“Clássica para o pop e um pouco pop demais para o clássico”: é assim que Flor Gil define sua estreia na música. Aos 16 anos, ela lançou o álbum Cinema Love (2025). São nove faixas, quase todas cantadas em inglês, e participações de Vitão, Carol Biazin e Maro.
O disco foi produzido por Barbara Ohana, tia de Flor. Mas essa não foi a primeira vez que trabalharam juntas. Antes, compuseram “Que Som Foi Esse” para a trilha sonora de Turma da Mônica – Lições (2021), de Daniel Rezende. Para o filme, Flor cantou a música ao lado de Duda Beat.
Cinema Love (2025) é o primeiro álbum de Flor. Mas sua trajetória com a música, naturalmente, vem de berço. Neta de Gilberto Gil, Flor começou a se apresentar em 2018, como backing vocal do avô. Gil, inclusive, ajudou a compor a faixa “Saudade” do álbum, que ela canta ao lado de Vitão.
“Decidi ser artista me apresentando ao lado do meu avô. Em seis anos, passei por oito turnês com ele. Já dentro desse lugar de artista, foi quando notei que queria fazer isso para sempre”, conta ela.
Flor cresceu entre os palcos e duas grandes metrópoles: Nova York e Rio de Janeiro. Essa dualidade também se reflete na produção. Hoje, morando em Nova York, ela estuda no Special Music School, escola especializada em música.
No dia 17 de junho, Flor apresentou o repertório no City Winery, casa de shows em Nova York. Tocou ao lado do primo, Bento. “Ele veio assistir o jogo do Flamengo e já aproveitamos para fazer um show do disco”, conta.
Com Cinema Love (2025), Flor Gil tem potencial de se tornar um grande nome na cena indie pop brasileira. Em entrevista à Noize, a artista fala sobre o novo álbum, referências musicais, a decisão de cantar em inglês e conselhos do avô.
Sabemos que a música está no seu DNA, mas o que fez você decidir oficialmente iniciar sua própria carreira musical agora?
Foi uma questão de tempo. Eu sempre quis, sempre foi um sonho. Entre minha expectativa e minha realidade, foi só uma questão de tempo, idade e oportunidades. Aconteceu naturalmente. Ano passado, fiz a última turnê com o meu avô. Ali, decidi que iria começar a minha própria carreira. A decisão de vir estudar música em Nova York também contribuiu bastante para isso.
Quais foram as inspirações por trás da capa?
Quis mostrar algo retrô, misturar o clássico com o moderno, e trazer um imaginário que eu não conseguia só com a música. Dá para sentir isso pelas faixas, mas a capa do disco foi muito importante para trazer essa ideia.
O fato de ser um desenho já muda a imagem do disco: tem o vermelho, que é meio cinema, em um tom mais escuro. O pelo do tigre estampado com as flores traz um toque mais delicado para o animal, que é um símbolo forte. Ali, no desenho, eu considero que é a minha própria pessoa, mas também é uma Flor diferente. Não sei exatamente que Flor é essa, mas sou eu, só que em outro tempo. Deu para trazer essa imagem com a capa.
Quais são suas referências artísticas?
Como foi meu primeiro álbum, acho que coloquei quase tudo que eu tenho de referência, que fui coletando durante a vida, principalmente dos últimos 3 anos. Sempre escutei as músicas do meu avô e do entorno — MPB, Bossa Nova — também a nova MPB. E aí, com meus amigos escutava um outro tipo de música. No Brasil, um tipo de música. Em Nova York, outro completamente diferente.
Cresci em Nova York até os 7 anos. Não tenho muitas lembranças da cidade em si, eu me formei como pessoa no Brasil. Só que, aqui, eu sempre tive aquelas memórias de infância, indo para a escola com meu pai de bicicleta, indo no parque, na feira com a minha mãe e sempre tocando música, e música que estava bombando na época. Então, eu tenho lembranças das músicas aqui.
Na minha vida, eu seguro dois estilos de música — uma música do meu lado aqui e outra no meu lado do Brasil —, só que os dois estão juntos, porque sou eu mesma, e eu levo eles para onde for. Para o disco, eu tive muita referência do R&B, tanto o daqui quanto o brasileiro, como OsGarotin, que é um R&B, com pegada de blues e indie pop. Também ouvi muito indie pop.
Eu sou muito fã da Carol Biazin, ela está no disco. Sonoramente, o trabalho não tem muito a ver com o trabalho dela, mas de referência, sim. Sonoramente, eu não me basei em referências diretas, mas muita coisa me influenciou no processo.
Por que você escolheu cantar em inglês?
Durante o processo de composição, as músicas saíram em inglês, não foi uma escolha proposital. Quando percebi que mais da metade do disco era em inglês, eu tive que segurar essa barra. Não foi uma escolha compor elas em inglês, mas foi uma escolha lançar elas em inglês. Lançá-las do jeito que foram feitas.
Poderia ter deixado isso de lado, me esforçado mais para fazer algo que não estava saindo de forma tão natural para poder agradar o óbvio — que os outros e eu mesma tenho de mim mesma. Estou morando em Nova York, então, foi algo natural. Eu acho muito legal que o primeiro álbum foi assim. Daqui uns anos, eu posso olhar para trás e falar: “olha que maneiro o que eu fiz. O meu primeiro disco foi assim, diferente”.
Porque eu não me vejo cantando em inglês para sempre. É uma coisa minha, que pouca gente sabe. Não necessariamente a vida americana, mas o inglês é algo muito presente na minha vida. Eu estudei em escola americana no Brasil, me mudei para o Brasil depois de 7 anos morando aqui, então tive a alfabetização, e não é todo mundo que sabe disso. Lançar o álbum desse jeito faz sentido para mim.
Como foi o processo de feitura do álbum, das composições ao estúdio? Como costuma ser seu processo criativo?
Começo a criar em casa, as letras e as melodias, com base em algo que aconteceu, nos meus sentimentos, no que eu imagino, no que realmente acontece ou no que eu só sinto. Começa muito de dentro para fora. A Barbara, minha tia e produtora do disco, compôs junto comigo.
Quando decidi fazer o álbum, fui atrás dela. Minhas primeiras letras e tentativas de composição foram ao lado dela. Foi algo muito natural, eu divido muita coisa da minha vida com ela, então foi mais fácil ter alguém do meu lado com mais conhecimento me ajudando no processo. Foi muito legal levar a criação do sofá e da cama para o estúdio.
Como você se vê na cena pop atual?
Ótima pergunta [risos].
Eu me acho muito clássica para o pop e pop demais para o clássico. Carrego muito respeito prlo lugar de onde vim. As expectativas são muito altas, pelo meu avô e todo o resto da minha família, que também é artista. Então, levo isso comigo desde sempre, e desde que eu comecei a trabalhar com música. É algo natural, não foi algo que eu coloquei na minha cabeça: “Ah porque eu sou neta do Gilberto Gil, então não posso…” Foi algo natural. Minhas expectativas são altas e ponto.
Acho que eu consigo fazer os dois. No disco, eu mostrei um lado mais livre, sem muitas expectativas de mim mesma, e foi legal ir por esse caminho. Se eu começasse me cobrando muito, não teria dado muito certo comigo mesma. No olhar pop, eu me sinto menos pop, mas pode ser também.
O álbum tem feats com Carol Biazin, Maro e Vitão. Por que você escolheu esses nomes para sua estreia?
Quando a gente fala em Vitão e Carol Biazin já se pensa no pop, já encaixado nisso, já a Maro, ela traz algo menos pop, de um lado meu que eu ainda não distingui tão bem, mas que está ali desde sempre, eu acho que ainda vai chegar coisas mais para frente nesse lugar. O Vitão está no disco porque a gente compôs a música juntos.
Quando comecei a fazer o disco, foi quando a gente se conheceu e eu queria muito que ele estivesse no álbum para captar e memorizar a nossa amizade, para sempre, no meu primeiro disco. Eu comecei o disco e a gente se aproximou, fazendo músicas juntos, a gente tem um laço muito forte com a música e eu queria memorizar isso, com a música que escrevemos.
Eu sou muito fã da Carol, já faz um tempo, e conheci ela na mesma época que conheci o Vitão. Eu queria ter ela no disco, como uma conquista, ver que eu consegui algo que eu queria muito, ter essa satisfação. A Maro, eu acho a voz dela muito linda, a energia muito bonita, as nossas vozes juntas encaixam de uma forma muito bonita. E a música que escrevemos juntas é muito importante para mim. Essa seleção de pessoas é muito importante para mim.
Seu avô, Gilberto Gil, é uma figura gigantesca da música brasileira. Para sua carreira musical, ele te deu algum conselho que te marcou?
Só de estar e trabalhar do lado do meu avô já é muito. Ele sempre me deu conselhos sobre música e da parte técnica, que me ajudou com o disco, mas também com tudo na vida. Não foi algo direto sobre o disco ou sobre a carreira, porque eu comecei ao lado dele há um tempo. A presença dele sempre foi um conselho.
Como você enxerga sua trajetória musical daqui pra frente, o que podemos esperar? Algum plano para turnê, clipes, novos singles?
Quero fazer mais shows aqui e em todo canto do Brasil. Quando der para fazer uma turnê vai ser ótimo, é um pouco difícil saber quando por causa de logística de agenda mesmo, mas é um sonho, é um plano, estou só esperando a hora certa chegar. Com certeza, vou lançar mais músicas, mais EP’s e singles, vem logo aí.
O processo todo do disco foi muito bonito, fico muito feliz que ele capturou muitas coisas na minha vida, ele capturou minha relação com a Bárbara, que é muito forte, a gente levou nossa relação para outro nível trabalhando juntas. Juntamos nossas paixões e deu muito certo. Até moramos juntas por um tempo, agora longe não vejo ela tanto, mas poder capturar isso no disco é muito bom, porque mesmo longe eu sei que está aí.
Todas as pessoas que participaram do disco, os músicos, os outros produtores, minha família, meus pais, meus amigos. Esse disco demorou para sair, mais ou menos 2 anos, eu lembro que as duas primeiras músicas que eu tinha, eu mostrava para os meus amigos e falava: “Olha vai sair o disco, em maio de 2023” e não saiu. Depois, vai sair em dezembro, janeiro e não saía, mas depois finalmente saiu e foi muito gostoso.
Muita gente me questionou porque ele é em inglês, tipo sempre, todos os dias [risos]. Mas, eu gosto, é algo que as pessoas não sabiam sobre isso. Eu acho que quebrar essa expectativa logo de primeira, foi a melhor coisa que eu pude escolher. Porque depois eu posso fazer qualquer coisa depois disso.