Neguinho)”, excluída em 1998, será single em novembro, depois de novíssima regravação com mais de Gabriel Moura e Mário Broder.
Na volta da banda, com Seu Jorge, Gabriel Moura, Wallace Jefferson, Edu Lobo, Gianfrancesco Guarnieri, Gabriel afirma: “Passamos por brigas e reconciliações, como um casamento. Mas quando voltamos a tocar juntos, a energia foi a mesma de 98 – só que com mais maturidade”.“
Já temos 50 músicas novas na gaveta”, adianta Mário Broder. “Queremos trazer jovens que estão falando do Brasil hoje, mas sem perder nossa raiz”, disse – sem queimar o cartucho adiantando nomes. Leia o faixa a faixa exclusivo de Moro no Brasil (2025) abaixo:

“Dudivara”: o abre-alas do disco é uma apresentação cheia de groove para situar a galera no clima do Rio de Janeiro. E para além da alma carioca, os encontros que ocorrem na cidade, nos salves para capitais de todo o país que também se encontram na cidade maravilhosa. Tem tempo para boogie, samba, soul e muito mais, e é só uma provinha do que vem à frente.
“Moro no Brasil”: mistura tudo que o Farofa acredita – crítica social, ritmo contagiante e celebração da cultura brasileira. Brinca com um discurso político que prenuncia trompetes, batuques e cavacos. O flow rápido e crítico apresenta a dicotomia entre morar bem pela vivacidade do país tropical ou morar mal em meio às mazelas, resistindo com humor.
“A Lei da Bala”: se a leveza carioca ajuda a lidar com os problemas, aqui a narrativa mostra os limites e códigos do poder paralelo nas comunidades. É sobre saber chegar em qualquer lugar, sem vacilar – senão o bicho pega.
“São Gonça”: o maior sucesso de Moro no Brasil é um hino romântico na herança do samba com groove do Farofa e pano de fundo do Rio. É perder o rolé com a “pretinha”, prometer casamento e manter a chama acesa mesmo no perrengue. Ponte Rio-Niterói engarrafada, orelhão quebrado, cartão zerado… e o amor segue firme, basta acreditar na malandragem.
“Bebel”: o groove de rap percussivo chega dominando, com metais fortes, percussão elétrica e coro aceso no refrão. Fala sobre o charme e a sensualidade da mulher brasileira, com versos que dançam junto ao ritmo.
“Doidinha”: queridinha dos fãs, mistura a malícia de “Mulata Assanhada” (Ataulfo Alves) com a bossa de “Garota de Ipanema” (Tom e Vinicius). É uma homenagem à beleza carioca, embalada por um balanço que atravessa gerações e levanta o público até hoje.
“A Carne”: um dos destaques do álbum, com tom de denúncia que se tornou absoluto desde a primeira performance em Santa Teresa. Reconhecida na voz de Elza Soares, é um hino contra o racismo. Mais de 25 anos após a composição de Seu Jorge e Marcelo Yuka, a miséria ainda tem cor.
“Timbó”: única faixa não autoral, é um samba de terreiro gravado por Jamelão em 1957 para a Império Serrano, sobre um mítico feiticeiro africano criado na ilha de Marajó (PA). Aqui, ganha arranjo exuberante de cordas do Maestro Paulo Moura – tio de Gabriel – e solo de clarineta no encerramento.
“Jacaré”: se a bagunça é geral, a música tenta organizar. O manifesto é claro pelo proletariado. O refrão chiclete reforça a crítica e a necessidade de um basta já na letra, apontando para quem está no comando.
“Índio / O Guarany”: com guitarra marcante, a faixa mostra a diversidade que o Farofa incorporou no álbum. Flautas, triângulos e mais compõem o arranjo, enquanto a letra homenageia os povos indígenas e o direito às terras que deveria ser garantido desde o “descobrimento”.
“Rabisca Robson”: levada dançante num tema pra lá de sério: um cara que se perde em cocaína. O beat e o andamento diferentes dão à faixa um tom alegre e debochado, mantendo a crítica com groove característica do Farofa.
“Menino da Central”: no encontro entre a malemolência da black music e o passo marcado do xote, surge um retrato do cotidiano carioca. Com a levada de Sivuca como ponte, homenageia os meninos que vendem sortidos na Central do Brasil, transformando a correria anônima da estação em memória e resistência.