“Muito da musicalidade do poema também está se perdendo, mas, no meu trabalho, busco retomar essa característica”, diz Bianca Gonçalves, poeta que assina “A rainha das águas salgadas também é doce”, poema do kit de Divina Casca no NRC+.
Poeta em projeção no meio literário, Bianca já tem três livros publicados: Como se pesassem mil atlânticos, Sexualidade de meninas ex-crentes e Quadril & Queda, com versos recheados de temas como pertencimento, autoestima e feminilidade.
Aos 32 anos, a paulistana trilha um caminho em ascensão na literatura contemporânea. No ano passado, participou do júri dos melhores livros do século da Folha de S.Paulo. Sua produção se volta ao diálogo entre performance e poesia, com especial interesse na música e na dança.
Embora algumas sinopses descrevem Quadril & Queda, sua obra mais recente, como uma abordagem sobre o funk, Bianca aponta para uma teia mais ampla de influências: reggae, brega, dance music e frevo. Há poemas dedicados ao passinho, e ao movimento de queda, que simboliza não só a dança, mas também a vulnerabilidade.
“A ideia surgiu na pandemia, quando eu fazia aulas online de funk. Isso me fez pensar na dança como dispositivo de autonomia.” Essa experiência é central no livro, que inclui fotos da autora dançando.
Bianca cresceu em um ambiente musical, com familiares músicos e um violão que aprendeu a tocar na adolescência. “Sou muito ligada ao som. A música está sempre presente, tanto no meu cotidiano quanto no processo de escrita.” Ela afirma que sua escrita sempre passa pela sonoridade: “Estou sempre lendo e escrevendo em voz alta. A musicalidade é essencial.”.
Atualmente, Bianca divide o tempo da escrita com a carreira de professora de literatura e o doutorado em Teoria e História Literária, na Unicamp. Além das publicações individuais, Bianca já participou de diversas antologias e colabora com veículos, como a Piauí.
“A poesia não me sequestra, é um momento de pausa para mim”, conta ela, de uma trajetória que começou lá na adolescência. “Comecei a escrever poemas naquele turbilhão adolescente. Eu era a poeta da sala”, conta, entre risos.
Em sua visão, a poesia contemporânea brasileira tem se afastado do ritmo e da melodia. “Vivemos um momento em que muitos poemas abandonaram a questão musical para explorar apenas o campo das ideias. Mas, para mim, os poemas que rimam ainda instigam muito mais.”
Sobre seu processo de criação, o poema nasce de uma punch line e vai se construindo em torno dela. Sem pressa: “Gosto de mastigar o poema.” Por isso, prefere escrever à mão, em cadernos, longe das distrações da tela.
Apesar do reconhecimento, Bianca não romantiza os desafios de ser poeta no Brasil. “Dentro da escrita, escolhi o lugar mais difícil, porque existe uma incompreensão geral do que é poesia. Se eu fosse romancista, estaria em outro lugar”.
Nos próximos passos, Bianca tem um livro de contos finalizado, esperando ser publicado. A história promete conquistar os millennials, com histórias que se passam nos anos 2000, com personagens adolescentes.
A música também é tópico dos seus futuros trabalhos. Bianca está produzindo um livro de poemas, explorando o brega. “São muitas ideias soltas. Também voltei a tocar violão, quem sabe sai um disco” [risos].
Dissecando o poema “A rainha das águas salgadas também é doce”
Para o poema “A rainha das águas salgadas também é doce”, que integra o kit de Divina Casca (2025) no NRC+, Bianca mergulhou na atmosfera do álbum. “Queria que o texto ecoasse Divina Casca, com sacadas das letras e referências da trajetória da Rachel”, conta ela.
Fã da baiana, quando recebeu o convite, Bianca brinca: “Me senti a Warsan Shire quando foi convidada para escrever os poemas de Lemonade (2016), da Beyoncé” [risos]. Por já acompanhar o trabalho de Rachel, a poeta conta que não sentiu dificuldades na produção. “É uma das cantoras que eu mais escuto”.
Ainda no começo do ano, antes de receber o convite para produzir o poema, Bianca foi em um show voz e violão de Rachel, quando a cantora anunciou o álbum Divina Casca (2025). “Estando lá, nunca imaginei que eu escreveria o poema meses depois”.
Conversas de Rachel com o público nesta performance foram inseridas no poema. “Esta sereia fez o encanto possível: ainda quando fazia a “Tigresa”, cintilou em plena maré cheia seu palco: deu luz aos astros”, fala da música “Tigresa”, de Caetano Veloso, que integrava o repertório de Rachel nos barzinhos de Feira de Santana.
O itan de Yemanjá – Yemanjá dá à luz as estrelas, as nuvens e os orixás – ajudou a dar o tom da produção, como observa-se no trecho: “Estrelas ao céu brotavam tal qual holofotes – e aquelas que eram do mar seguiam seu destino e com a sereia faziam par”.
Quem conferir o poema na íntegra, perceba que a sereia é uma personagem principal, e não há mistério que a sereiona é Rachel Reis. “É a narrativa da sereia conquistando todos os seres, do mar à terra”, explica Bianca.
Para conferir o poema de Bianca completo, garanta o kit de Divina Casca (2025) no NRC+. Além do livreto, que chega com ilustrações de Matheus Brito, você também recebe o LP duplo azul translúcido e um pôster exclusivo.