Ao longo de mais de uma década de carreira, MC Hariel transformou o funk em plataforma para narrar conquistas, dores e vitórias. Em Funk Superação, lançado em 2024, o artista elevou o gênero ao unir batidas periféricas com arranjos de orquestra e participações de nomes como Gilberto Gil, Péricles e IZA. Um ano depois, Hariel reflete sobre a importância de seus discos de cabeceira – aqueles que o formaram como ouvinte e que ajudaram a pavimentar o caminho até o projeto que se tornou um marco em sua trajetória.
“Eu acho que a referência do Funk Superação veio de tudo que eu ouvi a vida toda”, resume. “O funk não deve nada a nenhum gênero, e a ideia era justamente juntar tudo isso que a gente sempre curtiu e mostrar que o funk também podia caminhar junto dessa tradição musical.”
O impacto de Gilberto Gil
Entre os álbuns que mais dialogaram com o projeto, Hariel destaca Dia Dorim Noite Neon (1985), de Gilberto Gil. O disco foi diretamente responsável por inspirar “A Dança”, faixa que abre Funk Superação. “Se você der play nesse disco, logo na primeira música vai ter uma surpresa. É uma referência que me marcou muito e que ajudou a nortear o que eu queria passar”, comenta.
A parceria com Gil acabou transcendendo a inspiração. Além de gravarem juntos, Hariel participou de um show do baiano em São Paulo – experiência que ele descreve como “um privilégio de aluno que virou amigo”. “Continuo sendo fã, mas hoje posso pedir uma opinião, tirar uma dúvida, trocar ideia. É uma bênção contar com um professor desse nível”, diz.
E quais são as favoritas do repertório de Gil? Hariel cita sem titubear: “Gosto muito de Drão. Tem uma outra que acho que é Paradoxo. E a terceira… pode ser todas”, brinca.
Jorge Ben, discos do pai e memória afetiva
Outro nome essencial em sua discoteca básica é Jorge Ben, presente em sua coleção de vinis. “Tenho várias coletâneas do Jorge, que sempre me inspiraram”, conta. A ligação afetiva com o formato físico é antiga – e atravessa gerações. Seu pai integrou a banda Raíces de América, voltada para música latino-americana, e deixou discos gravados.
“Tenho esses LPs guardados, mostro com muito carinho para o meu filho. Ele ainda é pequeno, não entende, mas falo: ‘Isso aqui é o seu avô’. É aquela sensação de olhar para o passado como se tivesse um pedacinho dele na mão. Acho que o vinil tem muito disso: transforma a música em memória, em objeto de afeto”, afirma.
A mãe também reforçou essa base musical. Cantora amadora, transformava reuniões de família em saraus. “Música sempre esteve presente desde o primeiro momento da minha vida”, lembra Hariel.
LP x streaming: duas experiências distintas
O lançamento de Funk Superação em vinil marcou esse diálogo entre gerações. Hariel defende que a experiência é distinta do streaming. “A qualidade do som no LP é bem melhor. Nem todo mundo liga para isso hoje, porque a praticidade do streaming facilita, mas o vinil é diferente: é poder tocar, sentir que faz parte daquela história”, explica.
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Para ele, há também um simbolismo em lançar um álbum que nasceu no digital e depois ganha vida no vinil. “É fazer o caminho inverso: de um disco de streaming que se transforma em LP. Isso eterniza a caminhada e permite que seja guardada e passada de geração em geração”, diz.

Legado
Se no início de sua trajetória Hariel sonhava apenas em “ter uma caixa d’água em casa” e cantar para ser ouvido, hoje ele se permite almejar um Grammy. Enquanto aprende a “sonhar grande”, continua alimentando a árvore que plantou com Funk Superação.
Um ano após o lançamento, o álbum segue rendendo frutos e ampliando conexões. Para Hariel, parte desse legado se deve justamente aos discos que o formaram: de Jorge Ben e Gilberto Gil aos registros da banda de seu pai.