Mateus Fazeno Rock lança álbum-manifesto pela arte periférica com Fernando Catatau na produção

19/08/2025

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Por: Damy Coelho

Fotos: Divulgação/Jorge Silvestre e Murilo da Paz

19/08/2025

Quando lançou Jesus Ñ Voltará (2023), em um contexto pós-pandêmico, Mateus Fazeno Rock mostrou rock’n’roll brasileiro combinado com o que havia de mais forte naquele momento: rap com riffs de guitarras e um discurso sobre a vida na periferia. A faixa-título escancarava a realidade um país onde a igreja evangélica é cada vez mais presente nos lugares menos assistidos (muitas vezes, colocando-se como única salvação).

Trilhando o legado do Sepultura, Raul Seixas ou dos poetas marginais, o projeto, encabeçado pelo cearense Mateus Henrique Ferreira do Nascimento, entregou uma novidade capaz de conversar com o público, ainda que fosse anti-establishment. O artista também pegou a crítica em cheio: foi vencedor do Prêmio APCA enquanto os streams aumentavam exponencialmente num contexto underground.

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Talvez por não colocar a pressão da indústria sobre a própria arte, o terceiro disco, Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem (2025) foi bem recebido pelos fãs. Com pouco mais de uma semana de lançamento, cinco faixas deste novo disco já se tornaram as mais ouvidas nos streamings do artista. Uma delas é “ARTE MATA” — que pauta o discurso mais forte deste álbum.

Se antes o impacto religioso sobre o Brasil era questionado, agora, Mateus bota o dedo na ferida sobre as dificuldades de se viver de arte no país. “Eu quero ser o verso poderoso de quem poderia segurar a bandeira/Mas tá sem forças”, diz ele no longo spoken word poético que dá início à faixa. “Aprendi da pior maneira que a arte mata/Artista nato, eu trago o ritmo como artefato/E das palavras faço artesanato apenas por comida no prato”, continua.

O mérito dessa boa receptividade se dá pelas letras recheadas de boas sacadas combinadas com uma produção articulada entre o artista, Rafael Ramos e Fernando Catatau. Trazer o líder do Cidadão Instigado para o projeto botou o rock’n’roll ainda mais para jogo, combinado ainda com o soul, rap, reggae e até o funk. “Foi um encontro que deu muito certo”, conta Mateus para a Noize. “A nossa troca foi, o tempo inteiro, muito fluída e regada por um diálogo continuo”, sintetiza.

Mateus conta que passou alguns meses produzindo a demo sozinho, em casa, e queria que o trabalho no estúdio tivesse a mesma pegada dessa fase solitária. O resultado, como visto, agradou. Para além da variedade de ritmos, o álbum mostra um leque de narrativas possíveis: fala sobre arte e luta, mas também sobre família, ancestralidade, amor. Em “Aquilo que Nois Merece”, canta: “Eu fiz planos contando com o dinheiro que nóis merece/O ano inteiro trabalhando tanto/Tesão e descanso”.

Fechamos o papo perguntando como estavam as expectativas para lançar um novo disco após todo o hype em torno de Jesus N Voltará. Ele nos mostra que seu objetivo é mesmo outro: “Após ir tão fundo em tantas memórias e histórias no meu álbum anterior, agora senti a necessidade de cantar sobre a urgência de estar vivo, de amar e estar bem. Esse álbum vem cantando — pedindo, evocando, gritando – por isso.”

Leia (e ouça) Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem faixa a faixa:

“Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem”: Ela é bem provocativa e autoexplicativa, né? Desde o começo, pede para ser escutada e lida como uma oração. Então, dá para pensar em cada verso como uma prece. Ela vai enumerando espaços, paisagens, vontades, desejos que, no meu ponto de vista, é aquilo que meu bonde, minha família, meus vizinhos, dentro do imaginário coletivo aqui no Ceará, do bairro Nazaré, onde eu moro e onde eu cresci, é o que a gente tá buscando.

Melô do Sossego”: Essa tem uma letra bem curtinha, com sintetizadores, uma melodia cíclica, dengosa lenta. Mas o tempo da música não é o tempo do sossego, ainda: é o tempo da vontade. É alguém que está correndo para lugar nenhum, que se sente cansado, frustrado, mas que tá nessa busca, não só por si, mas pelo outro. Muitas vezes pela nossa mãezinha, pelos nossos companheiros… é meio nesse lugar. A canção se encerra rápido, quase como quem cantou, fechou os olhos e deixou vir aquilo que a letra está dizendo.

Saturno e a Intuição”: Escrevi pensando muito na trajetória de vida, nos caminhos para trilhar, lugares para seguir… É como quem diz: presta atenção nesse caminho que tu trilhou, que ele é um só. Acho que a melodia dela, o ritmo, o ska, a pulsação, tá o tempo todo remetendo a esse caminho que tá sendo trilhado. Botei assim num cenário assim que parece um jogo, mas não é.

Daquilo que Nois Merece”: É a faixa de trabalho do álbum. Soul music, hip-hop, romance, amor, num álbum que evoca tudo que o bem-estar no nosso cotidiano pode trazer. É a busca por amor nesse tempo de guerra, de batalha, de perdas. É o amor como lugar para ser resguardado: um lugar onde a gente se salva e recarrega as energias.

ARTE MATA”: É um susto no meio da realidade. Acho que é isso: esse álbum, o tempo todo, vai falar de bem-estar e, ao mesmo tempo, é a partir do ponto de vista do agora, enquanto eu canto, componho, escrevo, produzo, vivo e essa sensação ainda de escassez, de corrida, de competitividade. Acho que ela se conecta com “Saturno e a Intuição”, com a faixa-título… É sobre essa caminhada, também. E pensando no lugar de trabalhador da arte mesmo.

Mercado das Miudezas”: É uma canção bem misteriosa para mim. Eu vejo ela como um lugar do cotidiano, das trocas diárias, das concessões, das negociações diárias, daquilo que a gente cede do nosso tempo para, enfim, para sobreviver. Eu vejo ela nesse lugar de ensinamento, de negociar miudezas, que tem a ver com a realidade material e das construções coletivas, mas também com o ensinamento de partilha, num fundamento de Exu.

Quando Você Volta”: É mais uma canção de amor romântico, sobre a busca por um bem-viver. Esse é um álbum cotidiano, sobre as andanças. De alguém vivendo um dia da sua vida.

O Braseiro e as Estrelas”: É quase um interlude. O braseiro, para quem não sabe, é um objeto, geralmente uma latinha de leite Ninho toda perfuradinha com uma alça de arame, onde a gente bota carvão, deixa o carvão acender e, dentro dele, bota algumas ervas. É específico de ritualísticas para defumar e limpar os ambientes. Então, fiquei pensando nesse trabalho humano, de se conectar com o passado através da ancestralidade, da espiritualidade. Pensei no mundo como está agora, na falta de amor, na destruição da natureza, na nos pensamentos genocidas, conservadores e de ódio que têm prevalecido.

Rec.ordações”: Uma balada bem rock and roll, bem romântica. Acho que o grande segredo dela é não ser uma canção de amor. É um pensamento saudoso sobre a minha vida, estou pensando no passado, em coisas que a gente vai perdendo. Compus ela um pouco na estrada, com o pensamento em coisas mais tristes.

Licença pra desabafar”: É uma licença meio sem pedir licença… uma licença que já está dada. Uma música também bem diretona, assim. Fala sobre retomada da liberdade do nosso corpo, das nossas expressões, do nosso lugar mais combativo no mundo. Vou falando sobre os fragmentos de vida onde a gente é violentado, podado ou oprimido e como isso pode desencadear uma revolta, um movimento.

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19/08/2025

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Damy Coelho