Lançado em setembro, Melodia&Barulho (2025), estreia do MC, cantor e compositor carioca, Maui, já fez barulho (fazendo jus ao nome). Após o EP Rubi (2023), e do feat com BK’, ele mergulha na estética viva das ruas, com uma mistura única de estilos.
Produzido por Taleko, CL Fez o Beat e Chediak, para os beats, Maui se inspirou em seus DJ’s favoritos. “A gente tá vivendo uma época de uma safra muito boa de DJs”, comenta Maui, em entrevista à Noize. “Os sets dessa galera foram a principal referência para a mistura de gêneros. Eles mantêm a pista quente mesmo tocando vários estilos diferentes”.
Entre ritmo e poesia, a sonoridade de Melodia&Barulho transita entre R&B, funk, pagode, afrobeat, drill e grime. Estreando o álbum nos palcos, Maui é o ato de abertura do show da Mellina Tey, na Casa Rockambole, em São Paulo, no dia 14/11 [ingressos aqui].
Para os feats, Maui convidou Afrodite BXD, Tshawtty, Yoún, Maskotte, KBRUM, Bruno Kroz, Scof Savage e 2ZDinizz. “A gente se conecta além do mercado. Escolhi quem representa a nova geração da música brasileira. Artistas que acredito, no futuro, vão ocupar o papel que a galera da Tropicália ocupa hoje no imaginário popular”
Maui comenta a inspiração conceitual para o disco: “A experiência brasileira é muito plural, ao mesmo tempo que ela tem um fio condutor único: tentar manter conexão com a ancestralidade, desafio herdado pelo colonizador. Procuro achar os pontos em comum que unem a experiência negra no planeta todo, sem desrespeitar as particularidades — que é a beleza de sermos tão diferentes também”, finaliza.
Melodia&Barulho faixa a faixa:
“Tem Gente Com Fome”: essa intro é muito importante porque junta duas figuras gigantes, o Solano Trindade e a Sílvia de Mendonça, que têm tudo a ver com a história do ativismo negro e de Duque de Caxias. A Sílvia, em especial, chegou pra somar — traz essa parada da origem, de referenciar os mais velhos, e faz a galera ouvir o álbum com mais atenção, pensar “caramba, será que ele tá falando de algo mais profundo aqui?”.
“Comemorar?”: nasceu em 2019. Depois, revisitando umas paradas pro disco, eu vi que fazia total sentido — ela marcava um ponto de virada e desenhava bem o personagem. A gente lançou antes do álbum, meio no escuro ainda, mas eu já sabia que ela tinha cara de disco. A interrogação no final foi de propósito, para mostrar que era um funk de ostentação, mas com um fundo de ironia. O som ganhou muito com o Felipe Lobo, que trouxe a mistura de afrobeat com funk.
“Quero Mais”: o disco tem dois lados: o narrativo e o sonoro. A estética jamaicana está presente em tudo — visual, ritmo, energia — porque muita coisa que a gente faz hoje vem dessa base, do Sound System, do hip-hop e das batidas inglesas. Depois de abrir com Comemorar?, eu quis vir com um dancehall e trazer o Scoff, que representa essa nova geração. Foi também uma forma de homenagear o Jamaicaxias, o KBRUM e a galera que me formou. A letra é mais pra construir o personagem do disco — não sou eu ali, é um exagero necessário para narrativa.
“Te Ganhar”: faixa da Tshawtty, um drillzão que acabou não entrando nos projetos dela. Quando comecei o disco, pedi pra usar porque achei que encaixava perfeitamente. Chamei o Taleko pra trazer a parte de pagodão, e a Luana entrou com o áudio. A faixa tem várias referências dos anos 2000. Pra mim, ela também abre um mini arco romântico dentro do disco — a primeira parte dessa historinha de festa, desejo e intensidade que se desenrola nas próximas duas faixas.
“Lovebombing”: dentro das contradições que eu queria mostrar no disco, eu pensei em fazer uma música que fosse tipo um “marcador de red flag”. Quis escrever com o papo clássico de um homem babaca — justamente para gerar essa ambiguidade: quem entende, percebe a crítica; quem não entende, acha maneiro. A letra é sobre love bomb, e eu pesquisei muito pra fazer, troquei ideia com amigas e amigos pra pegar frases reais desse tipo de cara. Juntei isso com minhas próprias vivências também, porque, né, ninguém é santo. No som, queria um funk com a ambiência que o Kevin O Chris fazia.
“Seu Telefone”: fecha o arco romântico. Aqui, o personagem mostra o lado tóxico, o “monstro” por trás do charme. Queria um feat feminino que deixasse claro o contraponto, que fizesse o público ficar contra o cara — e a Cristal era perfeita pra isso. A gente se conhece desde os 16, da época do Poetas Vivos, e ter ela aqui é simbólico. O som mistura drum and bass com pagode — pra muita gente soa novo, mas pra quem cresceu ouvindo DJ Patife, Marks e Marcelinho da Lua, é só a gente resgatando uma vibe que o Brasil já viveu, mas agora com a nossa cara.
“GastahOndah”: sempre quis deixar claro que, apesar de cantar, eu sou MC — gosto de rimar, venho do rap e do hip-hop. O Linguini me mandou esse beat mais pesado, e desde o início, ele sempre me enxergou na minha complexidade, sem tentar me encaixar em uma caixinha. Escrevi descrevendo uma noite na Lapa, aquele caos depois de um fecho, quando o cara quer esquecer tudo e se perde na rua. A música tem esse espírito competitivo também, de mostrar que, além de cantar, eu rimo.
“Vai Segurando”: é impossível falar do meu trabalho sem falar da Leigo Records. É minha família, meus amigos, minha base cultural e musical. Sempre achei absurdo eu, KBRUM, MASKOTTE e Bruno Kroz — os MCs principais da Leigo — nunca termos feito uma música juntos, o disco parecia o momento certo para reunir o time.
“Há Volta”: o disco se divide em três partes: euforia, introspecção e calmaria. Queria marcar bem a passagem da primeira pra segunda com um interlúdio. Já tinha o beat do wavybill há anos e chamei o ogoin para escrever algo que representasse essa transição — o personagem voltando para casa.
“Inocência”: a mais triste do disco. Fala do momento em que você percebe que a euforia, o consumo e as festas não são vitória nenhuma. É aquele “caramba, lutei tanto e ainda não cheguei lá”. Ela representa esse ponto de virada: ou você se reencontra ou se afunda, algo que fala com todo mundo. Chamei o Yoún, grupo histórico da Baixada, para somar nos corais, e o LEALL entrou com um áudio muito simbólico.
“Ontem à Noite”: a faixa mais pessoal do disco — e talvez por isso quase ficou de fora. Era o Gabriel escrevendo, não o Maui. No estúdio com o CL, ele me mostrou um beat de reggae e eu, na hora, pedi pra parar tudo e gravei em tempo real, totalmente espontâneo. A Gabrielle Neves, que ajudou na narrativa e na comunicação do disco, foi quem me convenceu de que ela precisava ficar.
“Melodia&Barulho”: mesmo sendo parte da narrativa, essa é a faixa mais fora do fluxo do disco — e eu acho que essa quebra precisava existir. O ponto mais importante foi a entrada da Mali, usei áudios engraçados dela pra montar o refrão. Isso mudou tudo: a faixa virou sobre amor, família e afeto, e acabou recebendo o nome do disco, por sintetizar muita coisa que eu queria passar. E o toque final veio com o áudio da minha tia Renata, o áudio descreveu bem momentos que eu passei, é uma das minhas músicas favoritas.
“Bom&Novo”: abre a terceira parte do disco — a fase da refrescância. Depois da introspecção, vem o momento de voltar a viver, de experienciar a vida de forma mais equilibrada. É sobre entender que a festa, a bagunça, as tchutchuca e os tchutchuco fazem parte, mas com o pé no chão, sabendo o papel de cada coisa. O título representa isso: o “menor bom e novo” é o que vive, mas consciente. O beat é do Dreebeatmaker, um amigo e referência da Baixada que sempre me tratou com muito respeito. A música nasceu de forma natural, e eu gosto muito dela porque consegui ser pessoal — falo do baile da Argélia, do Malbec Gold — e ao mesmo tempo representa o que o funk significa pra mim.
“Posse”: nasceu da vontade de ter uma música de amor bonito no disco. Percebi que as faixas de relacionamento anteriores falavam de amores confusos, e faltava algo que celebrasse o amor em sua forma mais leve — amar meus amigos, minha família, minha filha e todo mundo ao redor. A construção foi exatamente nesse clima: chamei a Jacquelone, Akai, CL, Enigma e a Sarinha para criarem comigo, nasceu desse afeto coletivo. E o toque final veio com a Afrodite, que é uma amiga-irmã de vida.
“Buscar O Amanhã”: fiz essa música quando ainda trabalhava de segurança, num remix do Frank Ocean produzido pelo Chediak, querendo falar sobre comunismo de um jeito poético, quase disfarçado. Chamei o 2ZDinizz, que pra mim é um dos maiores da minha geração, pra somar nessa mensagem. A faixa termina com o áudio da primeira guia que gravei no celular, ainda no trampo de CFTV, com os barulhos do ambiente ao fundo.
“Não É Tarde”: entrou no disco de última hora. Numa sessão com o Antônio e a Jacquelone, a gente entrou numa brisa de pagode com garage depois de uma audição da Lettié. Percebi que o disco ainda não tinha esse lado mais leve, da zoeira e do flow natural que a gente vive na Leigo Records. Ela me lembrava aquelas músicas de crédito de filme, tipo o final do Shrek, sabe?. É uma faixa de encerramento, ainda tentei fazer uma letrona de pagode, porque vai que um dia o Thiaguinho quer gravar (risos).