Ed Motta esmiúça clássico “Marku” (1983) faixa a faixa

24/10/2025

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Por: Revista NOIZE

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24/10/2025

Além de fã, Ed Motta foi um grande amigo de Marku Ribas. No início dos anos 2000, eles chegaram a se apresentar juntos em Belo Horizonte e São Paulo e, com o tempo, desenvolveram uma relação musical muito bonita. Em 2007, ele compilou as faixas de uma coletânea da obra de Marku chamada Zamba Ben e, nesse disco, está presente a primeira reedição da faixa “Brazil com Z”. Brindando a amizade dos dois, convidamos Ed Motta para ouvir novamente o disco Marku (1983) e comentar cada uma das faixas. 

*

Lado A 

1. Limbo do Rei

A primeira faixa já mostra a direção que o Marku estava apontando desde o disco Barrankeiro (1978), mas aqui está ainda mais forte. Tem um elemento espiritual na música dele e eu sempre penso que o famoso Jon Lucien deve ter escutado muito Marku, ou é a sincronicidade mundial que faz os dois terem uma ligação. Esse disco também tem uma coisa importante que é o fato de ter músicos de estúdio muito significativos. Jota Moraes, Ary Piazzarolo, Marcelo Bernardes, que tocou muitos anos com o Chico Buarque, e eu acho que esse Sax Alto daqui é o Victor Assis Brasil, [o sobrenome do músico não consta no encarte] porque o Jota Moraes tocava na banda dele nessa época. Em “Limbo do Rei”, eu sinto um lance meio “spiritual jazz encontra Pirapora”. 

2. Girassóis

Mais uma que me lembra as melhores faixas do disco Barrankeiro. É ele usando essa coisa que os mineiros têm com muita facilidade, que é a história de saber manejar bem com as harmonias. O Marku tinha uma facilidade com isso absurda. Essa faixa tem o Romero Lubambo, antes de ir morar nos Estados Unidos, o João Donato e o grande Wilson Meirelles, baterista do Marcos Resende e Index.

3. Fôlôzinha

“Fôlôzinha” é com a grande Zezé Motta. A Zezé é muito lembrada como uma grande atriz, mas ela é uma cantora magnífica, uma das grandes intérpretes brasileiras. Ela tem um timbre de voz contralto que combina muito com o do Marku.

4. Urubu É Meu Lôro 

Quando fiz a compilação do Marku, eu fiquei na dúvida entre essa e “Brazil com Z”. Essa onomatopeia imitando o som de guitarra com a voz é maravilhosa. Ele tem isso, essa coisa de usar a voz como um instrumento o tempo todo. E fez isso de forma muito pioneira. Depois do Johnny Alf, ele foi o primeiro cara a utilizar isso. 

5. Karijó (Tema de Macunaíma)

Tem uma certa coisa do free jazz aqui, do som, mais uma vez, do spiritual jazz, isso estava conectado. Eu conversei muito com o Marku, a gente ficou muito amigo, e vi que o Marku estava fazendo isso por ele, ele não tinha uma referência de estar ouvindo esse tipo de coisa. Claro, ele gostava de Coltrane, Wayne Shorter e tal, mas essa música aqui, por exemplo, tem essa coisa quase Sun Ra. É meio Sun Ra o uso da percussão. E tem o baixo fazendo a melodia, o baixo tá bem presente. Essa faixa aqui tem uma trívia interessante, o baixo com arco e solo é do Ronaldo Diamante, que é o baixista do primeiro disco da Marisa Monte. Isso é um pop trivia

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Lado B

1. Paranóia Cromada

Em “Paranóia Cromada” o Marku coloca o timbre de voz dele, que é único. O que o Marku canta em uma palavra, ele imprime uma coisa, crava na pedra cada palavra, cada nota. E esse disco tem esse namoro com esse som avant-garde de percussão. As aberturas das músicas com liberdade, elas têm essa coisa contemplativa da percussão e com aberturas com muito espaço musical, o que é muito usado nessa estética do spiritual jazz.

2. Brazil com Z 

Foi a faixa que eu usei na coletânea. Eu sempre adorei esse tema porque o Marku tá cantando ele sem letra, usando a voz não só como instrumento, mas imitando o inglês. E, depois, ele me contou que, na verdade, isso era uma crítica ao rádio brasileiro da época, que tocava muito mais música internacional do que nacional. Ele estava criticando isso, apesar da música dele ser internacionalista e ter elementos da música latina, africana, caribenha, brasileira, norte-americana, eu acho que tem um lance internacional, eu sempre sinto isso na música dele. Eu não sinto a música dele como uma representação só de Pirapora, eu acho que é Pirapora olhando pro mundo. Quando eu escuto a música do Marku Ribas, eu não vejo um passarinho voando numa árvore, não. Eu vejo esse passarinho voando a caminho da cidade grande, de outras conquistas. O Romero Lubambo tá mais uma vez aqui, o Donato, que tá tocando em várias faixas, e o Teo Lima, baterista que trabalha com o Ivan Lins há muitos anos.

3. Favela Blues

“Favela Blues” é demais. A cuíca, a ideia da percussão junto com o slide, é coisa de uma mente inteligente como a do Marku. 

4. Nobre Gente

“Nobre Gente” é a leitura dele da música caipira, da música regional. E ele usa isso, não só a música caipira, mas a canção tradicional mesmo. Ele tem muita influência da música pré-bossa, da música brasileira do Miltinho, do Johnny Alf, da música afro-brasileira, do Caymmi, de tudo isso.

5. Reflexos

“Reflexos”, o tema que fecha brilhantemente o disco, com participação do Barrozinho no trompete pra coroar a ideia desses caras que estavam muito à frente e pagaram um preço por isso. Sempre se paga um preço por estar à frente.

* Esta matéria foi publicada originalmente na edição #103 da Revista Noize

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