Manu Julian, vocalista da banda Pelados, se lança solo com potência no projeto Sentimental, publicado em primeira mão pela Noize. Na live session, Manu apresenta duas faixas autorais: “Balada Boba” e “Sempre Mais”, esta última composta ao lado de Helena Cruz, baixista do Pelados.
A paulistana de 24 anos também é formada em Artes Visuais pela FAAP. Ela traz essa formação para Sentimental, que, em performance intimista, mistura música, audiovisual e desenhos dela própria. A captação do vídeo ficou por conta do coletivo Várias Fita Ltda e Danilo Sansão.
Já a produção foi comandada por Thales Castanheira. O projeto, um desdobramento de show realizado em 2023 que inaugurou a carreira solo de Manu, contou com patrocínio da Converse, por meio do edital All Star Projects. A Noize conversou com Manu Julian sobre a construção do projeto, confira:
Para você, o que é ser um artista sentimental?
É ver sentido no que vem de dentro, do que faz parte de todos os dias e que normalmente pode passar batido. É observar e viver o drama das conversas íntimas, conversas sobre todos os dias, conversas sobre erros que cometemos, sobre hábitos que mantemos, sobre gostar ou não gostar de alguém, sobre estar cansado, sobre querer ficar junto ou ficar sozinho, sobre ser sensível, sobre chorar no banho, sobre algo que machuca ou que emociona muito, mas que vai ser esquecido, sobre errar, sobre estar com cólica no transporte público, sobre se sentir velho mesmo estando jovem e sobre estar com quem se ama entre quatro paredes num quarto escuro.
É sobre isso ser sentimental: estar sempre se descobrindo ao longo do cotidiano, de ver beleza nos detalhes do dia a dia e deixar ser levado e afetado intensamente por tudo que é banal. Para mim, falar sobre a intimidade em trabalhos artísticos é uma forma de valorizar o que acontece ao nível pessoal, mas também de entender que o que é pessoal também é coletivo.
É entender que a cultura e a arte muitas vezes são espaços de compartilhar e viver junto esses sentimentalismos. Ser um artista sentimental, além de tudo, é falar com honestidade e abordar o desejo por alguém equiparando-o com a vontade de beber água num dia quente. É conferir a esse drama das pequenas coisas a importância daquilo que é vital.
Qual universo visual e sonoro você quer construir com Sentimental e sua carreira solo?
Com o projeto Sentimental e com a minha carreira solo, busco criar um universo que se sustenta sobre dois pilares: a crueza do som e a potência da visualidade. Acho que dá pra dizer que o universo da música abraça muito as outras esferas da arte, do teatro até o desenho.
Alguns artistas dão mais foco a esta intersecção do que outros, e sou da turma que passeia entre vários campos. A música é o lugar que encontrei para expor esses lados, seja tomando frente da identidade visual dos trabalhos que estão por vir, seja pelos desenhos que dançam nessa session que estamos lançando, seja pela escolha que tive de fazer meu primeiro lançamento como vídeo, uma mídia que é imagem em movimento e que é música e som também.
O que eu quero dizer com crueza é que o que mais quero fazer é algo simples e direto, e para mim, nada mais direto do que a canção. As palavras, o texto da canção e a voz são os protagonistas desse trabalho, e o conteúdo delas delimita todo o caminho de produção. Não penso em arranjos mirabolantes, não penso em muitas coisas acontecendo. Quero poder trabalhar com algo simples, mas direto onde o protagonista seja ou meu grito, ou meu sussurro.
Conta pra gente sobre as músicas do projeto. Como foi o processo de composição? Quais as inspirações?
“Balada Boba” foi uma música que compus sozinha, no violão. Nos shows que fiz, o arranjo era bem mínimo e tinha até um assovio no meio, que caiu. A maior inspiração que tenho para ela acho que é a versão da música de Phill Phillips cantada pela Cat Power e também pelo Tom Waits, Sea Of Love: direta, reta, repetitiva até.
“Sempre mais” foi uma música que comecei a fazer sozinha. A ideia surgiu com essa brincadeira de um crescendo entre o português e o inglês. Eu tinha o refrão, e levei a música pra Helena Cruz, baixista dos Pelados e uma das minhas maiores parceiras na vida e na música. A Lê deu a ideia da harmonia e juntas pensamos em uma letra. Eu queria que tivesse uma parte rápida e meio falado, que nem as músicas dos Moldy Peaches, algumas do Velvet, até o jeito meio Rita Lee de cantar em tom narrativo do Hey Boy.
Como se dá a intersecção entre música e artes visuais no seu trabalho?
Acho que o jeito mais simples de responder essa pergunta é o de entender que se a intersecção entre música e artes visuais fosse uma casa, eu moraria nela. A música nos dá o som e a canção a palavra. A palavra é som, mas também é desenho. E o desenho é parte do que eu sou, é minha forma de existir no mundo. Nunca poderia decidir entre um lugar e outro, e acho que muito do que me interessa está justamente nesse espaço entre.
Minha formação é em Artes Visuais e nesse momento estou escutando o audiolivro da Kim Gordon, lido por ela mesma. Chama Girl In a Band, a Garota da Banda em português. Tenho me identificado muito com a história dela, que além de ser a garota da banda veio das Artes Visuais.
Acho que ela, como eu, entendeu que a música pode ser um lugar para ser a artista que a gente quiser. Para morar na casa da intersecção entre linguagens.
Quais foram as principais referências para o projeto Sentimental?
Não poupo nomes para as referências: Ava Rocha, Miranda July, Denise Fraga, Noname e Kimya Dawson, Nick Cave, Leonilson, Mutantes, Tracey Emin, Lenora de Barros, Grelo, Bebé, Céu, PJ Harvey, YMA, Lou Reed, Laurie Anderson, Titas, Nick Cave, Charli xcx, Angel Olsen, Cat Power, Kim Gordon, Sonic Youth, bel hooks, Ana Frango Elétrico, Vovô Bebê, Novíssimo Edgar, Jadsa e meus amigos também.
O vídeo conta com equipamentos digitais e analógicos, trazendo uma pegada vintage. Por que você mirou nessa estética e como ela te representa?
Mirei na estética vintage pelo tom de nostalgia e sentimentalismo, mas não só. No show que fiz em 2023 no Centro Da Terra — a convite do [jornalista] Alexandre Matias — foi a primeira vez que pude conhecer o trabalho do Várias Fita Ltda. Depois daí, eu me encantei. Esse pessoal, o Danilo Sansão e a Vihs, se interessam pelo que essas máquinas do passado podem nos proporcionar em termos de imagem, de vídeo, de improviso, de glitch.
Conversando com eles, pude entender que com esses recursos a gente poderia criar juntos algo novo e totalmente espontâneo. O processamento dos meus desenhos e da captação em vídeo em recursos digitais e modernos muitas vezes é previsível.
O uso de equipamentos analógicos e dessa mistura me encanta justamente pela sua falta de previsibilidade. É como o prazer de tirar uma foto analógica e revelar só depois: há nesse processo uma perda de controle. Essa perda de controle e a manipulação dos efeitos esquisitos desses equipamentos, isso me interessa.
Você participa das bandas Pequeno Cidadão, Fernê e Pelados, como o trabalho em grupo se diferencia da sua carreira solo?
Cada trabalho tem sua particularidade. O Pequeno Cidadão me formou como profissional e me possibilitou trabalhar com o público infantil, que é algo que gostaria de fazer pra sempre. A Fernê foi a banda onde eu entendi quem eu era e quem sou no palco até hoje.
A Pelados é um espaço de produção coletiva louco e apaixonante, um espaço totalmente democrático e de trabalho coletivo. Com a minha carreira solo eu tenho a oportunidade de construir a casa onde eu quero abrigar a minha voz, e ter isso como uma das minhas prioridades.
Desde que decidi ser também uma artista solo. Esse universo sentimental que é parte da minha pesquisa nas Artes Visuais tem ganhado corpo. Acho que estou encontrando um espaço onde posso escrever a minha narrativa, meus dramas e sentimentalismos. E mais do que qualquer coisa: sou uma compositora, sou uma artista visual, mas sou uma vocalista. Sendo artista solo, venho ganhando meu espaço como cantora.
Veja Sentimental, na íntegra, abaixo: