Talvez você se lembre quando viu os Strokes pela primeira vez na MTV. Com suas jaquetas de couro e revival setentista, eles representavam o que havia de mais descolado nos anos 2000. Parte da crítica definiu Julian Casablancas e companhia como a salvação do rock (alcunha que aparece a cada dez anos para uma nova banda, o que o faz pensar se o rock precisaria realmente de salvação).
No Brasil, das bandas consideradas salvação — sabe-se la do quê — tivemos o Moptop. Teve quem classificasse os cariocas como os “Strokes brasileiro”. Claro que a sonoridade garage-indie dos norte-americanos inspirou muitas bandas, e não foi diferente com Gabriel Marques (voz/guitarra), Rodrigo Curi (guitarra), Daniel Campos (baixo) e Mario Mamede (bateria) — mas as semelhanças não se prolongam.
As letras dos álbuns Moptop (2006) e Como se Comportar (2008) tematizavam amores e ansiedades juvenis cantadas em português, com toques do BRock e até um verniz melódico da nossa música romântica — como o caso de “Paris”, faixa do álbum de estreia.
Enquanto Julian Casablancas e companhia ressuscitaram as guitarras perdidas entre sintetizadores, o Moptop provocava dizendo que “o rock acabou”, título do hit da banda. Não era raro ver os versos “Enquanto você se produz /eu vejo o que não vê /crescer para quê?” na bio de algum Fotolog.
A essa altura, o Moptop conquistava fãs e se tornava uma banda bem-sucedida na cena. Em 2006, abriram para o Oasis em São Paulo — com direito a Noel Gallagher usando a camisa do Moptop enquanto tomava um chá de cadeira no aeroporto de Guarulhos.
Na sequência, os cariocas assinaram com a Universal, o que abriu caminho para a gravação dos dois discos. Não demorou para aparecerem com frequência na MTV — especialmente depois do DVD MTV ao Vivo: 5 Bandas, ao lado de outras “apostas da cena”: Fresno, NX Zero, Hateen e For Fun.
Mostrando que eram vanguarda — roqueiros ligados em tecnologia nos anos 2000 — lançaram um portal premiado pelo VMB como “site do ano”, que ainda pode ser visitado aqui (clique e embarque numa viagem no tempo).
Mas, após dois álbuns lançados, uma base fiel de fãs e uma influência que respingaria na cena indie da época, o Moptop desacelerou. Os integrantes se casaram, tiveram filhos, mudaram de país e a música ficou em segundo, terceiro plano. A última vez em que subiram num palco foi abrindo para o Franz Ferdinand no Rio de Janeiro, em 2010.
Até que, dia desses, o vocalista e compositor, Gabriel — que hoje vive em Los Angeles e trabalha com tecnologia na Amazon Music — pegou seu violão e novos acordes jorraram, como acontecia anos atrás. Tinha ali um repertório novo, que ainda combinava com a identidade sonora do Moptop. Foi o chamariz para um revival daqueles tempos. Ligou para os outros integrantes, que toparam retomar a banda.
Como já tinham as músicas, decidiram lançar um novo disco, desta vez, todo em inglês. O processo foi feito a distância, já que cada um morava em um canto. “Tinha muitos motivos para não gravar esse disco nem voltar com a banda — trabalho, família, a distância enorme entre a gente e, acima de tudo, a impossibilidade de ensaios. Mesmo assim, sentimos que precisávamos fazer isso acontecer”, conta Gabriel.
E assim nasceu Long Day. O disco veio ao mundo este mês, antecipado pelos singles “Last Time” e “Ghosts”. A sonoridade-garage enérgica ainda está ali, especialmente do “lado A”. Já os arranjos mais encorpados, melancólicos, com letras que abordam outros dilemas permeados pela rotina da vida adulta, mostram que a banda, naturalmente, foca em outras questões.
O rock (não) acabou
O retorno era um desejo antigo, mas o sucesso, uma incógnita. Ninguém sabia o que esperar quando anunciaram o show em São Paulo. Três dias depois, os ingressos estavam esgotados. “Ficamos surpresos”, conta Gabriel, em uma conversa por vídeo com a Noize, direto de Los Angeles.
Além do show esgotado em São Paulo (no dia 12/7), o Moptop toca numa data extra na capital paulista (13/7) e também em Belo Horizonte (05/7), Recife (06/7) e Rio de Janeiro (10/7). Veja ingressos aqui e aqui.
Agora, Gabriel se prepara para voltar ao Brasil com sua ex-atual banda. Na entrevista, conversamos sobre o mercado musical de ontem e hoje, sua relação com as redes sociais e as expectativas para esse novo momento do Moptop. “Estamos dando um passo de cada vez”, resume. Leia a seguir:
Ei, Gabriel! Primeiro, muito obrigada por ter topado esse papo, mesmo com o fuso horário [risos].
Imagina, eu que agradeço. Eu adoro o trabalho de vocês e a revista!
Poxa, que legal! Por aqui, achamos muito massa esse retorno. Então vamos do começo: como foi voltar a fazer música depois de tanto tempo?
Realmente, fazia uns 10 anos que eu não tocava, e 15 anos que não subíamos num palco. Mas este ano, me dei um violão de aniversário e comecei a tirar algumas coisas… minhas criações vieram, no início, como pedaços de músicas, de um jeito mais abstrato. Mas aí surgiu uma leva de canções que realmente me emocionou… como acontecia lá atrás. Ali bateu um clique, pensei, “cara, eu quero gravar essas músicas”. Falei com o Rodrigo [guitarrista], ele se empolgou também, falou: “Ah, vamos fazer uma demo”. Daí compramos um equipamento bem básico. E aí a coisa foi crescendo.
“Na primeira demo, vimos que não tinha como não colocar essas músicas no mundo. Então, decidimos fazer o disco.“
Como foi gravar a distância, depois de tantos anos? O que mudou nesse processo?
Pois é, dessa vez foi um processo todo virtual. Eu mandava uma versão, eles mandavam de volta, eu mixava aqui, mandava de volta… no fim, a gente trouxe o Daniel [Carvalho] pra mixar, acho que ele conseguiu organizar um pouco nossa bagunça [risos]. Mas o processo foi todo mundo participativo, mesmo de longe. O disco foi gravado ao longo de um ano, então, deu para lapidar muita coisa. Tem prós e contras gravar um disco assim, mas foi bem interessante.
E como foi voltar a compor para o Moptop?
Muita coisa veio na canção — parecia que a letra já estava ali. Claro que tive de preencher lacunas, algumas eu tive que fazer do zero… mas teve uma coisa primordial de botar algo para fora mesmo. Foi a minha maneira de tentar lidar com todas as complexidades desse momento da vida. Eu precisava fazer isso, essas músicas já estavam em mim de alguma maneira. Foi quase terapêutico.
E sobre o processo, antes, eu compunha sem a letra, gravava uma demo em casa pra sentir. Depois, ficava ouvindo e pensando na letra. Mas era no ensaio que a coisa tomava corpo, as camadas entravam… A maior diferença foi que, dessa vez, não teve ensaio nenhum.
Vocês ainda não conseguiram se reunir pra ensaiar?
Não…
Então os shows vão ser com emoção.
[Risos] Cara, eu tô muito empolgado — e morrendo de medo ao mesmo tempo [risos]. Na verdade, é mais curioso para saber como vai ser essa experiência do palco agora, mais velho. Os shows do Moptop eram meio “punk rock”, a gente não tinha muita frescura. Fazíamos passagem de som, claro, mas na essência, eram os quatro tocando do jeito que dava, em inferninhos num dia, no outro em shows maiores. O que contava era a energia e a nossa entrega no palco.
Enfim, vamos descobrir em breve como vai ser essa brincadeira.
Agora vocês estão cantando em inglês. Foi uma coisa natural por você estar morando tanto tempo fora, ou é um projeto pra expandir os horizontes da banda para outros mercados?
O inglês veio de forma natural. As letras já surgiram meio prontas nesse idioma, então, não foi uma escolha estratégica no começo — as músicas simplesmente vieram em inglês e quisemos gravar assim.
Sempre quis fazer um disco em inglês. Se traduzisse para o português, seria desonesto com as canções nesse momento da minha vida. Não faria sentido. Além disso, moro nos Estados Unidos e acho que o mercado indie brasileiro é muito pequeno, tem um teto difícil de ultrapassar. Gravando em inglês, a gente abre mais possibilidades.
Mas também sei que não é fácil achar espaço no mercado global. Tem muita banda, muita coisa acontecendo. Os artistas que já lançaram antes ainda dominam, o mercado é complicado, as bandas novas têm dificuldade para entrar. E a gente é uma banda nova aqui, né?
E o que você acha que mudou no indie brasileiro ontem e de hoje? Você nota uma influência do Moptop nessa cena?
É difícil falar, não sei dizer até que ponto a gente influenciou ou como influenciou. Na época, tinham bandas com o mesmo espírito que o nosso, que é fazer as coisas sem esperar depender de alguém. A gente vai fazer o acontecer, vamos rodar festivais, organizar nossos shows, fazer nossa arte, usar internet a internet a nosso favor. Uma internet que estava começando.
A gente fez parte uma cena realmente independente e hoje vejo bandas que dividem essa mesma mentalidade. Outra coisa, é parte estética: tenho percebido que as bandas têm uma estética muito mais trabalhada, cara, muito mais pensada. De certa forma, a gente também tinha essa preocupação.
Pois é, vocês despontaram no auge dos blogs. Até o site de vocês, que voltou ao ar recentemente, foi premiado pela MTV. Como era pra vocês divulgar o trabalho nos anos 2000 e agora? Você tinha comentado mais cedo que não tinha Instagram até meses atrás…
Cara, mudou muito. Ainda tô me adaptando. Lançar um disco hoje é bem mais difícil. Tem tanta plataforma, tanta ferramenta… Você precisa pedir para entrar em playlist, fazer posts, subir letra em site, achar distribuidora, fazer anúncio, e por aí vai.
Quando começamos, a preocupação era só fazer show — na casa Matriz, em qualquer lugar. Depois, tentávamos o Circo Voador, São Paulo… Era uma cena mais local, com festivais, mas sem essa pressão diária de criar conteúdo. Hoje, é tudo mais frenético. Tenho um pouco de aversão a isso. Até pareço um velho reclamando, né? [risos].
Mas é a minha relação com música e com a arte em geral. É fundamental apreciar algo realmente prestando atenção, sem essa coisa de “assisti ou ouvi 3 minutos aqui e já sei de tudo”. Acho que hoje as pessoas estão muito nessa vibe.
Pra fechar, como você espera que esse álbum seja recebido?
Quero que as pessoas escutem com calma, várias vezes, do começo ao fim. As 10 músicas desse disco foram feitas com muito amor, como se cada uma fosse a principal. O disco foi pensado pra ser ouvido como um todo, com letras, um conceito todo alinhado. Espero que as pessoas curtam.