A Última Ponta, turnê de despedida do Planet Hemp, está se aproximando e promete fazer cabeça do público. A banda passa por Salvador (13/9), Recife (20/9), Curitiba (3/10), Porto Alegre (4/10), Florianópolis (12/10), Goiânia (17/10), Brasília (18/10), Belo Horizonte (31/10), São Paulo (15/11) e Rio de Janeiro (13/12). Os ingressos já estão disponíveis no site da Eventim.
Após 30 anos de história, os maconheiros mais famosos do Brasil decidiram encerrar sua carreira passando, novamente, por um auge. “Acabar agora é também preservar o orgulho e o carinho pelo legado da banda. Encerrar com uma turnê foda, com um show que talvez seja o maior da nossa história. Acho que o Planet merece isso. É melhor do que ir definhando aos poucos, como acontece com muitas bandas”, declarou Marcelo D2 em entrevista à NOIZE.

Além de D2, estarão no palco BNegão, Daniel Ganjaman, Nobru, Pedro Garcia e Formigão. A turnê passará por grandes palcos, como o Allianz Park, a Fundição Progresso e a Concha Acústica, consagrando a trajetória de uma das bandas mais importantes da música brasileira, política e musicalmente.
“Receber esse axé da galera é um orgulho danado, porque é como retribuir o que fizeram por nós. Quando eu ouvia Cólera, Inocentes, Garotos Podres, DJ1, Racionais… era aquilo que mexia com a minha cabeça. Você também quer passar adiante essa semente da rebeldia, da tentativa de mudança, de incomodar o status quo. Isso é uma das grandes coisas de que me orgulho, algo que não tem preço”, declarou BNegão.
Os shows contarão com participações especiais ainda não reveladas. Em São Paulo, a apresentação será aberta pelo BaianaSystem. Para você que é do Rio de Janeiro, uma informação importante: a data e o local do evento mudaram. Confira todas as informações aqui.
Batemos um papo com D2 e BNegão sobre A Última Ponta e a trajetória do Planet Hemp. Confira abaixo a conversa completa.

Primeiro, queria saber a pergunta mais óbvia dentro desse contexto que vocês estão vivendo: como surgiu a ideia de encerrar o Planet Hemp justamente agora? Vocês tiveram uma pausa — faziam shows, mas sem gravar discos — e aí veio Jardineiros, depois A Colheita. Como surgiu essa decisão e como é essa sensação para vocês?
Marcelo D2: Eu acho que é isso mesmo que o Bernardo (BNegão) tem falado: acabar lá em cima. De certa forma, a gente tenta acabar a banda desde 94, 95, tá ligado? Sempre rola essa dúvida se continua ou não. Tem milhões de respostas para essa pergunta. Fazer parte do Planet nunca foi fácil. Foram 30 anos mantendo uma banda como a nossa, que é quase única. Foi uma luta pesada, seguramos muita bronca.
O Planet entrou na minha vida — na vida de todo mundo aqui — como um furacão. De moleques viramos artistas de rock do nada. E o Planet é isso que o Bernardo fala: uma banda underground que habita o mainstream. Não somos uma banda mainstream. Então, por vários motivos, a gente sente que chegou a hora.
Temos orgulho do que construímos e queremos deixar o Planet nesse lugar alto.
BNegão: É isso. O Planet está num momento muito legal, como banda, como som, como reconhecimento. Voltamos com Jardineiros, honrando nossa discografia, depois veio A Colheita, e a gente virou uma banda premiada. Nunca tínhamos ganhado nada e de repente estávamos concorrendo ao Grammy Latino, ganhando prêmios. Aí surgiu o debate: dar um tempo, finalizar ou seguir? E eu cheguei na conclusão de que seria maneiro finalizar estando bem. O Planet está num momento foda, com shows incríveis, disco bom. Então faz sentido encerrar nesse auge.
Marcelo D2: Exatamente. Entre a gente também está tudo bem. Estamos mais velhos, somos amigos de verdade, que se preocupam um com o outro, que fazem parte da vida um do outro. E entendemos que o fim do Planet não significa o fim disso aqui.
A gente é parte de uma tribo que vai seguir em frente, juntos. Acabar agora é também preservar o orgulho e o carinho pelo legado da banda. Encerrar com uma turnê foda, com um show que talvez seja o maior da nossa história. Acho que o Planet merece isso.
É melhor do que ir definhando aos poucos, como acontece com muitas bandas.
É quase como evitar o risco de virar uma banda cover de vocês mesmos.
Marcelo D2: Exatamente. O Planet precisa estar na linha de frente, na porrada, bomba na polícia, falando o que a gente sempre falou, entrando em conflito. E a vida vai chamando pra outros lados também: filhos, projetos pessoais, pensamentos próprios enquanto artistas. Tudo isso pesou nessa decisão.

Nesse aspecto de legado da banda, eu acho que o Planet talvez seja uma das mais marcantes da música brasileira, tanto pelo impacto político quanto musical. No lado político, não só pela pauta da maconha, mas pelo envolvimento com várias causas — desde a época de criticar o FHC, até hoje, criticando o bolsonarismo e o espírito fascista, sempre dialogando com o presente. Falem sobre isso.
BNegão: Uma vez, em 2013 ou 2014, participei de um encontro com a galera do MPL (Movimento Passe Livre), numa época em que todo mundo estava sendo procurado no Brasil inteiro, cabeça a prêmio mesmo. Foi uma reunião em lugar indefinido, quase clandestina, e me chamaram porque eu sempre tive envolvimento com o MPL desde o início. A quantidade de gente que veio falar comigo lá foi impressionante.
Muita gente dizia: “É muito louco estar aqui com você, porque eu comecei a me interessar por política e por pautas públicas ouvindo as músicas de vocês, ainda moleque”.
Recentemente, o Jones Manoel me disse a mesma coisa: que o Planet foi muito importante para a formação dele.
Então vejo que muita gente que hoje está na linha de frente de várias pautas — não só da maconha, mas políticas em geral — reconhece essa influência. Receber esse axé da galera é um orgulho danado, porque é como retribuir o que fizeram por nós. Quando eu ouvia Cólera, Inocentes, Garotos Podres, DJ1, Racionais… era aquilo que mexia com a minha cabeça. Você também quer passar adiante essa semente da rebeldia, da tentativa de mudança, de incomodar o status quo. Isso é uma das grandes coisas de que me orgulho, algo que não tem preço.
E no aspecto musical, o momento em que vocês surgiram e o tipo de som que fizeram teve um impacto muito grande. Cada álbum tem sua característica, e o próprio JARDINEIROS atualiza esse espírito. Mas a forma como vocês juntaram o rap, o rock e as influências da música brasileira ficou para a história. Podem falar sobre isso?
BNegão: O Planet conseguiu uma alquimia foda. Eu posso falar porque estive de fora, admirando antes de entrar na banda. Era um rap trazendo novidade de flow, coisa que não rolava no Brasil, misturado com rock alternativo que a gente ouvia. Não lembro de outra banda que tenha feito isso. Normalmente era rap com metal, rap com hard rock. O Planet trouxe uma mistura diferente. Acho que essa fase agora honra toda a trajetória. São 30 anos e a gente está finalizando de um jeito bonito, mostrando que fizemos uma parada foda. Isso é fundamental.

Ao longo dos anos, a formação da banda foi somando novas pessoas. O Planet sempre foi um projeto muito gregário. Há também essa memória do Skank e essa valorização da coletividade. Tem Black Alien, tem Seu Jorge. Como vocês enxergam esse aspecto hoje em dia e como vai ser incorporado na turnê?
Marcelo D2: Cara, acho que isso começa com a doença do Skank. Para quem não sabe, ele morreu de pneumonia, decorrente da AIDS. Quando descobriu, não queria que a banda — o sonho de vida dele — acabasse. Começou a trazer gente: primeiro o Carlos Rasta, depois o Bernardo, depois o Black Alien. Ninguém entendia direito, porque só ele sabia do diagnóstico. Com a morte dele, a gente ficou meio órfão. A banda quase acabou. Tinha gente que me olhava como “viúva do Planet”, mas eu nunca quis dizer “a banda é minha”. Pelo contrário, a ideia do Skank sempre foi a coletividade. Quando ele morreu, ainda tínhamos shows marcados. O Bernardo se prontificou a ocupar o lugar, e ele sempre soube todas as letras, até mais do que eu. Assim, ele entrou no Planet.
A gente sempre foi de uma mesma tribo, mas cada um tinha seus amigos e ia trazendo gente. Gostávamos da sonoridade que surgia ali, de ficar horas no estúdio experimentando, e de repente alguém já virava integrante. O Planet Hemp foi uma casa para todo mundo. Sempre teve uma energia única. Já toquei com várias bandas, todas fodas, mas o que acontece no Planet é particular. Por isso penso: “Vamos fechar a casinha, porque essa história foi foda”. O Planet sempre foi isso: misturar um punk, um rapper, um metalheiro… e por que não? O Bernardo costuma dizer: “O Planet é uma banda underground que habita o mainstream”. A gente queria nossos amigos com a gente. O Pedrinho e o Nobru eram do Cabeça, abriram vários shows, porque queríamos que estivessem juntos. Hoje, eles são integrantes da banda.
A gente pode parecer maluco, mas valoriza muito as amizades. O Ganja estar na banda hoje é reflexo disso. Pensamos: “Ele é nosso amigo, vai trazer muito para o Planet, vamos chamar”. E tem sido ótimo. Hoje é diferente de antigamente: existe também uma admiração pelo trabalho que cada um construiu. No Jardineiros rolou isso. Quando eu e o Bernardo escrevemos juntos depois de 20 anos, pensamos: “Caralho, olha isso”. Sempre chamamos quem estava fazendo algo interessante para trazer um pouco da sua energia para a banda. Passamos por fases de reggae, de punk, de funkadelic, rap… o Planet sempre teve essa pluralidade.
BNegão: Lembro quando o Jorge entrou. O Marcelo chamou ele quando tinha acabado de sair do Farofa Carioca, estava sem nada, meio perdido. O Marcelo falou: “Vem tocar percussão com a gente”. Ele gravou com a gente, depois viajou para fora, Japão, Estados Unidos. As primeiras viagens internacionais do Jorge foram com o Planet. Hoje ele é cidadão do mundo, entre nós, é o que mais roda.
D2: Pois é, o Jorge faz parte desse espírito. Ele queria investir na carreira solo, mas eu estava sempre com ele e falei: “Entra no Planet, toca percussão enquanto acerta sua carreira”. Imagina, o Seu Jorge no Planet Hemp! Era uma figuraça. Tinha até um número em que eu botava uma toalha nas costas dele e ele cantava. Esse sentido de família faz muito sentido pra gente. Não aquela “família de sangue”, mas a família que a gente escolheu.
Como dizia o Yuka: “Família não é sangue, é sintonia”. É isso. A gente escolheu estar junto. Bom, em alguns momentos também estivemos juntos porque estávamos presos [risos]. Mas, no geral, foi sempre por escolha.

É muito louco pensar na “jornada do herói” do Planet Hemp. Vocês foram presos, e agora, 30 anos depois, estão fazendo shows em estádio de futebol, mesmo lugar em que já tocaram figuras como o Paul McCartney. Queria saber como vocês veem isso, pessoalmente, nessa perspectiva.
D2: Cara, tocar num lugar grande nesse momento vai ser muito especial. Principalmente porque vai ser a última vez que a gente toca junto nas cidades. A ideia dessa turnê é exatamente essa: voltar às cidades e entregar um showzaço antes de acabar mesmo. São Paulo é muito significativo pra gente, sempre teve uma relação foda com a banda. É a maior cidade do Brasil, sempre nos recebeu muito bem. Pensar que vai ser a última vez é muito louco.
Estar num estádio é surreal. Uma banda como a nossa, que — como dizia o Yuka — tinha tudo para dar errado. Ele mesmo falava: “Não sei como vocês deram certo”. Porque era isso: um chegava na hora, outro atrasava, outro ia embora, outro voltava… e, ainda assim, a gente sobreviveu. Da nossa geração, é a gente que sobrou, é a gente que fez a parada. Poucas bandas conseguiram isso. O Chico Science, por exemplo, sofreu aquele acidente terrível. A banda continuou, mas não é a mesma coisa. A gente, como banda, viveu algo muito maneiro. E acho que a questão agora é terminar do jeito certo. Chegar a hora de falar: “Porra, foi foda, valeu”, antes de alguém morrer, brigar ou se afastar e depois ficar aquele peso de “queria ter falado que foi foda”. Acabar bonito, né? Acabar bonito.
Queria saber sobre os shows. No show em São Paulo vai ter a abertura do Baiana, né? Achei uma escolha muito massa, porque é uma banda que surgiu anos depois, mas que tem no DNA algo muito parecido com o Planet. Vocês têm mais participações planejadas ao longo da turnê?
Marcelo D2: Deixa eu só falar uma coisa, porque essa escolha foi muito nossa e deles também. Eles fizeram um esforço enorme para estar com a gente, foram muito parceiros. Quando falamos “vamos chamar o Baiana”, eles se empenharam de verdade. É uma baita banda. A gente é muito grato por eles estarem com a gente nesse momento, porque é muito legal dividir isso com eles. Tem uma sincronicidade, sabe? E também tem o fato de que Bernardo e o Ganja fazem parte da história do Baiana. O Ganja produziu os quatro discos, e o Bernardo também tem essa ligação.
Então, existe uma troca real. Acho que isso vai rolar bastante durante essa turnê. Queremos que a galera das cidades, pessoas especiais para a gente, esteja junto: gente da cena local, a quem a gente presta homenagem e que também nos prestam homenagem. Em Porto Alegre, por exemplo, o último show foi incrível. Somos muito influenciados pelo rock gaúcho. Em Brasília, com tudo que tem lá. No Rio de Janeiro, nossa cidade. Salvador também, onde temos uma ligação forte. Recife, nem se fala. E até Boa Vista. Em todos esses lugares, a mágica vai acontecer. Pode ter certeza.
