Negra Li é uma força do nosso rap, ainda que ainda falte reconhecimento à altura. Celebrando 30 anos de carreira e 20 anos de seu primeiro disco, a cantora e atriz de Nova Brasilândia (SP) lançou em maio o novo disco, O Silêncio que Grita (2025), que amarra sua jornada musical até aqui. A paulistana tem outros quatro álbuns em sua discografia: Guerreiro, Guerreira (2005), Negra Livre (2006), Tudo de Novo (2012) e Raízes (2011).
Ela explodiu nacionalmente quando cantou “Não É Sério” com o Charlie Brown Jr., no álbum Nadando Com os Tubarões (2000). Negra Li conta que a escolha por essa faixa se deu num mal-entendido, como essas peças aplicadas pelo destino: ela ouviu a fita enviada pelo líder da banda santista com algumas músicas, curtiu “Não É Sério” e encaixou sua rima. Mas tinha um problema: “Não é Sério” já estava pronta, até masterizada — apareceu na fita por engano. Mas Chorão curtiu tanto o flow de Negra Li que resolveu lançar “Não É Sério” incluindo a rima dela. Virou hit instantâneo.
Mesmo já estando no rap, foi essa participação que a projetou para um público maior e ditou a versatilidade que marcaria sua carreira. “‘Cantar com o Charlie Brown me abriu um leque de opções”, conta ela à Noize. “Eu era jovem e tinha sede em começar minha trajetória. Foi um momento muito especial para mim, acho que aproveitei ao máximo a projeção que tive”, conta.
Agora, 30 anos depois, Negra Li celebra uma carreira longeva como cantora e atriz. Enveredou-se para o pop nos últimos anos, mas sentiu que precisava voltar sua voz para o rap que a originou — e onde sua voz segue necessária. O Silêncio que Grita expõe a rima afiada de Negra Li: aborda feminismo, ancestralidad e provoca o statos-quo ao mesmo tempo em que referencia pilares da cultura preta, do rap nacional ao reggae e hip hop. “Participei de todos os processos desse álbum, da composição à produção”, conta ela.
Destaque para “Black Money”, que além do ótimo flow, mostra a versatilidade de inspirações, citando de ícones fashion a literários: “Eu sou preta, não morena, olha minha pele: sou Naomi, não Gisele (….). Eu vim da fama, sou diamante Luiz Gama, raiz africana da guiné”, canta ela. A faixa é assinada pela rapper em parceria com Douglas Moda, Fabio Brazza, Gabriel Torres e Ian Leme.
Já “Uma menina” aborda a complexa relação entre estupro, aborto e religião — o que é ainda mais interessante levando em conta que Negra Li se reaproximou da igreja evangélica no ano passado (e recebeu algumas críticas por isso). A música mostra que, independente das escolhas, posicionar-se sobre tópicos caros ao feminismo e à luta racial segue importante para ela. Já “Retrivisor”, parceria com Gloria Groove, mostra a veia pop romântica por onde Negra Li também navega com maestria.
O álbum ainda conta com participações de Liniker e Djonga — o mineiro canta uma versão de “Olha o Menino”, lançada em 2005 com o Helião. A versão com Djonga virou single e ganhou um clipe.
“O processo criativo desse disco foi muito prazeroso”, nos conta Negra Li. “Pude contar com amigos com quem já estava acostumada a trabalhar, pessoas que me respeitavam e entendiam meu trabalho. Tive muita liberdade em estúdio, sem hora para começar e acabar. Estava bem livre”, finaliza.
Leia abaixo faixa a faixa feito pela própria cantora:
“A Luta Não Acabou”: Fala sobre a força ancestral que nos motiva a continuar lutando pelos nossos direitos e sonhos.
“Olha O Menino (feat Djonga)”: É uma denúncia contra o genocídio de meninos e homens pretos, trazendo uma mensagem de esperança. Fala sobre a triste estatística que se perpetua. Não é possível que, a cada 12 minutos, uma pessoa negra seja assassinada no país nos últimos 11 anos (de acordo com o Atlas da Violência de 2024) sem que haja uma reação.
“Black Money”: Fala sobre Pretitude, Reverência as referências, conceito para expressar a afirmação e a celebração da cultura negra.
“Sambando”: Essa faixa denuncia a falta de dignidade a qual a classe trabalhadora é exposta diariamente. “Que horas vocês amam”? Essa música fala sobre um povo que segue “sambando” pra sobreviver quando ele deveria estar usufruindo do seu direito de VIVER.
“Fake”: Essa fala sobre saúde mental, uso desenfreado do consumo de telas, e sobre busca por aprovação ,comparação. Aborda o esfriamento do amor, a distorção da realidade que gera um colapso social, levando as pessoas a escolherem viver num mundo fake.
“Retrovisor (feat Gloria Groove)”: Essa é sobre Amor-próprio e superação. Um relato de relações tóxicas, da importância de se empoderar, considerando que as experiências sempre servirão de lições para impulsionar a vida para a próxima fase.
“Uma Menina”: Conta a história de uma menina abusada por um familiar, uma triste realidade que acomete crianças nos quatro cantos desse país e no mundo. Crianças sem assistência, vivem com medo, tendo que lidar muitas vezes com julgamentos.
“Direito de Amar (feat Liniker)”: Fala sobre a idealização de um amor possível, livre dentro da sua forma de existir, compartilhando suas dores fortalecendo genuinamente a identidade e a beleza negra. Um convite para uma reflexão sobre a solidão da mulher preta e trans.
“Filhos”: É um alerta sobre a ótica de uma mãe para a necessidade de prepararmos crianças pretas para essa sociedade racista. Precisamos dialogar e fortalecer, trazendo a verdadeira história sobre as suas origens, formando assim pessoas mais seguras e preparadas para ocupar os espaços que também os pertencem.
“Abençoada”: Essa música fala sobre gratidão, assumindo a existência da presença de algo maior que nos protege e que nossos esforços junto a nossa fé nos faz realizar grandes feitos.
“África”: Uma exaltação à África que é o berço da humanidade. Traz referências históricas, refletindo a importância da representatividade. Reconhecendo, valorizando e fortalecendo a presença e a contribuição das origens africanas na sociedade.