Lucas Grill exalta boemia carioca em novo disco, dialogando com Cazuza e Los Hermanos

04/11/2025

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Por: Revista NOIZE

Fotos: Divulgação/João Paulo Casalino

04/11/2025

Lançado em outubro, Lucas Grill estreia com Grill O Rei do Deprê Chic (2025). Produzido por Pedro Stelling, o álbum traduz a vida noturna carioca. Na mistura de MPB, samba-pop e nuances eletrônicas, Grill se apresenta como um cronista sentimental.

O conceito de Deprê Chic ganha vida como um personagem, ora herói, ora vilão. “A gente está contando uma história, de quem busca a intimidade, mas morre de medo de se entregar. Nesta dualidade entre esperança e melancolia, tristeza e festa e a beleza e o terror, está o Deprê Chic”, explica.

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Além das letras, os próprios arranjos reforçam a narrativa. É um disco para ouvir com fones de ouvido e imaginar uma noite estrelada, bares inferninhos e caminhadas noturnas pela cidade. No álbum, Lucas também divide os vocais com Bárbara Savie e Clara Coral.

Nas 10 faixas, Grill celebra a noite, o Rio de Janeiro e os romances caóticos embalados pelo mar e pelo asfalto. Antes de Grill O Rei do Deprê Chic, o cantor havia lançado o EP O Preço das Luas (2023), abrindo caminho para sua persona artística, que agora assume com plena confiança.

Grill O Rei do Deprê Chic faixa a faixa: 

“O Terror de Tudo”: tinha uma cena na cabeça, ou melhor, na memória, e também essa ideia de fazer o disco de uma forma que ele tivesse esse viés híbrido, passeando entre música e cinema. “O Terror de Tudo” traduz essa vontade, primeiramente com esta alusão ao modo de escrita de roteiro (locação/horário/lugar), situando onde acontece a história (as tais “noites neons”), ao passo que dá um gostinho da estética de trilha sonora noturna que servirá de plano de fundo para a história que será contada pelo disco, apresentando o seu narrador — O Rei do Deprê Chic — e o conceito de Deprê Chic.

“O Preço das Luas”: a primeira música de todo esse repertório. Compus, inicialmente, para ser tema de um longa-metragem quando cursava a faculdade de cinema. O filme nunca saiu, mas agora temos o disco [risos]. Discorro sobre este “Preço das Luas” por todo álbum: o preço de viver as madrugadas, das noites mal dormidas, dos amores à la Cazuza — exagerados loucos e caóticos — das caminhadas na praia escura e iluminadas por olhos de estrelas.

“Loser”: a citação de Oscar Wilde: “Estamos todos na sarjeta, mas alguns de nós ainda olham para as estrelas” deu origem a “Loser”. Acho que a graça dela é o contraste da lírica triste com a instrumentação alegre, que brinca, de novo, com o conceito Deprê Chic. Em algum momento percebi que ela conversa, quase que diretamente, com “O Vencedor” do Los Hermanos. O “Loser”, já aceitou a derrota, “vestiu a dor” e entendeu que se aceitar o perdedor, perder, às vezes, se faz necessário para se poder sonhar e vislumbrar um novo caminho, “o tolo” que fala de amor, assim como no tarot é aquele que indica o início de uma nova jornada, onde os sonhos dividem espaço com a beira do precipício.

“A Gnt N É Assim”: a primeira “quebra” no disco, tanto na sonoridade que passa por um indie 2000s “Strokeano” com uma ambientação mais onírica a la Cigarettes After Sex, quanto pela letra: ela veio de uma mensagem de WhatsApp, por isso o título mantém as abreviações. É aquele momento raivoso, no qual você tem vontade de falar para a pessoa os primeiros absurdos que vêm à cabeça, mas acaba engolindo as palavras, e depois percebe que aquilo tudo era só uma desculpa.

“Nesse Ritmo”: faz a passagem para o lado B do disco. Chegou no ponto de ruptura, mas onde ainda há esperança, pois ainda existe amor, o que fica evidenciado no título, que é propositalmente retirado do refrão de “Valsinha”.

“Estrago”: de todas as músicas do disco, acho que “Estrago” pode ser tomada como a “canção metonímia” do repertório — se tivesse de escolher uma faixa para dizer qual melhor representa o disco e o Deprê Chic, seria ela. Começando pelo diálogo entre as vozes que conta com a participação da artista Bárbara Savie, passando pelo arranjo que vai de guitarras e violões puxados para o folk, cresce com um bumbo marcado, e explode em uma pistinha 2010s, chegando na resolução da letra. “Estrago” é sobre amar alguém de um jeito que dói, ela tem tudo: escuridão, brilho, noite e festa, bem Deprê Chic!

“Moldura Quebrada”: sou suspeito para falar dessa, é a minha favorita! Quem nunca sentiu que estava em um relacionamento, uma paixão, um lance, que desde o dia um estava fadado ao fim? O arranjo cresce em uma levada de bolero prestando homenagem às baladas boêmias de Nelson Gonçalves, Roberto Carlos e os crooners românticos, tudo se resume a uma tentativa de responder esta pergunta que aflige o eu lírico, mas, que continua sem resposta ao final da música, deixando um sabor agridoce do que “poderia ter sido”. É uma daquelas canções de partir o coração, mas de cantar junto, na catarse que se cria, uma tristeza que limpa e gera esse reconhecimento coletivo.

“Poesia na Chuva”: escrevi pensando em uma citação de Nietzsche: “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música”. Nasceu enquanto eu caminhava em uma noite chuvosa. Esse processo meio caótico faz todo sentido levando em conta a produção final da música, toda desconjuntada, mas, no final, esse desconjunto forma um todo que dá liga, assim como o disco em si, que passeia por MPB, rock, bolero, indie, valsa, pop, dance, folk, mas que, de alguma forma, mantém sua coesão para contar a história do Rei do Deprê Chic.

“Valsinha”: é Hollywood, um sonho, o “tal” final feliz. A caixinha de música que abre a faixa, funciona quase como um “gatilho onírico” que indica o início e o fim do período sonhado: som de caixinha música, entra a guitarra, entra o dueto de Lucas e Grill e Clara Coral (aos moldes dos duetos de Chico Buarque e Nara Leão), um cabo de guerra entre desejo e convenção, que persiste pelo disco todo, mas agora está prestes a se resolver. Afinal, como termina o filme, ou a história de “Grill O Rei do Deprê Chic”? Escolhe o amor sem amarras, mesmo que fuja ao roteiro pré-concebido. A música cresce, começa a ópera-rock, sopros, o filme se encaminha para seu “grand finale”. Eles dançam a valsa e se beijam. A música diminui aos poucos. Fade out. The end. Final feliz? Corta para a próxima música.

“Não é Nostalgia”: Interna. Noite. Casa de show. Saí o som da caixinha de música, entra o zum zum zum da plateia. É anunciado no microfone: “essa não fala de coração partido, mas fala um pouquinho”. Pronto, está quebrada a quarta parede, não estamos mais no filme, é o mundo real. “Não é Nostalgia” é como o zeitgeist, de uma era hiperconectada, onde as relações e laços se distanciam apesar da ilusão de proximidade vivida no estado contemporâneo dos afetos.

É um lamento, de uma juventude que se tornou adulta só para descobrir que aquele tão sonhado mundo, não era tudo aquilo prometido, que o amor não era nem de perto como nos filmes e que “o pra sempre, sempre acaba”. Ela tem apenas três elementos: a voz, a guitarra e o público, que participa de forma ativa da faixa, representando, novamente, o coro desses jovens, descontentes, mas sonhadores, melancólicos, mas festeiros, meio deprês, meio chics, o Deprê Chic, não é uma experiência individual.

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04/11/2025

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