Filipe Ret: “Nosso mercado anda bem saturado, é preciso quebrar mais a cabeça para se destacar.”

03/07/2025

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Por: Amanda Cavalcanti

Fotos: Divulgação

03/07/2025

Filipe Ret sabe que não é mais um novato no rap. Prestes a completar 40 anos, ele se vê como parte de uma geração intermediária do hip hop nacional – não tão clássico quanto os medalhões old school, mas também não tão jovem quanto a molecada do trap. “Eu estou entre os que vieram e os que ainda vão vir”, fala o rapper à Noize. “E graças a Deus tenho o carinho dos dois lados.”

Ret se vê oriundo de uma época de mudanças no rap, principalmente do rap carioca. É por isso que ele transita entre tantos gêneros e estilos. Se no começo da carreira fazia um boom bap reto e só colaborava com seus colegas de hip hop, o Ret de 2025 se vê muito mais aberto a fazer participações com artistas enormes da música pop, como Anitta, e do funk, como MC Hariel. 

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Espaço Unimed 2 (1)

Essa diversidade fez do rapper um dos artistas mais versáteis da cena de hip hop atual e, talvez por isso, também um dos mais bem sucedidos. Seu mais recente álbum NUME (2024), que chega em vinil ao NRC+, ficou durante a semana de seu lançamento entre os cinco mais ouvidos no Spotify globalmente, e em primeiro lugar no Brasil. No ano anterior, Ret reuniu mais de 25 mil pessoas na Jeunesse Arena, no Rio de Janeiro, para a gravação de FRXV, DVD de comemoração aos seus 15 anos de carreira. 

Nada disso é por acaso. Isso porque, além de artista, Ret é também um homem de negócios, sempre atento às movimentações de um mercado que ele diz ter ajudado a moldar. “Eu tinha esse sonho [de viver de rap] desde novo, mas não era um sonho muito viável. Eu fui tão insistente, tão teimoso, tão persistente que a gente foi criando esse mercado, foi tornando uma realidade”, fala o rapper.

Ret, cujo nome de batismo é Filipe Cavaleiro de Macedo da Silva Faria, cresceu entre a zona sul e o centro do Rio, sendo influenciado pela cena de hip hop da Lapa, onde se formaram alguns dos mais importantes rappers cariocas. Já adolescente, começou a participar das batalhas de rap da cidade, como a lendária Batalha do Real. “Eu perdi a maioria”, ri o rapper. “Mas era muito legal, um aprendizado muito interessante. Foi ali que eu comecei a sonhar.” Ret também cita o lançamento do filme 8 Mile (2002), que conta a história de Eminem, como uma influência em sua decisão de viver do rap.

Mas o caminho foi longo. Ret começou a participar de batalhas em 2002, mas o lançamento de seu primeiro disco aconteceu só uma década depois, em 2012. Vivaz contou com o sucesso da faixa “Neurótico de Guerra”, cujo videoclipe esteve em alta rotação em canais como a MTV e o Multishow. O som era um boom bap clássico, e suas rimas refletiam sobre o cotidiano trazendo referências da poesia e filosofia. 

“Sou um apaixonado, entusiasta da rima e da psicologia do jogo. De tudo que envolve o universo rap, o universo da música urbana”, fala Ret. Esse gosto pelo game começou a se mostrar também em outras frentes: ainda no começo da década passada, ele criou a gravadora Tudubom Records, em parceria com o rapper Daniel Shadow e o produtor Mãolee. 

Também pela Tudubom, Ret lançou “Revel” em 2015 e viu seu alcance crescer exponencialmente. Mas o sucesso mesmo chegou com “Audaz”, em 2018, quando o mercado já estava mais aquecido para o rap nacional: nos anos anteriores, artistas como BK‘, Djonga e Baco Exu do Blues haviam despontado na cena com seus discos de estreia. Ret nunca perdeu essa competição de vista. 

Confira os samples brasileiros presentes no novo álbum do BK’, DLRE

“Acho que todos os grandes jogadores desse mercado querem se destacar. Eles se propõem a ser os melhores também. Sempre foi assim, desde lá das batalhas. Lá de trás, do início da origem do hip hop. Sempre foi uma crew tentando derrubar a outra”, fala o rapper. “Meu perfil é de competição.”

Ret destaca que se vê como um “atleta da noite” e que tem tentado fazer escolhas mais saudáveis para si: conta que parou de fumar há alguns meses, que está comendo e dormindo melhor e, durante a entrevista, pedala numa bicicleta ergométrica. “Isso é minha vida inteira, e vou continuar me dedicando. Eu ainda estou no início. Eu não quero ter 15, 20 anos de carreira, eu quero ter 70 anos de carreira.”

Para o rapper, a dificuldade de se destacar no mercado de rap anda cada vez maior. E se no começo da carreira seus “rivais” eram da sua geração, hoje eles são rappers mais jovens, que cavaram seus espaços com um tipo de som diferente daquele que ele fazia no começo da carreira. Artistas como L7nnon, Orochi e Xamã. 

“Temos uma cena muito consolidada hoje. A gente se admira muito, mas a gente sempre quer estar se superando”, fala Ret. “Nosso mercado anda bem saturado, e é preciso quebrar mais a cabeça para se destacar.”

Com isso em mente, o disco seguinte do rapper, “Lume” (2022), foi seu álbum com mais apelo comercial até o momento. Em quase todas as 11 faixas, Ret seguiu uma fórmula precisa: um beat dançante, um verso curso, um refrão chiclete e um feat de peso. “Eu coloquei a Anitta, coloquei o MC Poze [do Rodo]. Eu sabia que ia funcionar. Teve até uma faixa que concorreu ao Grammy Latino”, diz o artista. 

Logo após o lançamento de “Lume”, já existia a ideia de lançar um disco que fosse uma sequência a ele. Mas Ret foi descobrindo com o processo de criação que essa sequência seria, na verdade, um álbum que iria completamente em outra direção. 

“Nume” é como se “Lume” trocasse seus aspectos mais luxuosos por momentos intimistas. Em quase todas as músicas, Ret rima sozinho sobre sua trajetória. Duas delas tem participações de membros de sua família, sua mãe e seu filho. Para acompanhar, o rapper se despiu das batidas trap e do autotune: “Nume” é mais focado no boom bap, principalmente em suas duas primeiras faixas, “NVMX” e “Da Onde Eu Venho”, que foram os maiores hits do álbum. 

“Eu tive uma ideia muito clara de que queria contar um pouco da minha história”, fala Ret. “Eu queria ter muito orgulho de cantar essas músicas, e de gerar essa comunicação com a galera do rap. É um disco solar, e tem muitas mensagens interessantes ali dentro.”

Ret destaca como é importante para ele entregar “substância” aos fãs de seu trabalho. “O rap é pra você ficar ouvindo e aquilo transformar sua vida durante o dia. É uma coisa que [o ritmo] tem: as músicas mudam a vida das pessoas.”

A preocupação com a carreira, porém, vai para além da música em si: em Nume, Ret atuou como diretor de arte, e ele segue destacando o quanto a parte corporativa também é importante para o ofício de artista. 

O rap carioca, aliás, chegou tão longe justamente porque os artistas formaram um ecossistema econômico independente. Nem sempre abraçados por grandes gravadoras, eles criaram seus próprios labels de sucesso – como a Pineapple Storm, responsável pelos “Poesia Acústica”, a Medellín Records de Felp 22 e a Mainstreet Records de Orochi.

Ret saiu da Tudubom, que continua ativa, em 2018, mas em 2022 fundou novamente uma gravadora independente: a Nadamal Records. Com o casting formado por MC Maneirinho, Caio Luccas, o produtor Dallass e nove outros artistas, a label conta com sonoridades que vão do trap ao R&B, mas sempre com o rap como pano de fundo. “O fundamento sempre está no rap, em consumir coisas mais clássicas. Porque essas timbragens são as mais duradouras”, fala. 

Durante toda a entrevista, o artista alterna entre falar de si na primeira pessoa na terceira, quando se refere a “o Ret”. Pergunto se, de alguma forma, ele separa sua persona artística da pessoal. “Eu acho que o Ret é um espírito anárquico que eu preciso saber explorar”, fala, “Existe uma energia artística e uma energia de executivo. Não existe uma linha reta, é absolutamente intuitivo. Então eu fico dosando, um pouquinho de cada um.”

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03/07/2025

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