Sangria (2025), novo álbum de Pedro Iaco, surge espiritualizado e com muitos momentos instrumentais. Em treze faixas, o artista paulistano reflete sobre o divino, o Brasil, vida e renascimento, com DNA erudito, mas sem abrir mão da história popular.
Seu próprio nome artístico, Iaco, foi escolhido pelo violonista Guinga e faz referência a mitologia grega, especificamente ao deus Dionísio, uma das divindades mais populares da Grécia Antiga. Muitas faixas falam sobre a pandemia e transmitem, seja pela letra ou somente pela melodia, a incerteza de um período.

Pedro tem uma formação clássica, que passa pela Inglaterra a Nova York, e chega às orquestras, sopros e trompetes, trabalhando ao lado de grandes nomes, como Bobby McFerrin. Na hora de construir Sangria (2025), e suas produções anteriores: Rio Escuro (2017) e Pedro Iaco (2019), ele manteve essa sonoridade em mente.
Nas participações, nomes globais estão listados: os alemães Hansi Kürsch e Marcus Siepen, da banda Blind Guardian, a russa Liuba Klevtsova, o guineense Mû Mbana e a venezuelana Elodie Bouny, que é responsável pelos arranjos e produção do disco.

O Brasil também está contemplado nas parcerias com os pianistas André Mehmari e Erika Ribeiro, a cantora e violinista Luísa Lacerda, o quarteto de cordas Ensemble SP e os percussionistas Thiago Lamattina e Guegué Medeiros.
Pelos nomes dá para perceber, é um álbum com pinta de clássico e toque de ópera. Mas essa orquestra é diferenciada, bebe da tradição europeia para criar uma narrativa latina, refletindo sobre a formação do Brasil. Em cada canção, Pedro Iaco conta uma história diferente, mas que, juntas, fazem parte de algo maior. Veja faixa a faixa a seguir.
“Sangria”: é uma homenagem às vítimas da pandemia. Jornada para além da vida e da morte, rumo ao renascimento, o coral explosivo jorra a emoção de um vulcão em erupção. É, talvez, o hino de um país que ainda está nascendo, em nome de uma legião porvir.
“Vênus”: é a primeira luz de uma nova primavera. O planeta que anuncia o amanhã gesta o destino com a harpa de Liuba Klevtsova e a voz de Luísa Lacerda encarnando a deusa da mitologia.
“Deus Sol”: é uma ode ao astro-rei para que o guardião nos ilumine. A luz nasce da voz de Pedro Iaco, assim como o calor do quarteto de cordas Ensemble SP.
“Sol da Meia-Noite – Piano”: é o eclipse entre despedida e início, valsa que celebra a imortalidade da vida e a vitalidade da morte ao piano de Erika Ribeiro.
“Moonvow (The Wind Blows)”: tem participação especial dos lendários Hansi Kürsch e Marcus Siepen – vocalista e guitarrista da banda alemã Blind Guardian. A canção narra a história de uma pessoa que, ao cair do luar, se transforma em lobo. As melodias foram criadas em contrastes com uivos e trazem Pedro dividindo os vocais com Hansi. Dança lenta cheia de amor e afeto.
“Pavane”: é o sonho de um menino e sua mãe. Pedro Iaco canta essa história sem palavras em vocalise, acompanhado do quarteto de cordas Ensemble SP.
“Alma de Choro”: fantasmagórica, a música instrumental é interpretada pelo Duo Siqueira Lima com arranjo de Elodie Bouny. Um choro brasileiro com alma universal.

“A Valsa do Apocalipse”: nasceu no momento mais agudo da pandemia, em que ninguém sabia o quanto duraria o nosso isolamento: à época, muitas pessoas sonhavam com a imagem de uma onda que crescia em câmera lenta no fundo do oceano. Um poema de Emilio Terron foi adaptado para a canção, onde o eu-lírico é o próprio vírus: “Sou tempestade invisível, cheguei sorrateira e tudo mudou (…)”.
Aqui, Pedro nos convida a experimentar a proximidade da morte como saída para libertar uma camada mais profunda de vida. A melodia faz referência a oração caótica nas vocalizações de Mû Mbana, que, em dueto com Iaco, traz uma experiência única em que as linhas de cravo, compostas por André Mehmari, sugerem desespero, exasperação, pesadelo e sonho.
A percussão e o vibrafone de Thiago Lamattina e um quarteto vocal lírico transbordam uma ode ao início e ao fim da humanidade. A música se transfigura em um trilho com direção às camadas mais densas da existência, em que o desespero humano foi de fato levado a seu ponto máximo; mas a saída é pela África.
“Coraçãozinho”: a canção acolhe o pequeno coração que busca por carinho.
“Galope em Pé de Vento”: é o hinário de um santo guerreiro. Lenda de um cavalo alado, a peça começa em estilo épico e cai na festa de um baião apimentado pela percussão folclórica de Guegué Medeiros. Voz e violão de Pedro Iaco são acompanhadas pelo Ensemble SP em uma celebração do mistério, da alegria e da embriaguez. No fundo, é uma canção de amor.
“Sol da Meia-Noite”: a valsa reaparece dessa vez com letra, na poesia que sorri e chora, surge e grita. A sensação é de duas vozes em uma, como se Lua e Sol cantassem o masculino e feminino do claro-escuro através do canto de Pedro Iaco e do piano de Erika Ribeiro. É preciso morrer para nascer e nascer para poder morrer, se todo eclipse é o fim e o começo ao mesmo tempo, Sol da Meia-Noite é a dança entre humanos mortais e deuses imortais.

“Sol do Meio-Dia”: a canção anuncia uma luz no fim do túnel, passando um recado de esperança. O violão de Elodie Bouny se entrelaça ao violão e voz de Pedro Iaco assim como o Sol entra por todas as frestas, iluminando o nascer do dia.
“O Vôo do Espírito Livre”: a história do Brasil é redescoberta a partir da perspectiva indígena e o encontro com os povos africanos e chegada dos europeus: épica, a música começa antes de 1500 e aponta para um futuro renascido por Tupã. O que existirá depois do Brasil? O que existia antes?
A metamorfose dos 3 povos que nos originaram cria um destino ancestral: a junção do sangue dos nossos antepassados minerais, vegetais, animais, vermelhos, pretos, brancos – de todas as cores – criou a vida da gente que existe hoje. A águia dourada da música talvez simbolize a cobiça dos invasores que vieram do norte.
O Baobá foi a árvore trazida da África, mas também a madeira das embarcações que forçadamente trouxe tantos seres humanos para cá. Deus, Diabo, milagre: o dragão, como estes conceitos, é uma criatura que tem um significado diferente para cada cultura.
Será que o Brasil existe de verdade ou é só um conceito abstrato para amarrar a ideia de um país que talvez morreu ou, se nasceu, pede por um renascimento urgente? O “Vôo do Espírito Livre” é sobre a libertação de nós mesmos, a desencarnação e reencarnação de um povo, para além de uma bandeira, de um corpo, de tudo e nada, para todos e ninguém.
A voz de Pedro Iaco e o cravo de André Mehmari nos arremessam a uma viagem para além do tempo-espaço que voa como uma flecha para uma nova cosmogonia.