Mateo, da Francisco El Hombre, faz relato corajoso sobre adicção e saúde mental em “Neurodivergente”

15/07/2025

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Por: Erick Bonder

Fotos: Divulgação/ Julia Matanura

15/07/2025

O cantor, compositor, multi-instrumentista e produtor Mateo, integrante da Francisco El Hombre e do duo Baby, estreou, neste julho (7/7), em carreira solo com o álbum Neurodivergente, um relato musical honesto e corajoso sobre adicção química e saúde mental.

“Demorou um tempo até eu assumir publicamente. A minha ideia não era um lançamento muito grandioso. Eu tinha medo —medo de responsabilidades que não eram minhas, medo de ser julgado”, relembra o artista.

Apesar do caráter subjetivo das canções, o álbum mostra o ponto de vista de quem vive com questões de dependência química e saúde mental no Brasil, onde  processo de recuperação e os tratamentos de saúde mental ainda são pouco esclarecidos. Ainda assim, existem, segundo a Fiocruz, 3,5 milhões de dependentes químicos no país — fora os 11 milhões que convivem com a dependência alcoólica—. Estima-se também que 15% da população convive com algum tipo de neurodivergência.

Por isso, a coragem de Mateo em registrar o que estava vivendo: “Eu tomava decisões que não controlava mais e estava muito próximo da desistência, então pensei: ‘Cara, preciso registrar algumas coisas, como se fosse uma carta de despedida, mas em música’”. 

Cada faixa traz versos viscerais que tratam  acontecimentos e sensações vividas pelo artista no convívio com  dependência química, internações e demais desafios enfrentados por ele. 

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Referências sonoras

Já a produção musical mescla beats com elementos orgânicos, como violões e sopros. A influência latino-americana e ibérica aparece com o reggaeton e o flamenco, em um disco que usa recursos como efeitos vocais e samples de sons originalmente não-musicais para somar à narrativa cantada nas letras. Luê, companheira do compositor, é a única participação do trabalho e canta na faixa “Una Vez Más”.

“Entendi que era a melhor circunstância da minha vida para começar uma carreira solo e construir sonoramente essa identidade. Se, socialmente eu teria que reconstruir do zero algo que eu comecei quando adolescente, pelo menos musicalmente, eu não tinha que destruir algo para recomeçar. Eu podia começar do zero ali”, declarou Mateo.

O artista preparou um faixa a faixa exclusivo para a NOIZE contando mais detalhes sobre cada canção. Confira abaixo.

Mateo por Julia Mataruna 01

“Ato Final”: É uma despedida da vida. É uma carta de suicídio, bem direta. O que mais me doía era ouvir: “Como você tá?” e responder: “Tô bem”, sabendo que era mentira. A música é isso: um adeus. É dizer: “Desculpa, sei que vai doer. Sei que meus pais, minha companheira, meu irmão, minha banda e meus amigos vão sofrer. Mas não dá mais. E foi mal”. É uma carta. Está ali, declarada.

“É o que é”: Fiz um grande amigo na minha primeira internação. Os primeiros dias lá foram muito difíceis, especialmente por conta da abstinência do álcool, que é pesada. Mas ele tornou tudo mais leve. Viramos grandes amigos. Com 30 dias de internação, quem quisesse podia sair por um dia e voltar. Ele ia sair para pegar o RG com um agiota, pagar a dívida e voltar. Nunca voltou. Entrei em surto. Comecei a me automutilar. Foi um susto muito grande, mas também um ponto de virada: entender que eu precisava me cuidar. Ele tinha o caminho dele, e eu precisava encontrar o meu.

“Una Vez Más”: Tive uma overdose em Madrid, e esse foi um dos momentos mais difíceis para o meu irmão, Sebastian, que sempre me apoiou em tudo. A Francisco, El Hombre começou porque ele sabia que eu estava à beira do suicídio e me dizia: “Vamos tocar amanhã”. Ele sempre esteve ao meu lado, mas essa overdose o quebrou. Essa música nasceu logo depois disso. Eu queria que ele cantasse, mas não tive coragem de pedir. Aí entrou a Luê, que mora comigo. Ela também passou por tudo. Fiz muita gente se preocupar. 

“Apenas mais um triste”: Essa música nasce daquele sentimento profundo de depressão, quando você percebe: “Cara, eu não sou o único. Tem um monte de gente assim”. Ela é a mais dolorosa do disco porque trata da banalização da tristeza. O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença. E a indiferença diante da própria dor é uma das coisas mais duras que se pode sentir. Acho que todo mundo que passa por uma depressão acaba se vendo nesse lugar em algum momento: “Não vai dar em nada. Sou só mais um”.

04. APENAS MAIS UM TRISTE


“La Insanidad”: Essa música nasceu a partir dos relatos de amigos que viveram ou convivem diretamente com a realidade da Cracolândia. Um deles tinha uma barraca ali, e eu cheguei a circular pelos arredores para conseguir droga, mas nunca entrei de fato. O que mais me impactava era como os valores se invertem naquele contexto. Uma blusa de frio pode valer mais do que um celular, porque ali o valor das coisas está ligado à necessidade imediata de sobrevivência. Esse universo de valores alternativos, que muitos não compreendem como humano, me fez pensar. Sempre que se fala da Cracolândia, parece que as pessoas que estão ali não são vistas como gente, mas como dejetos da sociedade.

“Já Não Sei Porquê”: Escrevi a música inteira, mas decidi usar só o refrão. Quis deixá-la com um tom irônico, mais leve. Enquanto compunha, cantei esse refrão e, logo depois, a enfermeira entrou no meu quarto. Ela tinha ouvido de longe e disse: “É isso mesmo. Já não sabe por que se meteu com isso e agora não consegue viver sem.” Achei aquilo muito forte. Ela ouviu, entendeu e aprovou, ali na hora. No fundo, ela fala com uma segunda pessoa que, na verdade, sou eu mesmo. A droga é essa segunda pessoa, um outro eu.

“Me Salva (Por Solo Un Minuto)”: É uma música dedicada à quetamina, que é um anestésico. Ela é dividida em duas partes: primeiro, uma tensão crescente; depois, uma liberação total. A tensão representa a abstinência, a incapacidade de ficar sóbrio. E a liberação chega no momento em que eu me drogo, é quando tudo aquilo some: a preocupação, a necessidade de controle, o peso. Vem o prazer, essa sensação intensa… e horrível. Porque justamente por ser tão forte, tão prazerosa, eu queria mais. Adoro que a música termina do nada. Isso simboliza bem o que acontecia: chegava um ponto em que tudo simplesmente acabava e o prazer ia embora.

“Querida”: Durante anos, eu tive episódios severos de bruxismo, ataques de pânico intensos, crises que eu não entendia. Só muito tempo depois fui descobrir que sou bipolar e tenho traços de borderline. A música fala sobre esse momento de virada: quando eu entendi que precisava pedir ajuda e comecei um processo terapêutico. No fim da música, eu canto como se tudo estivesse bem. Mas não quis acabar o disco com uma mensagem feliz demais, como se fosse um conto de fadas. A adicção não se encerra assim: ela oscila, reaparece, persiste. Então, optei por terminar a faixa (e o disco) com o som de um tiro. Essa ambiguidade foi importante para mim. Deixar em aberto se o tiro mata uma fase da vida, uma vontade, ou se apenas revela que ela ainda existe. E que, mesmo assim, seguimos vivos e respirando.

Mateo por Julia Mataruna 02

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15/07/2025

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