No Pará, “É Sal” significa o fim de algo. Não é à toa que Viviane Batidão escolheu a gíria regional para nomear seu álbum de estreia. “Não é o sal de cozinha [risos] mas algo que faz parte da linguagem do melody e da aparelhagem”, explica, em entrevista à Noize.
Com mais de 25 anos de carreira, É Sal (2025) é o primeiro disco de estúdio da artista paraense, ícone do tecnomelody. Com nove faixas, a produção foi comandada pela própria Viviane, ao lado de Rodrigo Camarão. Lançado no fim de outubro, É Sal celebra o pop amazônico.
“Estamos no caminho certo, nossa cultura vai ser nacionalizada, vamos deixar de usar a palavra regional, porque é uma música nacional”, diz a artista. Nos feats, ela reuniu um time feminino, formado por Pocah, Priscilla Senna, Suanny Batidão e Japinha.
Em entrevista à Noize, Viviane compartilha expectativas com o álbum no mundo, a nova fase da carreira e o tecnomelody do futuro.
Vivi, esse é o seu primeiro álbum! Como você está se sentindo com o lançamento?
Meu primeiro álbum de estúdio! Já lancei alguns, mas que não eram feitos para serem álbuns, fui juntando o repertório aqui e ali, só para ter uma playlist e a galera ouvir juntinho. Mas agora É Sal chega aí! Espero que o público goste.
É um álbum pequeninho. Tive muitas incertezas na minha cabeça, em como fazer um trabalho voltado para o nacional, sem perder a minha essência.
Fiz juntando meus produtores de sempre com outros. Foi uma loucura boa, mas estamos entregando este álbum. Tem música romântica, tem sofrência, tem declaração para o meu estado em “Só no Pará”, feats especiais, tem de tudo!
Com a chegada da Cop30, estamos discutindo o clima e nossa floresta. Mas, junto com isso, levantamos a bandeira da cultura nortista. As pessoas começaram a olhar para o que estamos fazendo aqui. Nós vamos fazer uma Cop linda, vamos dar conta e o Brasil também começou a conhecer o próprio Brasil, o que se faz aqui no Norte com mais força.
Já tínhamos artistas potentes, como Joelma e Gaby [Amarantos], que reverberam nossa música, mas agora mais artistas estão ganhando espaço. Vivemos esse momento lindo de protagonismo do Pará e eu disse: vamos lançar o álbum, aproveitar que as pessoas estão nos descobrindo. É um álbum com muita potência feminina!

São mais de 25 anos de estrada. O título “É Sal”, inclusive, faz referência a uma gíria popular paraense, usada para indicar o fim de algo e o recomeço de um novo ciclo, conceito que reflete o momento atual da artista. Como é essa “nova Viviane Batidão”?
O single “É Sal” tem muito do álbum. O nome dele “É Sal” não é à toa, é uma linguagem paraense, que faz parte da cultura do melody e das aparelhagem, não é o sal de cozinha [risos]. Estamos sem vergonha das nossas gírias. O álbum podia ter qualquer outro nome, mas, eu quis que fosse “É Sal” para levar a pauta da cultura paraense e do meu universo musical.
Estou conhecendo essa nova Viviane, ela é nova pra mim também [risos]. Ela é muito nova, estou me redescobrindo. No ano passado, comecei a pensar na minha carreira de outra forma. Já estava satisfeita com o que eu tinha, tenho o Rock da Rainha, super consolidado, agenda lotado e fãs que me acompanham.
Com a ideia do álbum, dei uma pirada, com medo de não dar conta. Por exemplo, no show do Amazônia Live, eu estava esgotada, com o excesso de demandas. Tive uma crise de ansiedade. Sou perfeccionista e queria que tudo fosse perfeito.
Tive o conforto de saber que o público amou o show, e me surpreendi com isso. Para mim teve um monte de cagada [risos], mas o povo não percebeu. No dia seguinte, fiz um outro show e foi a vez do pico de pressão alta, pensei: meu corpo está me dizendo algo.
Na segunda-feira, avisei todo mundo: “Vou tirar uma semana de férias. Ninguém fala comigo [risos]”. Deixei a equipe tomando conta e comecei a pensar: essa Viviane que tá vindo aí precisa ter mais autocontrole e mais cuidado consigo mesma.

Sua imagem de palco é bastante característica — figurinos exuberantes, coreografias e muita pirotecnia. Como esse novo álbum vai refletir essa parte visual?
No Pará, existe uma carência do mercado audiovisual. Sempre que fazemos muita música, subimos no pen-drive e mandamos para o DJ direto. Então, estamos sempre lançando música, mas com pouco material audiovisual, diferente do restante do Brasil.
À princípio, o álbum teria muito audiovisual, cada música com seu clipe. Só que foi passando o tempo e percebi que isso seria um desgaste muito grande, poderíamos pecar por excesso. Mas saiu o clipe de “Mulher Gostosa” com a Pocah, música sobre essa mulher empoderada. A princípio era para ser gravado em Belém, mas nossa agenda não bateu e fui para o Rio de Janeiro gravar com ela, mas levei a cultura paraense junto!
Antes, veio o clipe de “Covarde”, com a Suanny Batidão, em que a gente divide o amor de um covarde que está brincando e gostando das duas. Na narrativa de É Sal, eu dou um pé na bunda dele e vou visitar minha prima Pocah no Rio de Janeiro! [risos].
Escolhemos fazer esse clipe em lugares dito “masculinos”, não para lacração, mas para mostrar que a gente pode estar onde a gente quiser. Minha prima, Pocah, é dona de uma oficina mecânica, a gente joga futebol, sinuca, bebe cerveja e nós divertimos muito. Então, não tinha música melhor para esse audiovisual.
Em um cenário de música brasileira cada vez mais híbrido, com ritmos regionais ganhando força nacionalmente, como será o tecnomelody do futuro?
Acho que o melody vai entrar de uma forma grande, sabe? Ele é muito vibrante e potente. Falo isso porque temos DJ’s furando a bolha do Norte e indo para o Sudeste, levando nossa música para as boates de São Paulo, e o pessoal sempre me marca curtindo.
A nova geração é muito aguçada do que tem no Brasil, de Norte a Sul, eles querem conhecer a cultura e vibram com a música que toca, principalmente a comunidade LGBTPI+, nossos parceiros. Este ano, eu toquei na Virada Cultural de São Paulo, o que parecia um sonho distante há um tempo atrás.
Mas, tocando às 5 da manhã no Largo do Arouche, com tudo lotado, me senti acolhida de uma forma linda. Pensei: “O Brasil inteiro vai receber a nossa música. Eles não vão só aceitar, mas vão amar ouvir”. Estamos no caminho certo, nossa cultura vai ser nacionalizada, vamos deixar de usar a palavra regional, porque é uma música nacional.
Nossa cultura vai ser nacionalizada
Você é a rainha do tecnomelody. Com Global Citizen, Cop 30, a Amazônia Live e o lançamento da Gaby Amarantos, o rock doido está em alta. Como você vê esse momento de reconhecimento de uma cena musical tão efervescente?
Sabe quando a gente fala que precisamos ser felizes de dentro para fora? É o que está acontecendo aqui no Pará. Só assim o protagonismo e o reconhecimento nacional é possível. O rock doido, por exemplo, é um movimento cultural muito forte.
Inclusive, fui uma das artistas que deram voz a ele, para que tomasse a proporção que tem hoje. Estamos em um momento de ressignificar nossa cultura. A cultura do brega e do melody sempre foi periférica, em muitos lugares ela nem entrava. Se um DJ tocava brega em lugares de alta sociedade, super elitizado, ele acabava com sua carreira.
Por muitos anos, foi visto como “música de marginal”. Quando começou a Cop30 e as pessoas começaram a olhar para nossa cultura, nós começamos a nos olhar com mais carinho também, não te falo só da parte musical, mas é um pertencimento cultural. Da maneira de se vestir, da nossa fala, não temos mais vergonha das nossas gírias.

Ressiginificamos nossa cultura e o Brasil começou a entender o que é o Norte, estamos mais orgulhosos e sem vergonha do que fazemos. Batemos no peito e falamos: eu sou do brega, sou do melody e aqui a gente faz o rock doido. Esse protagonismo vem sendo incrível, uma cena musical muito feita por mulheres, e estamos mais unidas do que nunca, estamos olhando e envolvidas uma no trabalho da outra.
Batemos no peito e falamos: eu sou do brega
Tem Zaynara na nova geração, Gaby [Amarantos], Dona Onete, que pode não ser do brega, mas é uma artista com uma importância cultural imensa, também Joelma, nesse momento tão incrível na carreira dela. Tudo começou com Fafá de Belém, não podemos esquecer, ela deu o pontapé inicial para todas nós, mas vem aí dessa música “mais cult”, enquanto Joelma, de fato, foi a primeira a levar o brega e o calypso para todo Brasil.
Esse protagonismo é lindo. Isso se deve muito à Cop 30, mas também a nossa união. Sem ela, não existiria esse protagonismo e ressignificação cultural, que, depois de tantos anos de luta, estamos colhendo os frutos.
No Global Citizen, eu sou o ato de abertura. Vou dar todo o gás possível. É muita responsabilidade falar sobre a nossa floresta, nossa Amazônia, dessa natureza tão rica e abundante que nós temos — e que depende muito de nós cuidar, principalmente nós povos da floresta, os protagonistas dessa história.