Na tela da TV: a relação inseparável entre música e televisão

20/06/2025

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P Mathias

Por: Pérola Mathias

Fotos: Divulgação/Arquivo Nacional

20/06/2025

Separar a história da televisão no Brasil da história de nossa música popular é uma tarefa difícil. Se, hoje, te perguntassem sobre uma música que você associa à TV, é muito provável que, mesmo sem acompanhar os canais abertos ou nacionais, você tenha alguma memória, independente de sua idade.

Ao menos de um destes casos você vai se lembrar: as personagens Nando e Milena, da novela Por Amor, se beijando debaixo de chuva ao som de “Palpite”, de Vanessa Rangel; Gal Costa de calça dourada justa e violão em punho cantando “Negro Amor” em clipe exibido no Fantástico; os ensaios da Vagabanda, grupo fictício da série Malhação, em que Marjorie Estiano atuava como líder.

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Ou ainda Elis Regina girando os braços ao cantar “Arrastão” no palco do 1º Festival de Música Popular, ainda em 1965; os Originais do Samba em preto e branco, respondendo a perguntas de um entrevistador invisível, no programa “Ensaio”, de Fernando Faro; o “Plunct Plact Zum”, de Raul Seixas, com a turma do Balão Mágico; “Pablo, qual é a música?”.

A televisão chegou ao país nos anos de 1950, mas foi na década seguinte que, como bem de consumo, mídia e entretenimento, se consolidou. O valor do aparelho ficou mais acessível à população de classe média e as tecnologias de transmissão passaram a abranger mais regiões do território nacional.

Tomando o protagonismo do rádio, foi na programação deste que a TV se inspirou para compor a sua grade, com programas musicais de auditório, radionovelas e noticiários. Boni, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, que começou na TV Tupi e se tornou diretor-geral da TV Globo, presente desde o nascimento da emissora, foi um dos responsáveis por adotar essa lógica. 

Da chamada Era de Ouro do Rádio, marcada por shows de calouros que revelaram cantores como Marlene, Emilinha Borba, Cauby Peixoto, etc., passamos à Era dos Festivais da Música Popular Brasileira, televisionados, cujo auge se deu nas primeiras edições da década de 1960. Assim como acontecia no rádio, eles mobilizavam um público ávido por ver seus ídolos e catapultaram carreiras de nomes como Elis Regina, Chico Buarque, Jair Rodrigues, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes.

Mas, sobretudo, eles acompanharam mudanças estéticas, políticas e culturais. Como analisou o historiador da USP Marcos Napolitano, o termo MPB e as músicas dos festivais consagraram-se como expressão da resistência civil à Ditadura Militar, sendo trilha sonora tanto dos “Anos de Chumbo” quanto da “Abertura”. A canção criou um espaço de debate na esfera pública e alçou seus compositores ao posto, também, de intelectuais.

Presente nas telas em horário nobre, a dita MPB que cunhava o enlace perfeito entre letra e melodia, que reproduzia e cenário do banquinho e violão e usava trajes formais, viu esse paradigma performático se transformar. A possibilidade de subversão das regras se concretizou em roupas coloridas, fantasias, cabelos compridos sem gel. Não é à toa que os arquivos dos festivais são objeto de estudos acadêmicos, livros e inúmeros documentários, que tentam não apenas compreender o período, como resgatar os registros que foram se perdendo ao longo dos anos.

As telenovelas se tornaram um produto cultural brasileiro conhecido mundialmente e foram fundamentais nas reconfigurações pelas quais a indústria fonográfica passou. Antes mesmo de a Rede Globo se tornar a maior vitrine do gênero, novelas como Beto Rockfeller, que foi ao ar entre 1968 e 1969, mudaram o paradigma de produção em termos de roteiro e adaptação. Idealizada por Cassiano Gabus Mendes, nome tão importante quanto Boni nesses primórdios, a novela virou a chave quanto ao peso das trilhas sonoras: as músicas orquestradas foram substituídas pelos sucessos populares e cada núcleo ou personagem passou a ser associado a um tema.

Como declarou a jornalista Adriana de Barros na série Sullivan & Massadas, o público e os jornalistas ficavam ansiosos pelo lançamento dos discos com as trilhas nacionais e internacionais, sobretudo para ouvir a canção da personagem com a qual se identificavam. Um dos expoentes mais conhecidos dos chamados autores de música de novela é o Djavan. Vindo de Maceió para o Rio de Janeiro nos anos 1970, foi apresentado a João Araújo, diretor da Som Livre, que o contratou para cantar composições de outros autores. Com o sucesso de faixas como “Alegre Menina” em Gabriela, pôde deslanchar a carreira solo autoral e gravar seu primeiro álbum. 

Claro, não era apenas no setor de novelas que a música era elemento central. Qual não foi a importância dos programas Discoteca e Cassino do Chacrinha, que passou pela Rede Globo, TV Tupi e TV Rio? Dos muitos nomes que poderíamos citar que estiveram nos estúdios com o Velho Guerreiro, destacaram-se alguns dos artistas baianos que seriam rotulados como representantes da Axé Music. Foi Chacrinha quem insistiu na presença e nos hits de Luiz Caldas, Sarajane e Banda Mel, apresentando-os ao país antes de sua morte em 1988. 

Esse começo dos anos 1990 é o período em que outra mudança fundamental acontece na música brasileira. A MPB começa a perder sua hegemonia como a grande representante cultural de um projeto unificado de identidade nacional e passa a dividir cada vez mais espaço com ritmos regionais e suas atualizações: axé, sertanejo, pagode romântico e funk carioca. Mais uma vez, a televisão ajudou a consolidar essas movimentações por todo o país. Um dos marcos desse período foi o show AMIGOS, que reunia as duplas goianas Leandro e Leonardo, Zezé de Camargo e Luciano e os paranaenses Chitãozinho e Xororó

O funk carioca, que vinha se desenvolvendo em bailes por inúmeras favelas da cidade do Rio de Janeiro desde meados dos anos 1980, transformando a tradição dos bailes black, até então era alvo de preconceito da mídia jornalística. Mas entrou pela porta da frente da TV através do Xuxa Park. O programa infantil da apresentadora, que ia ao ar todo sábado de manhã, convidou DJ Marlboro para estrear o quadro “Xuxa Park Hits”. De convidado especial, o DJ se tornou residente no programa, levando músicos que só tinham espaço dentro dos bailes. 

Mas nem só de Rede Globo vivia a música brasileira — e vice-versa. Voltada para o público jovem, a MTV estreou no país em 1990 com versões de programas de sua sede americana, como o Yo! MTV, que cobriu um momento importante de ascensão do rap nacional. E criou outros, como o Território Nacional, voltado aos gêneros mais populares da música brasileira.

Na época, ainda engatinhava o cenário brasileiro de videoclipes, restrito às produções prévias do Fantástico e a um ou outro programa, como o Clip Show da Manchete. Era apresentada no novo canal uma vertente da música jovem que se diferenciava da onda do rock nacional da década anterior, que ganhou palco próprio na Globo com o Mixto Quente.

Já os programas de auditório do SBT, da Record e da Band foram cruciais na divulgação do que passamos a chamar de pagode romântico, uma nova estética de samba que ganhou o mercado a partir de São Paulo com o sucesso do grupo Raça Negra. Vai dizer que nunca viu passando pela timeline o meme que recupera as imagens do menino que pergunta para uma florzinha se ela gosta do grupo, no programa do Sílvio Santos? Assim como o Raça Negra, apareceram nos palcos dos apresentadores Gugu, Raul Gil, do próprio Silvio Santos, Faustão e Luciano Huck, diversos grupos do gênero, como Molejo, Art Popular, Os Travessos e Só Pra Contrariar.

O Exaltasamba foi um desses e teve seu destino alterado com um empurrãozinho da TV ao escolher Thiaguinho como substituto do cantor Chrigor. Ao ver o cantor lotar estádios e arenas hoje em dia com seus projetos solo, é até fácil esquecer que ele foi participante de uma das edições do programa Fama, um reality show da Globo comandado por Angélica e Toni Garrido – por onde também passaram Roberta Sá e Vanessa Jackson

Já a TV Cultura, rede pública sediada em São Paulo e lançada na década de 1960, foi casa para os mais diversos programas musicais. Rolando Boldrin fez de seu Sr. Brasil um panteão da cultura tradicional e do folclore, ficando no ar por quase 20 anos – sem contar sua versão anteriormente idealizada pelo apresentador, o Som Brasil, que tinha a Globo como casa. O Viola, Minha Viola, ainda mais antigo, seguia mais ou menos a mesma linha. Apresentado por Inezita Barroso, é referência para a música caipira.

A TV Cultura também reservou espaço para se comunicar com o público jovem: com o Manos e Minas deu voz à cultura de rua, ao hip hop e ao rap. Com os programas Castelo Rá Tim Bum e Cocoricó, criou novo acervo para a música infantil, com composições de autores ligados à chamada Vanguarda Paulista, como Hélio Ziskind, Wandi Doratiotto, André Abujamra e Arnaldo Antunes. 

Por mais que a televisão já não tenha a mesma influência de quando a internet engatinhava e as redes sociais eram uma realidade um tanto distante, ainda encontramos exemplos fortes de sua relação com o contexto atual. Até mesmo a música independente tem representação e circula pelo meio televisivo. Bebé Salvego, nome promissor do cenário alternativo, aos 11 anos se viu diante da boca aberta de Ivete Sangalo e Carlinhos Brown quando eles giraram a cadeira para ouvi-la cantar Billie Holiday no palco do The Voice Kids. Já o Prêmio Multishow, do canal fechado do grupo Globo, completa 30 anos em 2024 e abriu espaço para artistas alternativos como Ana Frango Elétrico, Luiza Lian, Jadsa, BK, Liniker, Mu450 e, talvez, para quem mais vier por aí.

* Esta matéria foi publicada originalmente na revista Noize #149 que acompanha o disco de Se o Meu Peito Fosse o Mundo, de Jota.pê, lançado em 2024.

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20/06/2025

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