Com uma carreira consolidada nos Titãs e seis álbuns solo na bagagem, Sérgio Britto não precisa se provar. Ainda assim, como artista, segue experimentando em busca de uma sonoridade que case com seu estilo — no caso, uma mistura fina de pop rock, blues e bossa nova (especialmente essa última). Como um legítimo carioca radicado em São Paulo, o artista alça a bossa à sua devida importância na nossa música popular, mas prefere experimentá-la com outros ritmos cosmopolitas, como um compilado da sua essência musical. Assim, segue o exemplo, sobretudo, de Rita e Roberto em Rita Lee em Bossa ‘n’ Roll (1991).
Nessa toada, Sérgio lançou discos como SP55 (2010), Pure Bossa Nova (2013) e,em maio deste ano, Mango Dragon Fruit. O disco é restultado dessas experimentações sonoras, calcados em anos de estrada. Não deixa de ser, também, uma ode aos artistas que admira.
No álbum, há três regravações: o resgate de um samba antigo de Sinhô, dos primórdios da nossa música popular; uma quase b-side de Rita e Roberto (já que citamos o casal) e, junto a isso, um clássico inegável da bossa nova: “O Barquinho”, de Ronaldo Bôscoli e Roberto Menescal, com direito a participação desse último. Para os feats, Britto contou com Bebel Gilberto, Fernanda Takai, Ed Motta, Brothers of Brasil (dupla formada pelos irmãos Supla e João Suplicy), entre outros instrumentistas convidados, como Ubaldo Versolato, Marcos Suzano e João Parahyba. O resultado é um álbum que equilibra bem estilos distintos, tendo a bossa nova, sempre ela, como protagonista.
Conversamos com Sérgio Britto sobre o disco, produzido por Sérgio Fouad, Guilherme Gê e Apolo 9. Ele ainda nos mandou um faixa a faixa exclusivo do novo disco. Leia (e ouça) abaixo:
Sua discografia passa pelo pop rock, bossa nova, samba, um pouco de blues… você disse que, neste novo álbum, você consagra a busca por uma sonoridade própria. Parafraseando o D2, podemos dizer que você encontrou sua “batida perfeita”?
[Risos] acho que esse último álbum é, talvez, a melhor realização dessa ideia como um todo. Mas anteriormente já tinha feito os discos SP55 (2010) e Pura Bossa Nova (2013). Acho que esses ingredientes já estão bem presentes nesses trabalhos.
Até fiz uma coletânea reunindo o que achava ser muito mais próximo dessa linguagem. Então, acho que sim, de certa maneira — levando a sério sua brincadeira — eu achei a minha batida nesse disco. Vinha procurando por isso. Porque, pra mim, é importante um artista ter uma sonoridade própria, aquela coisa que você ouve e, de cara, fala: “Ah, isso é do fulano”.
Essa procura é importante especialmente para mim, que faço uma carreira solo estando em uma banda muito conhecida, que também tem muita diversidade, que já explorou muitos temas. Então, a busca por essa sonoridade própria é um aspecto de suma importância.
Você citou o SP 55 e lembrei que, no seu repertório, tem algumas músicas que falam sobre São Paulo. Como é a sua relação com a cidade hoje?
Ah, eu adoro São Paulo. Fiz a minha vida aqui, meus filhos nasceram aqui… eu tenho uma trajetória meio tortuosa, porque saí do Brasil quando tinha 6 anos, acompanhando o exílio do meu pai na América Latina, principalmente no Chile. Quando voltei, aos 14 anos, vim parar em São Paulo. Mas sou carioca, tinha morado em Brasília… então, eu meio que “sou de lugar nenhum”, mas me estabeleci em São Paulo. E o Titãs é uma banda reconhecidamente paulista, né.
Já pensei até em mudar de cidade, mas, hoje em dia, não acho que moraria em outro lugar.
Acho que São Paulo reflete também essa multiplicidade sonora, de diferentes culturas, diferentes batidas… tem um pouco a ver com o que você busca, né.
É uma cidade que pulsa muito, traz muita inspiração, né? Não tem uma só vertente musical. Tem um samba muito interessante feito em São Paulo…
Você comentou que o nome do disco veio de uma bebida do Starbucks. Pode detalhar para gente como surgiu essa inspiração?
A minha filha é adolescente e sempre pede essa bebida, vi que as amigas delas gostam também… Passou um tempo, e isso continuou na minha cabeça. Quando estava fazendo a música que fala do despertar da sexualidade, lembrei desse nome. Pensei nessa coisa do blend de frutas, relacionado com o fruto proibido, com essa história do pecado original… parecia uma brincadeira divertida. Então, o “Mango Dragon Fruit” nomeou essa música e depois o próprio disco, porque no álbum todo há esse blend sonoro. É quase como uma private joke, porque eu também não tinha esperança que ninguém entendesse qual que era a minha intenção. Mas acaba que ficou bacana também, desperta a curiosidade das pessoas.
Você falou dessa mistura sonora que se reflete no nome do disco. Pensando nisso, queria saber mais sobre as regravações que você escolheu para o álbum. Tem, por exemplo, sua interpretação para uma música centenária do Sinhô [“Chequerê”], e também de uma faixa de Rita e Roberto [“Eu Sou do Tempo”] que é quase um lado B, se a gente pensar bem — não é exatamente um hit. Como foi esse processo de escolha por faixas mais ‘outsiders’?
Sou basicamente um compositor-cantor. Tenho que me identificar com as canções para gravar, para achar que posso fazer uma versão interessante. Essa do Sinhô é uma que gosto há muito tempo. É uma música que estava esquecida, muito antiga, mas nessa versão ficou bem atual.
Já a música da Rita e do Roberto nunca foi gravada oficialmente, mas é uma dessas parcerias dos dois bem bossa-noveira, como eles falam. Ela tem humor, uma acidez crítica das letras da Rita, e essa pegada mais sofisticada do Roberto, da harmônica, uma melodia meio tortuosa, como eles dizem. Eu não a conhecia, ouvi pela primeira vez no Youtube.
Me deu vontade de gravar. Acho que fiz uma versão bacana. A outra foi um clássico, “O Barquinho”. Uma música primordial da bossa nova.
Às vezes, eu tinha a sensação que, por mais que falasse que misturava bossa nova na minha música, as pessoas não entendiam. Então, senti que precisava ser mais explícito. Se você reparar, todas as músicas do disco têm esse ingrediente.
Dessa vez, acho que não deixei nenhuma escapar: acho que todas têm alguma coisa rítmica, alguma coisa harmônica que pertencem à bossa nova. Então, isso dá uma unidade para o disco assim, apesar de ele ser bem diverso.
Fora a chance de gravar com o Roberto Menescal, né? Um cara incrível, e também é super acessível. Ele é amigo de um dos produtores do meu disco, o Guilherme Gê. E ele ainda se disposta a tocar a guitarra e cantar, que é uma coisa mais rara, então, foi um prazer.
E como foi a escolha das participações? Você já pensava nas pessoas ao compor as músicas, ou eram parcerias que você já tinha vontade fazer?
Quando faço uma música, penso que tal voz poderia encaixar bem em uma música, poderia dar uma mistura boa. Parto desse princípio. Tem também as pessoas que admiro, mas depende da disponibilidade, do acesso…
Nesse caso, também fiz questão de escolher nomes transitam pela bossa, como a própria Bebel [Gilberto], que vem do pop e obviamente está ligada ao gênero. Tem o Ed Motta, que tem uma relação forte com a soul music, deu um mergulho no jazz ultimamente e que também tem forte ligação com uma música popular brasileira harmonicamente mais elaborada… A Fernanda Takai, não precisa nem falar, ela faz isso muito.
Até os Brothers of Brazil têm essa levada de “bossa furiosa”. Também compartilho essa vontade de misturar coisas que parecem tão distantes. Faz tempo que a bossa nova é vista como uma coisa antiquada. Apesar daqueles standards todos terem ficado, não a vejo sendo explorada como gênero, como outros tantos que têm por aí, como reggae, rock, funk, que estão por aí, vivos, sendo explorados. E a bossa nova parece que não tem tanta gente explorando, não entendo muito o porquê.
Todos esses nomes que você cita têm um pouco dessa pegada ‘Bossa and Roll’, né? Que vem da Rita, mas também tem muito de você.
Exato!
Você encarou uma turnê extensa com os Titãs [entre 2023 e 2024]. Queria entender como é sua relação com a estrada hoje e se você pretende rodar com esse trabalho solo.
Então, eu já tenho shows marcados — dia 27/7 em Passo Fundo (SP), 2 e 3/8 no Sesc Bom Retiro e 28 e 29 no Sesc Guarulhos. Pretendo fazer mais. Hoje, o show é um meio a meio: metade é esse meu repertório solo e metade é são de músicas minhas gravadas pelos Titãs que combinam com esse ambiente.
Em geral, gosto de fazer de shows. Mas tudo sem seu lado: a falta de rotina, o tanto que você repete, o tanto que às vezes é sacrificante, viagem, horário…. Então, às vezes não é uma maravilha, né? É como Keith Richards dizia: nem todos os dias os Stones são a melhor banda do mundo [risos].
Mango Dragon Fruit faixa a faixa:
“Viver de Ilusão”: é uma canção que escrevi originalmente para Patrícia Coelho, mas resolvi gravar nesse meu disco solo, para fazer um arranjo mais de acordo com as balizas estéticas do meu trabalho solo. Então, ela começa com um piano cheio de efeitos, depois entra um tamborim, na segunda parte tem um arranjo de madeiras, toda a condução é feita no piano. É uma faixa que mistura bem esses elementos de música pop com a bossa nova e MPB. Tem a participação de uma cantora de jazz, a Tamara Sales, que tem uma voz belíssima, combinou muito bem com a minha.
“Problemática com estilo”: tem a participação do genial grande cantor Ed Motta, que deu um brilho muito especial para essa canção. Ela fala de alguns assuntos que estão na ordem do dia, né? A questão de vício em internet, dificuldade de comunicação entre pais e filhos, etc e tal. Fiz inspirado numa fase da minha filha mais nova, ainda adolescente, que já passou — mas acho que muitas pessoas se identificam com o que tá sendo dito na música. Tratei de assuntos que às vezes podem ser pesados, mas com leveza, de uma maneira bem humorada.
“Bastava Querer”: É uma canção feita no violão de nylon a partir de uma sequência harmônica, usando essa expressão que a gente costuma dizer no dia a dia :”bastava querer, bastava dizer”… no sentido de que às vezes algo que parece extremamente difícil pode ser fácil de resolver.
Então, parti dessa ideia de letra e fiz a música toda em cima de uma sequência harmônica. Gravei o piano elétrico, tem um contracanto também a três vozes no refrão, que é muito bacana.
“Mango Dragon Fruit”: é a faixa-título e tem a participação da sensacional da Bebel Gilberto e de um saxofonista também muito especial,o Ubaldo Versolato. Ela tem um quê de jazz, pelos improvisos, pela dissonância que tem na parte instrumental, mas, ao mesmo tempo, a melodia da canção é super pop.
“Eu Sou do Tempo”: é uma das três canções que não é de minha autoria, é uma parceria da Rita Lee com Roberto de Carvalho. Uma música praticamente inédita, porque nunca foi oficialmente gravada, mas ela aparece num especial de TV que agora tá no YouTube dos dois. E eles tocam ali, ensaiando no estúdio, só com violão e voz. Eu resgatei a música, fiz um arranjo, até mandei pro Roberto Carvalho para ter a aprovação dele.
E fiquei muito feliz, porque acho que é uma pérola, uma música que tava esquecida, maravilhosa, e que também tem muito a ver com o meu trabalho. Porque a Rita e o Roberto, eles se dizem, né, bossa-noveiros. Eles também são roqueiros que gostam e apreciam a bossa-nova e já fizeram várias excursões por esse ambiente.
“Chequerê”: é uma canção do Sinhô, que foi escrita em 1924, vejam vocês. Há mais de 100 anos. Ainda é uma música muito especial pela melodia, tem essa letra coloquial, que ainda soa super atual. Fiz um arranjo que atualiza a canção, dá a ela frescor.
“Para a vida inteira”: talvez das canções desse álbum que mais se aproxima de uma bossa nova mais tradicional, com arranjo bem suave, piano, violão de nylon. Na segunda parte entra madeiras, cordas, um arranjo super bonito feito pelo Guilherme, um dos produtores do disco.
É uma canção de amor que fala sobre essas duas coisas básicas ,de grandes encontros amorosos, que essa sensação que você já conhece aquela pessoa antes de conhecer e que aquilo estava predestinado.
“E não se fala mais nisso”: tem a participação da maravilhosa Fernanda Takai, que já fez várias excursões por esse ambiente da nossa nova e se encaixou maravilhosamente na música. Ela tem um arranjo, um beat um pouco mais acelerado, que ficou a cargo do João Parayba, que faz uma percussão incrível. Eu toco os pianos e canto junto com a Fernanda.
“Tarsila”: única canção instrumental do disco. A princípio, fiz a convite de um amigo meu que ia fazer um documentário sobre a Tasila do Amaral. Então, fiz vários temas instrumentais no piano e acabou que isso não foi adiante, mas guardei os temas. Essa é a que eu mais gosto — uma espécie de valsa brasileira que lembra alguns compositores mais antigos como Ernesto Nazaré, de quem toquei algumas peças quando eu era mais jovem e estava aprendendo a tocar piano.
“O Barquinho”: um dos grandes clássicos da bossa nova. Fiz questão de gravar exatamente para marcar esse ponto: deixar claro que esse disco trabalha dentro desse ambiente, dessa estética. Convidei para tocar comigo e ninguém menos que Roberto Menescal, um dos ícones da música brasileira, grande compositor, arranjador, produtor. Ele me deu a honra de tocar a guitarra semi-acústica e também de cantar comigo, coisa rara.
“Teca”: essa fiz de uma maneira diferente, como uma espécie de jingle para um amigo meu que é um designer de móveis e fez um uma bicicleta toda em madeira. Essa bicicleta ganhou vários concursos de designer aí pelo mundo e ele me deu uma personalizada de presente. Eu, como maneira de agradecer, resolvi fazer uma música.
Teca é a madeira que ele usou para fazer a bicicleta. Então, fiz uma brincadeira com isso e com o nome de uma mulher, né? Ficou uma música diferente do que teria feito, fiquei super satisfeito com o resultado.
“Bons tempos chatos”: essa tem a participação dos Brothers of Brazil e faz uma brincadeira com essa ideia de nostalgia, né? Que já aparece de outras maneiras no disco também. É sobre essa vontade de resgatar algo que foi feito, mas de uma maneira revigorada e nova. Nesse caso aqui, de uma maneira bem humorada.
É como se fossem dois personagens antagônicos, um brincando com outro. Um tipo de canção que nunca havia feito, com esse viés bem-humorado, nem no meu trabalho solo, nem nos Titãs. Mas fiquei muito satisfeito com o resultado e acho que ela fecha bem o disco.