Colecionar discos de vinil é um hobby que voltou com tudo, junto com o desejo crescente das pessoas em desapegar do consumo de mídia digital. Muitos são os fatores que atraem um colecionista; e todas passam pelo prazer e qualidade estética que a mídia física proporciona.
Uma capa valorizada pelo tamanho dos LPs, o encarte e informações extras de um disco, por vezes, podem atrair tanto quanto a própria execução do vinil na vitrola. Por isso, a Noize foi atrás de amantes do vinil que começaram suas coleções antes mesmo de pensar em comprar um toca-discos.
Resgate afetivo
Para a colecionadora Julia Arruda, 21, a decisão de começar uma coleção de discos foi por influência do pai, que resgatou algumas obras da casa de sua avó. “O que me motivou a começar a colecionar, foi 100% o meu pai, porque um dia quando eu estava na casa da minha avó, depois que ela faleceu, ele começou a fazer uma limpeza, pegando coisas entre ele, os irmãos, o que eles iam guardar, o que eles iam vender… E ele já tinha me falado dessa coleção que ele tinha de disco de vinil e LPs.”
Julia também revelou que seu gosto musical foi pautado por seu pai, e os vinis fizeram parte disso. “Ele me mostrou o ‘Cotidiano’ do Chico Buarque e me passou esse gosto por MPB, Bossa Nova, enfim, gosto musical no geral. Quando ele começou a mostrar os discos que tinha, eu me encantei. Falei: ‘Nossa, eu quero todos’.” Para ela, os vinis são uma forma de se conectar com a família.
“Eu vejo essa coleção como algo afetivo, porque praticamente todos os discos que tenho são do meu pai. E eu não guardo com essa ideia de tipo ‘quero ser uma colecionadora de discos’ ou vender futuramente’. Apesar de gostar muito de música e dessa parte artística, eu atrelo isso 100% ao lado afetivo por ter vindo praticamente tudo dele. As partes que eu não tenho estão com o meu irmão, então é uma coisa bem familiar”, refletiu.
“Meu pai ouvia na vitrola na época dele, quando ele tinha mais ou menos uns 16 anos. Depois não lembro se ele chegou a vender [a vitrola], mas ele já não tinha mais desde que eu nasci. Aí ele falou: ‘Ah, se você quiser mesmo sem uma vitrola, eu dou para você sem problemas’. Eu super topei.”

Julia também ressaltou o interesse de ter um toca-discos no futuro, como forma de investimento: “Desde o primeiro dia que ele me falou, eu já tinha essa intenção de comprar uma vitrola, mas não era uma necessidade, porque eu sabia que era uma coisa cara, é um investimento.”
Para ela, a paixão pelo vinil mora em outros pontos. “Mesmo ainda sem ter vitrola, não vejo problema em pessoas que só compram, por exemplo, pela capa, só querem por uma decoração, porque acho que a função do objeto é o que você vai delimitar para ele. Seja uma só, seja várias, seja a função original ou não original, eu não acho que exista uma regra a ser seguida”.
Ela continua: “Cada um ouve, coleciona e guarda de uma forma. Acho que o legal é isso, ter cada um usando de formas diferentes a mesma coisa e não só numa função original que alguém delimitou há muito tempo, especialmente porque as coisas vão se modernizando”, conta.
Julia também disse que, apesar de não ter uma vitrola, escuta todas as músicas dos discos que tem. “Não tem nenhum disco que eu ouça e que não goste do artista. Todos eu praticamente já conhecia antes, ouvia por Spotify e outras plataformas, YouTube ou até mesmo CDs. 90% do que eu tenho é MPB, Bossa Nova, Rock, e é o principal foco do meu gosto musical. Eu tenho inclusive alguns discos que eu nem acho a capa tão bonita, mas amo o álbum, eu amo a música”, finaliza.
Capas icônicas
Já o colecionador Marco Bardelli, 27, assinante da NOIZE Record Club, começou a coleção aos poucos, pensando nos artistas que gostava – independente de ainda não ter um toca-discos. “Eu diria que é um investimento afetivo, porque não sou um colecionador de muitos discos”, diz.
“Os que eu compro para além da Noize são muito cirúrgicos de shows que fui, de artistas que eu gosto, de lançamentos que gostei, mas são coisas muito pontuais. Por exemplo, o disco da Juçara Marçal, e do Kiko Dinucci, que são pessoas que eu acompanho o trabalho e que me sensibilizam”, revelou.
Além disso, ele também pontuou que as capas dos discos são um grande atrativo para a escolha de um vinil. “Com certeza a música está sempre em primeiro lugar, mas a capa se soma a isso também. Nunca comprei só por ela, porque geralmente quando uma me chama atenção, eu automaticamente vou atrás da faixa. O disco da Marina Sena — Coisas Naturais — que chegou, a capa é notável, todos do Tom Zé, essas capas icônicas, me levam a conhecer a música.”
Ao serem questionados sobre os discos de vinil terem virado uma forma de símbolo, os entrevistados possuem opiniões distintas. Para Julia, a tendência é que os objetos não tenham apenas um propósito, e possuam uma pluralidade de significados. “Eu não acho que as coisas no geral precisam ficar o resto da vida com o mesmo propósito inicial. Então, hoje o vinil pode ser um objeto artístico e decorativo, eu não vejo problema.” Na visão de Marco, o vinil é uma forma de conexão emocional.
“Vejo mais como uma questão afetiva e um chamado a escuta atenta, que é uma coisa que eu também estou tentando fazer ou tento fazer no fone de ouvido e no streaming. Não que um vinil não possa estar tocando numa confraternização, ele até tem esse efeito também. Mas via de regra, ele convida para uma escuta atenta, pausada.”
Ele completou: “Até se desfazer de um disco é afetivo. Um dos discos da Noize que vou receber é o do Rubel — Beleza. Mas agora a gente faz o que com isso? — Eu não sou um grande fã, mas tem uma amiga que é, então eu vou dar esse disco para ela.”