Nascida em Guabiraba, bairro de Recife que dá nome ao primeiro EP, Guabiraba Chicago, a multiartista Paulete Lindacelva é um daqueles nomes que, caso você seja pelo menos um pouco familiar com a cena underground brasileira, sem dúvidas, já ouviu falar. Indicada ao prêmio Multishow como DJ do Ano, Lindacelva lança, nesta sexta (22/8), seu mais novo EP, Ácido Brasil.
“São Paulo ocupa um papel central, é um território que fez eu ter o que eu tenho atualmente, mas, ainda mais importante, me faz ser quem eu sou”, afirma Paulete, sobre a capital paulistana, onde mora e que ocupa o espaço de protagonismo em seu novo projeto.
Com cinco faixas, incluindo o single “Nena Ácida”, o EP expressa o caos afetivo que é São Paulo na mente da artista. Mesclando o house — pelo qual é mais conhecida — com o acid, além de elementos orgânicos e momentos vocais, Ácido Brasil apresenta uma nova face de Paulete Lindacelva, dando espaço à sua persona e suas distorções.
O novo projeto de Paulete conta com poesias de sua própria autoria, abrindo seu universo interno em cima das batidas meticulosamente criadas para combinar com os versos. Em um momento em “Heliogábalo à Brasileira”, a cantora declama “A morte assovia no canto do dia, mas, eu dou risada com sabedoria”, conectando esse espaço poético com sua vivência como artista travesti e preta no Brasil, especialmente nos dias atuais.
“Eu vivo minha vida, sou quem eu sou, mas, no cotidiano, a gente lida com o mundo”, explica, “Eu me conheço e eu me identifico como uma pessoa trans desde os meus 15 anos. A minha identidade está certa e está em tudo o que eu faço, mas ela não é o que eu faço”.
“Ácido Brasil” também traz à tona a conexão da multiartista com a literatura brasileira, utilizando um poema de Augusto dos Anjos, “Psicologia de um Vencido”, em “Ode aos Anjos”. “É um poema que tenho uma ligação há muitos anos, desde que eu era adolescente”, conta Paulete: “Ele fala muito sobre o quanto a gente é perecível e o quanto São Paulo nos mostra isso. É uma cidade que exibe esses abismos em vários momentos, né?”.
Paulete elegeu São Paulo como protagonista do EP devido à sua conexão inerente com a cidade, mas, principalmente, por seus laços afetivos com ela. Afirmando que se apegou “aos encontros, à comida, à noite”, a artista conta que Ácido Brasil nasce desse mapeamento do que ela ama na capital paulista, “São Paulo tem essa dualidade para mim, ela vai da cidade que te joga para morte, a uma cidade que pode te proporcionar coisas legais, encontros generosos e uma vida menos precária”.
Um desses encontros foi o que levou à imagem da capa do novo projeto. Capturada na varanda da casa de uma amiga, a foto vê Paulete, que se encontra quase deitada em cima de um viaduto, o que, para ela, representa a sua visão de São Paulo: “Aqui tem muito do que para mim é São Paulo. Tem o MASP e tem uma encruzilhada, que é o lugar dos encontros dentro da cultura iorubá. É sobre você entender seu caminho, encontrar seu caminho. E é uma encruzilhada de cinco pontas, babadeira”.

A cultura de Paulete também se faz presente nos aspectos sonoros orgânicos do projeto, trazendo sonoridades brasileiras, com raízes na negritude, como parte do EP. Em diversas faixas, é possível notar elementos de samba, baião, maculelê e coco,o criando a narrativa multicultural de Ácido Brasil, o que também se conecta à capital paulistana.
“Sou muito fã da música brasileira, obcecada”, afirma Paulete. “Não seria meu trabalho se eu apenas trouxesse referenciais da música eletrônica, para mim, a música brasileira é indissociável. E se não conseguisse colocar o que coloquei, não teria lançado”.
Celebrando um ano desde seu último EP Guabiraba Chicago, Paulete diz que não houve muitas mudanças entre os projetos. “Um ano não é nada. Definitivamente acho que uma pessoa que diz que mudou em um ano, está mentindo”, mas, nesse meio tempo, a artista começou a cuidar mais de si mesma —o que transparece no novo projeto.
“Abri os olhos para o que precisava de cuidado dentro de mim. Foi aprender a colher o que vem, de maneira mais espontânea, e acreditar que as coisas vão acontecer, porque é aquilo de quem tem axé, tem axé, eu sei que eu tenho”, finaliza.