Matéria publicada originalmente na revista NOIZE #118, em 2022, acompanhando o LP de “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água”.
Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água é um disco que pode ser escutado, assistido e, por que não, lido? Por mais que o álbum musical e visual não tenham se desdobrado em formato de livro, ele não deixa de ser literário. A presença de escritoras como Conceição Evaristo, Cidinha da Silva e Tatiana Nascimento e a ligação de Luedji Luna com a poesia literalizam a conexão; entretanto, a narrativa do disco mobiliza uma série de referências bibliográficas que merecem destaque.
Um Mar Pra Cada Um, novo álbum de Luedji, é a edição do mês no NOIZE Record Club. Aproveite!
Da poesia à teoria, do feminismo negro ao quilombismo, da experiência da diáspora africana pelo mundo ao caso brasileiro, sugerimos uma curadoria de dez livros que dialogam com a obra de Luedji Luna e mantêm as reflexões cantadas por ela em fluxo contínuo.
E eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo (1981)
bell hooks
A intelectual estadunidense bell hooks (assim mesmo, com as letras iniciais em minúsculo) faz do emblemático título do discurso de Sojourner Truth o gancho para tecer uma análise aguda sobre o impacto do sexismo nas mulheres negras, a partir de uma linha do tempo que vai desde a denúncia das violentas táticas de subjugamento no período da escravização nos Estados Unidos até os movimentos de Direitos Civis nos anos 70.
Tudo Sobre Amor: Novas Perspectivas (2000)
bell hooks
É a obra que inaugura a Trilogia do Amor, série que reúne as produções teóricas da intelectual estadunidense bell hooks sobre o assunto e que se completa com os títulos Salvation: Black People and Love (2001) e Communion: The Female Search for Love (2002), ambos ainda sem tradução no Brasil. Neste trabalho, que recebeu sua primeira edição brasileira 21 anos após sua estreia, ela se debruça à construção de uma definição menos pulverizada do amor, o defende enquanto uma categoria política que merece ocupar a centralidade em nossas vidas, e apresenta a construção de uma ética amorosa enquanto uma base para uma sociedade igualitária. Um ótimo jeito de começar a ler bell hooks.
Todas (as) distâncias: poemas, aforismos e ensaios de Beatriz Nascimento (2015)
Organização: Alex Ratts & Bethânia Gomes
Nesta obra, Bethânia, filha de Nascimento, e Alex, pesquisador e admirador do trabalho da intelectual sergipana, se unem em prol da divulgação e preservação de seu legado literário, intimamente conectado ao texto poético. O livro, inclusive, foi lançado 20 anos após a morte de Beatriz, vítima de assassinato. A figura, as ideias e a poesia de Beatriz Nascimento figuram entre as principais inspirações de Luedji Luna na vida e em seu segundo disco. Na página 14, o livro traz “A noite não adormece nos olhos das mulheres”, poema de Conceição Evaristo escrito em homenagem à Beatriz e também presente no disco de Luedji.
Mulheres, Raça e Classe (1981)
Angela Davis
A biografia de Angela Davis, que integrou o lendário partido estadunidense Panteras Negras em seu auge, prova que ela é revolução na teoria e na prática. Mulheres, Raça e Classe foi o primeiro de seus livros ser traduzido e publicado no Brasil, e apresenta em uma abordagem crítica, didática e histórica o entrelaçamento entre as categorias políticas citadas em seu título, e a necessidade em se pensar o lugar social de qualquer pessoa a partir da angulação da intersecção entre elas. Não entende o sentido da frase “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”, da própria Davis? Então, é hora de abrir exatamente este livro.
Poemas da Recordação e outros movimentos (2008)
Conceição Evaristo
A produção literária de Conceição Evaristo passa pelo romance, pelos contos e pela poesia. Já que Luedji Luna trouxe justamente um poema para a participação de Evaristo em seu disco, decidimos destacar a obra em que a autora se dedica a esse gênero. No livro, ela desdobra em poemas em verso e em prosa o diálogo com as temáticas da dor, desejo, pobreza, amor, fome, paixão, com seu estilo emocionante e corajoso. O já referido “A noite não adormece nos olhos das mulheres” também consta neste título.
Memórias da plantação: Episódio de racismo cotidiano (2008)
Grada Kilomba
A obra, fruto da dissertação de doutorado da artista interdisciplinar portuguesa, aborda relatos de racismo através de pequenas histórias psicanalíticas, mas desativando o dispositivo de normalização da manutenção das experiências racistas na sociedade. Teoria pós-colonial, estudos de branquitude, estudos de gênero, psicanálise, feminismo negro e temas como suicídio, segregação, políticas do cabelo e políticas espaciais são algum dos tópicos.
07 notas sobre o apocalipse ou poemas para o fim do mundo (2019)
Tatiana Nascimento
A autora brasiliense teve seus versos cantados por Luedji na faixa “Iodo + Now Frágil”, de Um Corpo No Mundo (2017), e dá voz ao seu poema “Quase”, unido à faixa “Lençóis”, de Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água. Investigando sua multiplicidade ao investigar a própria língua portuguesa em suas produções, nossa indicação é ideal para os tempos atuais: de leitura rápida, para caber na sua rotina corrida, e conteúdo afiado, para abalar aquilo que faz você continuar cabendo em sua rotina corrida. A poesia cirúrgica da Nascimento é irresistível.
Por um feminismo afro-latino-americano (2020)
Lélia Gonzalez; Organização: Flávia Rios e Márcia Lima
Em sua passagem por São Paulo em evento realizado em 2019, Angela Davis afirmou: “Eu acho que aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês poderiam aprender comigo”. E, mesmo que essa declaração nunca tivesse ocorrido, a importância do contato com a obra dessa mineira seguiria sendo de capital importância para o entendimento do contexto latino-americano a partir da perspectiva intelectual de mulheres negras. O título trazido aqui não só resume um dos vieses mais sagazes da autora, como serve de amostra da pluralidade e potência de seus ensaios.
O Quilombismo (1980)
Abdias do Nascimento
Também conhecido pelo título O Quilombismo: Documentos de uma Militância Pan-africanista em edições mais recentes, o livro expressa o vanguardismo ancestral de Abdias em transformar a ideia de quilombo em um programa de ação para a superação do racismo institucionalizado no Brasil. Suas páginas pulsam transformação, inauguram novos horizontes e servem de referência até os dias de hoje.
Intelectuais Negras: Prosa Negro-brasileira Contemporânea (2018)
Mirian Cristina dos Santos
Um livro de uma autora falando sobre muitas outras. Santos faz desse título um objeto político e um espaço de debate sobre o papel das mulheres negras e suas produções intelectuais enquanto contributos na luta por mudanças, revoluções e metamorfoses na sociedade brasileira. As narrativas das mulheres negras contemporâneas servem de fio condutor, em um trabalho que zela pela memória e reconhecimento dessas intelectuais, além de projetar suas propostas de país. Um ótimo jeito de enegrecer e mulherizar suas referências.
