“O Agente Secreto”: entrevistamos os compositores da trilha original do filme

08/12/2025

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Por: Thaís Ferreira

Fotos: Divulgação/Victor Jucá/Beatriz Didier

08/12/2025

Kleber Mendonça Filho queria que a trilha sonora original de O Agente Secreto (2025) soasse como uma crônica, e quem pegou o lápis e o papel para escrevê-la foram os irmãos Mateus Alves e Tomaz Alves Souza, conterrâneos recifenses do diretor. “A gente levou meses até entender que danada de crônica era essa”, conta Mateus. 

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As trocas iniciais de referências destacaram os thrillers norte-americanos dos anos 1970 e 1980, que nortearam a pesquisa. Além dos filmes de suspense, elencaram o trabalho de Ennio Morricone –  inclusive, uma música do compositor italiano, “Guerra e Pace, Pollo e Brace”, foi licenciada e acabou entrando na trilha do filme. 

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Dentro dos diferentes caminhos elaborados a seis mãos, o cineasta percebeu que buscava o som do piano. “O clima da música precisava trazer o aspecto de crônica”, lembra Tomaz. “Começamos a testar ideias para esse tipo de instrumentação e entendemos que, por ‘crônica’, ele queria um comentário musical que fosse ao mesmo tempo descritivo dos personagens e dos dramas que eles vivem no filme, mas que também mantivesse um certo distanciamento sentimental das personagens. Ou seja, uma música que estivesse do lado das personagens, mas que não fizesse um pré-julgamento delas. Algo que não guiasse o espectador a ficar mais do lado do mocinho e contra o bandido. Uma música que servisse a todas as situações do filme e que não tomasse partido.”

Os dois entraram no projeto um ano antes do início das filmagens. Mateus lembra que um dia olhou para o celular e um novo grupo de WhatsApp, “O Agente Secreto Música”, surgiu entre as suas notificações: “Aí falei para o meu irmão: ‘pô, acho que a gente vai fazer a trilha desse filme, então, né?’ E a gente fez.”

Pouco tempo depois, entre agosto e setembro de 2024, receberam o roteiro do longa, aposta brasileira na corrida pelo próximo Oscar de Melhor Filme Internacional, que se destacou em Cannes em maio deste ano com os prêmios de Melhor Ator a Wagner Moura e Melhor Diretor para Kleber Mendonça Filho. No Golden Globes, foi indicado a três categorias: Melhor Filme de Drama, Melhor Filme em Língua Estrangeira e Wagner Moura entrou na disputa de Melhor Ator em Filme de Drama.

A experiência de ler o enredo foi nova e empolgante para os compositores, porque quem trabalha com trilha sonora geralmente entra em cena com o bonde andando, quando o processo já está na montagem ou edição. Desta vez, ainda puderam ver o que estava escrito no papel se materializando na frente deles, ou melhor, nos arredores.“De repente, os lugares que eu sempre frequentei aqui no centro [do Recife] me levaram para a década de 70”, Mateus fala. Foi nesse momento que notaram a grandeza do projeto. 

Mão na massa

“Quando você começa um trabalho de composição, é comum que o diretor te diga: ‘vai ter música aqui, aqui e aqui. Vai ser uma música assim, assim ou assado’. Então você vai anotando e começa a trabalhar em cima do filme”, Mateus explica.

“Kleber, no entanto, só fez isso em uma cena, aquela em que Marcelo (Wagner Moura) chega na casa dos sogros. Foi a única música que a gente fez em cima da imagem. Depois de meses, essa foi também a nossa primeira vez que entrou no filme, a gente até comemorou”, ri.

A flauta é a protagonista desse tema, que foi uma importante referência para os compositores entenderem o que funcionava nos ouvidos do diretor e conseguirem afunilar o que estavam produzindo. “Às vezes, a galera faz até música antes do filme, e o diretor coloca onde quer. Neste, a música foi feita no durante, a seis mãos, podemos dizer.”

Quando chegou a hora de gravar as músicas, o cenário mudou pois O Agente Secreto é uma coprodução entre Brasil (CinemaScópio), França (MK2 Films), Alemanha (One Two Films) e Holanda (Lemming). Nesse acordo, foi decidido que a trilha original seria gravada em Amsterdã.

A dupla passou menos de uma semana no STMPD Studios, onde gravaram com músicos locais – o espanhol Xavi Torres e o brasileiro Piero Bianchi foram exceções – e onde também foi feita a mixagem. “Na hora de produzir, tinha uma certa divisão. Meu irmão ficou mais com os pianos, e eu fiz as coisas mais orquestrais”, Mateus conta.

“Por O Agente Secreto ser uma produção grande, com muitos sets e atores, houve uma preocupação maior para que a música original do filme também tivesse uma presença grande na tela. Acho que dos filmes de Kleber, este é o que tem mais música original, se a gente contar o tempo de música do filme”, analisa Tomaz. 

De outros carnavais

Antes de aparecer nas manchetes, Kleber Mendonça Filho escreveu muitas delas, como crítico de filmes. Em paralelo, por 18 anos, foi programador do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, importante espaço cultural na capital pernambucana. Essa experiência semeou muitos frutos. 


“Em termos cinematográficos, Kleber educou a minha geração”, afirma Mateus. “Com os filmes de arte que ele selecionava, como As Virgens Suicidas (1999) e A Professora de Piano (2002), a gente foi vendo que existia cinema para além de Hollywood.”

Mas antes de frequentarem as salas de cinema, Mateus e Tomaz também aprenderam a gostar da sétima arte em casa, onde também se aproximaram da música. Na coleção de vinis do pai deles, além de discos de jazz, havia espaço para Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e Beatles – ainda hoje uma das bandas favoritas de Tomaz.

O manguebeat também deixou sua marca. “O primeiro show que eu fui na vida foi de Chico Science. Eu não tinha noção da força que Recife tinha. Minha vida mudou totalmente, virei mangueboy”, Mateus conta.

Nos anos 2000, os irmãos formaram uma banda, a Profiterolis, ao lado de cinco amigos. “Algo de rock e blues, um pouco de samba, alguma coisa de soul e uma tentativa sincera de suingue”, era como descreviam a sonoridade. Com Mateus no baixo e Tomaz na guitarra, o grupo chegou a se apresentar na primeira edição do festival No Ar Coquetel Molotov, em 2004. No ano seguinte, Tomaz trabalharia pela primeira vez com cinema. Ele assinou a trilha do filme Cinemas, Aspirinas e Urubus, longa-metragem que deu o pontapé na carreira do também recifense Marcelo Gomes.

Quatro anos mais novo que o irmão, Mateus teve algumas experiências desenvolvendo músicas para curta-metragens nessa época, mas estreitou sua relação com a área um pouco mais tarde, depois de finalizar, em 2013, um mestrado em composição na Royal College of Music, em Londres. 

Embora conhecessem Kleber Mendonça Filho por amigos em comum, Mateus só trabalhou pela primeira vez com o diretor em Aquarius. O filme de 2016 usou um dos primeiros temas que Mateus criou para orquestra. “Hoje em dia, a música que fiz parece ser da trilha original, porque eles usaram de um jeito muito inteligente.”

Na obra seguinte, Bacurau (2019), os irmãos se encontraram. Durante o desenvolvimento da trilha, eles tinham mais trocas com o co-diretor Juliano Dornelles. A experiência foi muito importante na carreira dos dois, porque com os holofotes voltados ao filme, vencedor do Prêmio do Júri em Cannes daquele ano, o nome deles ficou em evidência e surgiram convites para outros trabalhos.

Antes de O Agente Secreto, Tomaz colaborou em Retratos Fantasmas (2023), criando músicas que serviram de pano de fundo para o documentário. “O momento atual pro cinema no Brasil está muito bom, muitos filmes sendo feitos. De qualquer forma, sinto que ainda é bem difícil achar espaço para trabalhar com música para cinema”, reflete o compositor.

Para Mateus, uma analogia consegue explicar o papel da música no cinema: “Em termos de produção, um filme é um trem. Kleber está no primeiro vagão, como o cara que está guiando. Mas existem também outros vagões lá atrás, com todo mundo no mesmo embalo. Estamos no vagão da música, e a gente vai ficar nele por um tempo ainda.”

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08/12/2025

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Thaís Ferreira