“Movimento Algum”, álbum de Fernando Motta, mescla Clube da Esquina com shoegaze; leia a entrevista

12/06/2025

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Por: Vitória Prates

Fotos: Divulgação/Eduarda Hipólito

12/06/2025

Se o eixo Rio-São Paulo é conhecido por receber shows apoteóticos do mundo inteiro, Minas Gerais ganha força por outro motivo: a cena alternativa. Vai além de um estilo musical e já ganhou até nome na imprensa, o “indie come-quieto” – que, além de um som, representa uma atitude.

Nomes como Clara Bicho, Paira e Godofredo fazem parte do grupo. São diferentes estilos musicais, que se unem na mesma abordagem DIY e coletiva. Mesmo sem nem sempre ter acesso aos recursos ideais de captação e pós-produção, eles entregam grandes trabalhos.

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Entre seus representantes, destaca-se Fernando Motta. O cantor e compositor de Coromandel, cidade há 490 km da capital mineira, lançou recentemente seu terceiro álbum, Movimento Algum (2025). O trabalho traz feats com a banda paraense terraplana e Paira, nome que também desponta no circuito mineiro.

São 10 faixas, com produção de Thiago Klein e baixos de Lucas Gonçalves, da banda Maglore. O título do álbum é uma das muitas ambiguidades da língua portuguesa. Algo que está em deslocamento, ao mesmo tempo que permanece parado.

A dualidade entre introspecção e expansão também se reflete em seus trabalhos anteriores: Andando Sem Olhar pra Frente (2016), Lapso (2019) e Ensaio Pra Destruir (2021).

Fernando evoca esse sentimento nas composições e sonoridades cheia de referências, que vão do Clube da Esquina, shoegaze à música eletrônica. Para a Noize, Fernando disseca sua nova produção, fala sobre próximos passos e a cena musical mineira. Leia abaixo:

Como surgiu o nome Movimento Algum?

Em primeiro lugar, foi porque a palavra “movimento” vinha aparecendo muito nas composições e comecei a pensar na gama de sentidos que isso poderia ter. Gosto que o título não seja algo tão explícito, prefiro que seja algo que vá fazendo sentido à medida que o disco vai sendo descoberto.

Com isso em mente, vinha pensando no quanto meu disco anterior: Ensaio pra destruir (2021) sugere um rompimento, algo abrupto, que era algo necessário para mim, naquele momento. No entanto, à medida que o tempo foi passando, me vi em situações análogas às anteriores, como se de certa forma eu não tivesse me movido, como se tudo estivesse se repetindo.

Vi que o conceito do disco inevitavelmente estava caminhando para esse sentido. Até a disposição das músicas dialogavam com essa ideia. É como se elas fossem rendadas uma na outra, como se fossem todas parte de uma mesma teia.

Por fim, acho curioso escolher uma palavra como a principal, como é o caso de “movimento” e em seguida colocar outra que sugere uma negativa, como “algum”. Por si só o título já faz um movimento de “ida e volta”, assim como tudo que o inspirou. Não à toa, na tracklist temos “Volver”, “Reprise” e “Pêndulo”, por exemplo.

O som do álbum, assim como de seus outros trabalhos, traz influências do Clube da Esquina, lo-fi, shoegaze, e até música eletrônica. Como você chegou nessa sonoridade?

Acho que ouvindo Clube da Esquina, shoegaze e música eletrônica. Risos. Não é uma coisa que apareceu como um ponto de partida, mas que foi se formando. Eu acho que uma das principais características do meu trabalho são as harmonias vocais. E isso vem até de outros gêneros.

Sou de Coromandel, uma cidade bem pequena no interior de Minas, onde eu cresci rodeado de música sertaneja, por exemplo. No rancho das minhas tias, enquanto a gente brincava elas estavam lá ouvindo um pouquinho de Leandro & Leonardo, um pouquinho de Bee Gees. Risos. Lembro disso e fico até meio impressionado de pensar no quão melódico e harmonioso era isso tudo que se ouvia.

Quando aprendi a cantar, ficávamos eu e meus irmãos fazendo as aberturas de vozes tão comuns aos Beatles, ao Clube da Esquina e ao Chrystian & Ralf (que se a gente for ver tem umas coisas bem dream pop!). Então eu faço as melodias com isso tudo posto na equação, não sei bem ao certo.

Mas acho que naturalmente, por conta da minha voz, do gosto pela guitarra, pelo experimental, pela disposição das letras ou até dos temas das músicas, as coisas vão se encaminhando mais para um lado. A coisa da música eletrônica vem muito porque alguns elementos do gênero ora trazem mais ritmo, ora trazem mais possibilidades “delirantes”, que se somam a essas harmonias vocais e trazem o onírico que o disco tem. É algo que o álbum vai pedindo e a gente tem que atender.

Seu trabalho mescla faixas calmas a músicas mais pós-punk, com mais guitarras. Como funciona seu processo criativo, principalmente na hora de compor as músicas?

Normalmente começo pela melodia, fazendo algum tema no violão e cantarolando por cima. Faço o exercício de tentar achar o caminho que eu mais gosto para desenvolver. Quando eu tenho uma ou duas músicas que considero boas o suficiente, elas começam a ser um ponto de referência. Eu costumo já ter em mente uma vibe que eu quero seguir.

Quando fiz músicas mais rápidas (como no EP Lapso, com a eliminadorzinho), eu sabia que queria fazer aquilo, para ter energia, pra um show mais agitado. Nesse disco eu sabia que não seria isso, mas eu queria que de alguma forma tivesse ritmo, algo pra ficar balançando a cabeça junto enquanto curte.

Nas mais dançantes eu tinha em mente Stone Roses, Happy Mondays. Nas mais “chapantes”, coisas como Dean Blunt, Ssaliva, até umas coisas mais downtempo do Underworld. Outro caminho que funciona pra mim é definir um título e construir a música em torno disso.

Minhas composições são, de certa forma, movidas por algum mote que me é misterioso, que me instiga. Alguns nomes de música vieram disso, como “Água-forte”, “Epíteto”, “Elegia”. São palavras ou expressões que carregam uma poesia, uma beleza, até anterior ao seu significado. Normalmente a própria energia que eu sinto da palavra é que guia a aura que a música vai ter.

A cena indie está ganhando cada vez mais força em Minas Gerais. Como é seu contato com essa cena? Como enxerga esse movimento?

Enxergo como um movimento natural de entusiastas que vão descobrindo que podem fazer suas próprias músicas. Outro dia estava respondendo sobre isso e acho que faz sentido a teoria de que BH, por não ser tão grande quanto São Paulo, acaba tendo uma convergência de público em locais específicos. Quem se interessa por música independente uma hora ou outra se encontra.

É um fator que inevitavelmente vai estreitando a relação entre as pessoas que estão nessa. “BH depende da autorreferência para se destacar para outros cantos em contextos menos comerciais. É como se fosse necessário nós mesmos contarmos as nossas trajetórias individuais até encontrar eco ou similaridade na história alheia para dizer que somos ou fizemos parte de uma cena”.

Isso quem falou foi uma DJ chamada Cris Foxcat que é uma pessoa importantíssima pro Indie aqui na cidade. Ela comentou isso naquela publicação do Trabalho Sujo que chamou esse nosso nicho daqui de “Indie come-quieto”. Eu assino embaixo essa reflexão que ela teve. Mas é isso, está implícito nisso também que não é uma só cena.

No geral, também tem seus problemas, suas preferências, suas rivalidades. Às vezes você vai parar num lugar onde não se sente bem recebido. Isso em qualquer lugar, né. Também temos fatores parecidos com São Paulo, só que num espaço amostral menor. O legal é descobrir um lugar onde você se sinta bem.

Por que o indie vem ganhando tanta força em Minas Gerais? O que diferencia a cena das do resto do Brasil?

Eu não sei. Talvez essa coisa do que se convencionou chamar de “música mineira” tenha muito a ver com o indie mesmo. Combina! É a mesma coisa de quando a gente falou sobre como surge a sonoridade. É um emaranhado de coisas que entram na equação. E essa coisa da facilidade maior de se juntar também é algo que pode ser positivo nesse sentido.

Aqui é assim: quando você encontra alguém que é tão empolgado com música quanto você, você quer estar por perto. Outro dia eu fui com uns amigos num rolê no bairro Santa Tereza que era simplesmente sentar e ouvir música. Mas não era qualquer DJ. Eram os caras da Alta Fidelidade, que é uma festa referência aqui na cidade, com discotecagem em vinil. Esse rolê em questão se chama “Pow Pow Pow”, só de música jamaicana, Reggae, Dub, Ska.

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Tinha música que os caras colocavam ali em vinil que nem o Shazam reconhecia. Uma pesquisa das mais sérias do país aqui do nosso lado. Estou falando isso pra reforçar que aqui inevitavelmente quem gosta de música nesse nível acaba criando mecanismos para se encontrar e compartilhar disso. Uma hora ou outra isso dá em alguma coisa!

Para fechar: quais os próximos passos para Movimento Algum? Clipes e turnê estão em mente?

Acho que todas as possibilidades estão abertas. Achei que o disco fosse ter uma repercussão menor, mas está indo bem. Então com certeza vai ter show com banda completa pelo menos em São Paulo e Belo Horizonte. Quem sabe um outro clipe, quem sabe o disco em CD, em vinil.

Quem sabe uma session mais intimista filmada. Quem sabe uma session com a banda toda! Não sei, depende do engajamento! Tá com a galera aí! Vou tirar o meu da reta porque eu também tenho que pensar no monte de demandas apitando aqui no WhatsApp no grupo do meu trabalho, risos.

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12/06/2025

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