“O pagode é o R&B do Brasil“, diz Laura Padaratz, do Origami, conheça o projeto

23/10/2025

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Por: Davi Maia

Fotos: Divulgação

23/10/2025

Quatro trajetórias distintas, um mesmo quintal de casa e um EP que busca dobrar referências para formar algo único. Assim nasce Origami, projeto colaborativo que reúne a catarinense Laura Padaratz, o carioca Luthuly, e os produtores Theo Zagrae e João Vinicius Barbosa.

O trabalho é um mergulho na confluência entre brasilidades e o R&B contemporâneo. A ideia surgiu de encontros informais no Rio, quando Laura, recém-chegada de Florianópolis, se aproximou da cena carioca através de Luthuly, amigo que guardava admiração desde quando conhecia só das redes sociais.

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“Eu e a Laurinha nos seguimos por esse lugar do R&B; vi nela muita técnica e versatilidade vocal. Naturalmente fomos nos entendendo na composição, nos inspirando um no outro – eu venho um pouco mais ‘MPBziado’ e ela vem de um lugar mais ‘americanizado’. Quando junta esses dois lances dá um molho grande”, conta Luthuly.

Já Laura destaca como o Rio influenciou sua forma de criar:

“O Rio carrega muito samba e pagode – e o pagode é, de certa forma, o R&B do Brasil. Eu me considero uma artista de R&B, é o que mais consumo musicalmente, então é inevitável sentir essa influência nos artistas do Rio”

A partir dessa conexão, entraram em estúdio com Theo – duas vezes vencedor do Grammy Latino e creditado em produções de discos como Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água (2020), da Luedji Luna e Diamantes, Lágrimas e Rostos pra Esquecer (2024), de BK’– este co-produzido também por João.

Para além da bagagem, com direção de shows especiais com enfoque em cordas, como o Cordas e Ruínas, de BK, João Vinicius é sobrinho-neto do cineasta Zózimo Bulbul e tem nas veias a marca de uma família de artistas pretos. A conexão entre Luthuly e Theo Zagrae tem raízes no projeto Proteja Os Seus Sonhos (POSS), uma iniciativa que também contou com a parceria da plataforma de cultura negra AUR.

Voltado para dar autonomia e protagonismo aos artistas, o POSS foi o ponto de partida para que Luthuly e Theo se conhecessem profissionalmente. “Isso abriu margem pra conhecer novos artistas dentro do R&B e mostrar vivências diferentes”, conta Luthuly. O projeto POSS foi decisivo não só para criar redes de colaboração, mas também para fortalecer a confiança artística entre os envolvidos.

Theo acompanhou de perto essa efervescência da nova cena de R&B no Brasil, e a experiência com Luthuly no POSS se transformou em amizade e parceria criativa que se estende até Origami. “Como produtor, sempre gostei de investir em artistas que trouxessem ideias novas – desde harmonia, narrativa, melodias que contassem do bairro, do amor no prédio – coisas periféricas que eram traduzidas em outros ritmos”, disse. O cotidiano foi um ingrediente essencial na construção de Origami.

Produzido de forma independente, grande parte do EP nasceu na casa de Theo, com uma rotina que misturava conversas e experimentações musicais. Entre mesas de bar, tardes e madrugadas no estúdio de gravação, o EP absorve esse senso de intimidade e proximidade, tornando o cotidiano dos artistas parte integrante da narrativa musical, transbordando em uma narrativa próxima, que fala de amor, entre bons momentos e dificuldades.

Para Laura, recém-chegada de Florianópolis, o Rio trouxe um impulso inspirador: “Eu sempre tive um amor pelo Rio. Desde que eu e o Luti nos conhecemos, todas as vezes que eu vinha a gente se encontrava. O Luthuly me mostrou uma parte do Rio que eu não estava acostumada e fui gostando cada vez mais. Essa vibe toda é muito massa – é contagiante. Acho que consegui trazer meu lado catarinense, mas já estou bem mais influenciada pro lado carioca”.

Theo descreve o trabalho como um processo coletivo e orgânico, diferente de suas produções anteriores: “Num disco tradicional (como o do BK), há pesquisa e um trabalho com destino final claro. Aqui foi o oposto: tivemos que acreditar, nos encontrar, ouvir, trocar ideia. Todo mundo tem a mesma vontade, mas modos diferentes de pensar”, diz.

João reforça: “Quatro pessoas com bom gosto se encontraram e fizeram acontecer. Trabalhar num ambiente confortável fez as ideias florescerem – com pé no chão, porque é um trabalho independente, mas com muito bom gosto”.

Origami, Vol. 1 (2025) faixa a faixa:

“06/09”: com título em referência ao dia do sexo, e última faixa a ser composta, quase ficou de fora, até se tornar peça central do EP. Criada quase no silêncio de uma noite em casa, a música nasceu de forma espontânea, captando a energia orgânica do quarteto.

“Faltava uma ‘maldade’ no EP, algo mais sensual, mais explícito. Essa música trouxe isso”, lembra Luthuly. Laura se apegou à faixa pelas referências de R&B: “Se não me engano, surgiu quando a gente estava falando de Positions, da Ariana Grande. Os acordes lembram!

“Fácil”: marcada pelo arranjo de cordas, foi ousada desde a concepção. “As cordas entraram como uma citação de uma música do Ivan Lins, “Depois dos Temporais” – fizemos um sample reverso”, explica Theo. Laura acrescenta: “Quando componho letra e melodia eu já penso em backing vocals instantaneamente. Essa música tem muita resposta, muita camada de voz. O João ouviu minhas ideias de backing e pensou em transpor isso para cordas também”. A faixa desenvolve o lugar de melancolia de um casal entre insatisfações mútuas e a confiança por um lugar melhor.

“Balançou”: a mais rítmica do EP, nasceu do desejo por algo mais upbeat. “Sentimos necessidade de uma música com groove marcante de bateria e percussão. O Theo trouxe o beat, que era a cara do Luthuly”, diz Laura. Apesar das dúvidas iniciais sobre sua parte, o cantor revisitou a letra: “Pedi ajuda da galera para manter o que estava funcionando, mas reconstruir de um jeito que eu me sentisse bem. No fim, mantivemos o axé, a energia, e funcionou”. A terceira faixa do EP vai exatamente ao encontro do lugar do cotidiano, da cultura de rua e do terreiro, lugares tão caros para o artista.

“Todo Dia”: uma das favoritas do grupo, surgiu de madrugada, quando todos já estavam cansados. “O Theo chegou a sugerir parar. Eu pedi só para gravar uma ideia no celular. Ele falou: ‘Microfone, por favor’. E dali nasceu a faixa”, lembra Laura. Para Luthuly, ela sintetiza o espírito do trabalho: “Essa música mostra muito nosso processo: cada um trazendo sua singularidade, até que tudo converge. O nome Origami traduz bem isso – dobra sobre dobra, mundos diferentes se juntando num formato único”.

“Talvez”: com forte influência indie, foi uma experimentação de texturas, que se desenvolve para o fim numa virada surpreendente entre referências de João e Theo para a ruptura de um lugar de similaridade à Best Part. “A ideia era ter uma faixa com mais textura, meio indie, meio underground”, conta João. Laura completa: “Eu já tinha amado só o instrumental. Mas o Theo sugeriu trazer um hook vocal. O Luthuly trouxe a frase, e eu dobrei vozes, até com uma ref gospel. Foi um processo de complementação”.

23/10/2025

Davi Maia