Depois de três anos sem inéditas, Pelos ressurge com Noturnas (2025), seu quinto álbum. Lançado em agosto — com produção comandada por Henrique Matheus e Thiago Corrêa (ex Transmissor) — as nove faixas levam o rock às pistas de danças, com toques de pop, soul e afrobeat.
Formado por Heberte Almeida (guitarra), Kim Gomes (guitarra), Pablo Campos (bateria e percussão), Robert Frank (voz, violão, sintetizador e piano) e Thiago Pereira (baixo), o Pelos é figura conhecida da cena independente mineira, com mais de 25 anos de carreira.
A discografia do grupo, em ativa desde 1999, se completa com: Memorial dos Abismos (2008), Olho do Mundo (2012), Paraíso Perdido nos Bolsos (2016) e Atlântico Corpo (2022). Noturnas (2025) — realizado com apoio do Edital BH Múltiplas Artes e Culturas — é uma homenagem à noite e à música local.
“Queríamos fazer um disco com boas canções, um disco que gostaríamos de ouvir. O trabalho é uma revisão de toda a nossa trajetória. Tenho achado bonito esse momento. É um momento de maturidade, inclusive, do processo de fazer o álbum, das composições, do profissionalismo de sentar e escrever. Esse lugar de encarar enquanto um trabalho de transpiração, muito além de inspiração”, explica Robert.
O álbum traz ainda feats com Fernanda Valadares e Michelle Oliveira. O vocalista, inclusive, recebeu um convite para participar da nova produção da Filmes de Plástico, O Último Episódio, no papel de Mauro. Confira aqui nossa entrevista com Johh Ulhoa e Richard Neves, do Pato Fu, que assinaram a trilha sonora.
Noturnas faixa a faixa:
“Santelmo”: essa tem cara de abertura, com sua aura de mistério, tensão crescente e explosão de energia no final. É uma música de guitarras que há muito tempo a Pelos não fazia. Desde o momento inicial em que começamos a trabalhar nos arranjos, a gente já sabia que ela seria a primeira música do disco, e, no primeiro verso da letra, já tinha a temática do álbum.
Entretanto, só no final da masterização é que percebemos que a noite era o tema central. “Santelmo” também me traz a sensação de uma cena musical e de uma sonoridade do indie dos anos 2010. Uma época de grande agitação das bandas de rock na cena independente. De certo modo, a música representa um encontro da banda com sua história, mas sem resultar num som nostálgico.
“Incêndios”: para criar o repertório do disco nós fizemos duas grandes imersões criativas. “Incêndios” é uma música da primeira safra, que surgiu de uma base de 02 acordes que o Kim trouxe. Ela é muito fruto deste processo de criação em que ficávamos horas tocando, experimentando e descobrindo ideias. Esse caráter de jam dá pra sentir especialmente na introdução, que tem uns acentos diferentes.
Numa primeira audição, parecia que a canção iria percorrer uma sonoridade mais oitentista, com seus fraseados guitarrísticos que traziam à memória Duran Duran e Chris Isaak. No entanto, a música se desenvolveu como uma canção soul com ecos de dub, reggae e rock. Vale ressaltar o Thiago Corrêa, que é um dos produtores do álbum, que sugeriu uns vocais femininos agudos dobrando com a voz grave do Robert. Dessa sugestão, nós chegamos na Fernanda Valadares, que é uma excelente cantora (FBC).
“Outros Azuis”: é uma canção que surge diferente no processo de criação. Eu já cheguei com ela pronta pra mostrar pra banda. Quando toquei pela primeira vez, eu fiquei até em dúvida se seria uma música da Pelos, pois ela entraria tranquilamente no repertório dos meus discos solos. Outros Azuis soou lindamente na voz do Robert e construímos um arranjo que no verso conversa com o Lô Borges e no refrão fala com o Tim Maia. Na transição do fim de tarde para a noite dá pra notar várias tonalidades de azul. O motivo da letra vem dessa sobreposição de cores e das sutilezas.
“Noites Nômades”: temática e sonoramente, “Noites Nômades” é uma das canções-chave do álbum. O Thiago apresentou a composição, e foi a primeira proposta que começamos a trabalhar no período das imersões criativas. Essa deu muito trabalho pra encontrar o arranjo e o andamento ideal. É uma música muito física, com 03 partes diferentes e cheia de elementos. Um encontro inusitado e bem sucedido de afrobeat, soul, merengue e synth-pop 80. Transpondo para a temática do disco, seria eventualmente uma noite longa de vários botecos, festa, drogas, exageros, sexo, confusão, ressaca e tal. Destaques para as congas que o Pablo gravou e para os arranjos de cordas, que é um dos mais legais que eu já fiz.
“No Coração do Mundo”: foi a última que fizemos pro álbum. É uma música festiva e dançante que a Pelos finalmente se permitiu fazer e que diz muito sobre a liberdade criativa da banda. Imaginávamos que a energia da música pedia um texto sobre rolês noturnos. Daí, o Robert criou essa letra sobre a liberdade do corpo e das vivências do sexo. As mudanças no som da banda ocorrem também por causa dos novos instrumentos que vamos adquirindo.
Nos álbuns anteriores, tem uma presença forte de timbres de pianos elétricos. Em Noturnas, destaca-se o uso do microkorg, que é um sintetizador clássico e estiloso. “No Coração do Mundo”, que em sua versão demo se chamava Disco Baby, é desenvolvida pelos sons sintetizados das cordas e pelo som marcante do Arpeggiator. Para dar mais pique à proposta dançante, gravamos as percussões do Pablo e um arranjo de metais feito por mim e pelo Kim.
“Acaiaca”: entre 1999 e 2012, a banda se chamava Pelos de Cachorro e, em seus primeiros de atividade, apresentava uma musicalidade fortemente orientada pela melancolia pós-punk do The Cure e Legião Urbana e, também, pela sonoridade gótica do Bauhaus, dentre outros sons sombrios. “Acaiaca” é uma homenagem ao passado da banda e às suas referências históricas.
Com um riff de baixo marcante e uma bateria firme, a música cresce com diversas camadas de sintetizadores e guitarras sujas com chorus e delays. Nostalgia à parte, poderia se dizer que “Acaiaca” é filiada ao Shoegaze, que é a instituição mais relevante do rock alternativo atual.
“Panorama”: dentro da temática do disco, essa seria a música das primeiras horas da noite, logo quando você tá saindo do trabalho, pega um trânsito intenso e vai pra casa cansado. É mais uma faixa em que os cinco da banda assinam a composição musical. A partir de um riff pesado e cíclico trazido pelo Pablo, nós criamos a música e eu escrevi os versos. “Panorama” tem um jeitão de trilha sonora, ambientando uma letra em que BH seria a personagem, num roteiro que parte do centro para um bairro mais distante. É uma sonoridade densa com uma métrica circular que dialoga com o rock dos anos 1970 e do Clube da Esquina, especialmente na figura do Beto Guedes.
“Insustentável Leveza”: ao longo dos últimos três anos, antes de inúmeros ensaios e passagens de som, o Thiago tem tocado um mesmo riff no baixo. Agora este fraseado já tão conhecido por nós se concretizou em música. Ele trouxe a canção toda pronta. “Insustentável Leveza” é o aceno mais forte da banda à black music dos anos 1970, incorporando a sonoridade e a imagética da Blaxploitation. Mais uma vez tivemos a alegria de contar com os vocais da Michelle Oliveira em dueto potente com o Robert.
“Da Beira de Tudo”: é uma música que tem uma assinatura do Leonardo Marques, que, lá de Los Angeles, mixou e masterizou todo o álbum. Especialmente para esta faixa, o Léo trouxe uma ambientação diferente pra bateria e contornos épicos ao arranjo de cordas feito no Mellotron.
Uma canção da dupla Robert e Kim, cuja estrutura e clima se assemelha a “Tema Para Um Homem em Queda”, faixa que fecha o Atlântico Corpo. Neste caso, em vez de ruídos estrondosos e vocais quase guturais, a banda optou pela textura de cordas sintetizadas e a melancolia de guitarras slide floydianas na seção derradeira e densa da música. “Da Beira de Tudo” diz sobre a paz que o passo traz. Um encerramento bonito, sóbrio e acalentado.
