Colaboração: Peu Araújo
A voz de Moraes Moreira é o Brasil lindíssimo, sem filtros do Instagram. É o Nordeste em sua beleza pura, é desabafo e desafio, é o som ecoando do trio elétrico, é o diálogo ao pé do ouvido com a guitarra baiana, com o frevo pernambucano, com o samba, com o choro, com a poesia, com a sutileza miúda do cotidiano. É o barulhinho bom. É a chuva no brejo, o violão vagabundo mais workaholic que você ouvirá.
É A Cor do Som, é África Brasil, é Bahia, Rio de Janeiro, é universal e interiorano. Nas linhas a seguir vamos mergulhar no universo de Moreira para a criação de seu primeiro disco solo, o clássico de 1975 que você tem o prazer de receber junto com esta revista. Mas antes de chegarmos lá, é preciso voltar e falar de outro momento, que definiu a sua vida pessoal e profissional para sempre: a saída do Novos Baianos.
Ponho o pé no caminho
Voltando mais ainda, é possível notar que Moraes foi se movendo com os desafios que a vida lhe impôs. A infância na pequena Ituaçu, cidade do sudoeste baiano que hoje tem cerca de 18 mil habitantes, não bastou. Ele precisava de mais. Mudou-se para Catulé e, pouco tempo depois, para Salvador, ainda adolescente. Ele precisava de mais, acreditando na sua música, foi parar no Rio de Janeiro.
“Ele seguiu com essa coragem e essa fé que ele tinha de que a coisa dele ia dar certo. Era meio como acreditar em milagres, porque o cara saiu de onde morava, com os irmãos todos formados, professores e tal. E ele saiu acreditando só nele, no violão dele, na coisa dele”, conta seu filho, Davi Moraes.
Moraes Moreira viveu com intensidade a primeira fase de sua carreira junto ao Novos Baianos, até que o lendário Cantinho do Vovô, sítio em Vargem Grande, onde todo o grupo habitava — e muitos agregados —, não estava mais nos seus planos.
“Quando os filhos foram nascendo, aquela vida em comunidade começou a ficar complicada. Então ele teve uma decisão de muita coragem naquele momento, não deve ter sido fácil. Porque era uma turma batalhando junto, e ele ia sair pra batalhar tudo sozinho, num recomeço solo. Mas ele sempre foi muito corajoso, como foi pra sair de Ituaçu. Tem uma música que fala isso: ‘Meu violão vagabundo me pegou, me tocou, me jogou no mundo’. Ele foi pro mundo”, diz Davi.
Filhos e amigos sempre disseram que Moraes não queria sair da banda, mas sim do sítio. Ele buscava mais privacidade para sua família e estabilidade financeira. Digamos que a logística monetária de guardar as economias em um saco de pão atrás da porta, como eles faziam, não contemplava mais as suas ambições de pai de duas crianças, Davi e Maria Cecília.
“Ficava difícil, né? A gente fazia dois, três, quatro shows por ano. Às vezes dez, quando fazia muito. E o dinheiro era sempre pra ajudar todo mundo ali, era uma comunidade”, lembra Dadi, que foi baixista do Novos Baianos e esteve muito presente na vida de Moraes.
“Eu comecei profissionalmente com ele, através dos Novos Baianos, em que ele era o grande compositor. A gente achava que não ia acabar nunca aquela banda, morando naquele sítio, e de repente o Moraes começou a sentir necessidade de novas coisas. E ele tinha uma fartura de composições incrível. Lembro do Moraes no sítio, sentado, compondo. Ficava três dias na mesma ideia até surgir tudo. Quando ele saiu, eu continuei, gravei mais um disco [Vamos Pro Mundo (1974)], mas eu sentia falta do Moraes. Achei que não era mais a mesma coisa e acabei saindo também”, diz Dadi.
O baixista completa: “Eu e ele tínhamos uma ligação muito forte, porque ele namorava a Marília, que é a mãe do Davi e da Cecília, e eu a Lelinha. A gente vinha sempre do sítio pro Leblon pra encontrar as namoradas”. Dadi relembra também outro fator da inquietação de Moraes: “Eu sei que o Moraes começou a querer fazer letra, e a coisa complicou, e ele não se sentiu mais à vontade”.
Falecido em 2022, Luiz Galvão — fundador e letrista do grupo —, no livro Novos Baianos – A história do grupo que mudou a MPB (2016), a saída de Moraes é narrada assim: “O clima ficara estranho assim de uma hora para outra, nos pegou de surpresa. Comparo com a situação de uma família baiana em que o filho (na adolescência) começa a namorar uma mulher mais velha e passa a dormir fora, desobedecendo as leis da casa. Moraes, para não magoar seus colegas de grupo, dormia no sítio ‘dia sim, dia não’”.
A rigidez das “leis da casa” pode soar contraditória na descrição de uma comunidade hippie. Por outro lado, havia uma coerência interna na radicalidade do grupo, que permaneceu convicto de que viver junto era obrigatório para o projeto. Segundo o livro de Galvão, Moraes tentou, sem sucesso, negociar alternativas para ficar na banda, mas fato é que, em 1974, ele já não fazia mais parte do Novos Baianos.
Uma caixa de fósforo pode incendiar o mundo
Inicialmente ele foi morar com a esposa e os dois filhos na casa dos sogros, no Leblon. Mas assim que se estabeleceu em outro local, Moraes convidou um conterrâneo baiano pra uma temporada criativa. Era Armandinho Macedo, filho de Osmar — um dos inventores do trio elétrico — e instrumentista de virtuosismo ímpar, seja no bandolim, no cavaquinho, na guitarra baiana ou na guitarra (que ele chama “guitarrão”).
“A música me salvou”, diz Armandinho, o rei da guitarra baiana
Maria Cecilia Moraes, filha mais velha de Moraes, lembra. “Ele veio morar lá em casa, no primeiro apartamento em que a gente morou depois que meu pai saiu do Novos Baianos. Era eu, Davi e Armandinho no mesmo quarto”.
“Foi um recado do Waly Salomão: ‘Moraes quer tocar com você! Saiu do Novos Baianos e tal’. Eu tinha uma ida pra São Paulo, parei no Rio, aí fui na casa dele. No primeiro dia, tocamos até de madrugada. No segundo dia, até de madrugada. No terceiro dia, ele pediu: ‘Dorme aí, rapaz… Você fica vindo todo dia’. A gente estava numa viagem tão boa, de tocar junto. E aí a gente começa a brincar, e ele fazendo o repertório do primeiro disco. A gente só pensava nisso, em sentar pra tocar a noite inteira. Não tinha outra conversa, só levantava pra dormir e comer, e voltava a tocar”, conta Armandinho.
Como Moraes Moreira foi decisivo para a expansão do carnaval atual
Foi assim que começou o primeiro disco solo de Moraes, formou-se ali a dupla que logo estaria criando os arranjos do LP Moraes Moreira (1975). Da sua parte, o ex-Novos Baianos trazia toda a bagagem riquíssima da linguagem que desenvolveu com a banda. Já Armandinho introduziu Moraes no universo melódico, harmônico e tecnológico de Dodô e Osmar, os pais do trio elétrico.
O impacto dessa reunião de Moraes, Armandinho, Dodô e Osmar na cultura nacional foi imenso. “O Armando já tem na veia dele o carnaval da Bahia, dos frevos tocados com a guitarra baiana. E essa junção dele com o Moraes trazia uma coisa da composição brasileira. Eles começaram a compor, e esse disco foi o começo disso e desse carnaval da Bahia que a gente conhece hoje, do trio elétrico, do axé music, tudo”, diz Dadi Carvalho.
“A gente tinha um jeito de tocar muito livre, muito espontâneo. Era tudo muito orgânico, o que saiu [no disco] é o que a gente fazia tocando em casa, virando noite. A gente amanhecia o dia, porque ele não parava de compor e fazer música. Já acordava compondo, e a gente passava o dia tocando. Foi ele quem me levou pro lado da composição. Eu sempre fui muito solista, tem aquela história toda de que meu pai tocava, e eu fui um aprendiz dessa história. Com o Moraes é que eu comecei a conviver com o ato de compor. Ele tinha muito isso”, conta Armandinho.
“O encontro dele com o Armandinho é muito importante, gerou muita coisa que revolucionou o carnaval e a música brasileira. Assim como o Pepeu [Gomes, guitarrista do Novos Baianos], o Armandinho é outro herói da guitarra. Começou ali, mais uma vez, uma parceria do violão com a guitarra, do acústico com o elétrico distorcido, com as veias roqueira e carnavalesca”.
“Através desse encontro, ele viria a conhecer toda a família de Dodô e Osmar e a se tornar o primeiro cantor de trio elétrico, que até então era instrumental. Isso teve importância não só pro início da carreira solo do meu pai como pra parceria que eles vieram a fazer em cima do trio e pra toda a revolução que se formou na Bahia com esse encontro deles”, comenta Davi Moraes.
Loucura pouca é bobagem
À dupla Armandinho-Moraes, logo se uniu o baixista Dadi Carvalho, recém saído do Novos Baianos, e o baterista Gustavo Schroeter, da banda A Bolha. Eles foram a banda de base do álbum Moraes Moreira (1975), gravaram tudo, exceto o baixo de “Chinelo do Meu Avô” — gravado por Arnaldo Brandão — e o piano de “Do Som”, gravado por Mú Carvalho, irmão mais novo de Dadi.
“Quando ele coloca o pé no estúdio pra gravar esse disco, ele estava com um repertório maravilhoso, só pérolas. E eles montaram esse power trio, com o Dadi, o Armandinho e o Gustavo. Cara, e o que rola de som ali é um negócio muito sério”, diz Mú. O piano de “Do Som” foi a primeira gravação da vida do músico, e Mú lembra com carinho daquele momento.
“Moraes frequentava a casa dos meus pais, e já me via tocando. Aí ele chegou falando: ‘Tem uma música meio choro, meio samba, e tem uma hora que vira uma onda meio foxtrot. E eu pensei num piano ali, você topa gravar?’. Eu falei: ‘Pô, lógico!’. Aí eu fui, feliz da vida. Eu tinha 17 anos, foi a primeira vez que eu entrei no estúdio pra gravar”.
Mú foi apenas uma vez no estúdio, mas seu irmão mais velho lembra como foi o clima da gravação de Moraes Moreira. “A gente se divertia muito. Era o começo, as coisas começando, isso tem um saborzinho especial. Foi incrível, a gente gravou aqui no Rio de Janeiro, no estúdio da Som Livre, em Botafogo. Foi no gás, em pouco tempo. Gravava uma música atrás da outra. Foi diversão e música”, lembra Dadi.
Sobre a sonoridade, o baixista avalia que houve uma ampliação do que Moraes já vinha elaborando antes da fase solo. “Eu acho que foi grande a influência do Novos Baianos, que tinha o momento do rock ‘n’ roll, aí tinha o momento em que virava só violão e voz, tinha essa dinâmica. E ele quis trazer isso, que ele tinha criado também. O disco tem uma pegada rock ‘n’ roll, a gente até gravou uma música de Roberto e Erasmo com um arranjo bem legal”, diz Dadi.
Armandinho lembra dos bastidores de como surgiu a ideia de gravar “Se Você Pensa”, um dos grandes momentos da dupla ícone da Jovem Guarda. “Rapaz, aquilo ali… O Moraes todo dia amanhecia com uma melodia na cabeça. E um belo dia, ele acordou fazendo essa batida, já no jeito dele de tocar. Aí pronto, peguei também o violão, aí fomos juntos”.
Tirando a música de Roberto e Erasmo, Moraes é autor de todas as composições do disco, sendo que três delas são em parceria com Luiz Galvão (“Chinelo do Meu Avô”, “Anda Nêga” e “Ps”, que traz ainda Luiz Gonzaga como coautor). Davi Moraes dá o seu veredito sobre o primeiro álbum solo do pai.
“É um disco roqueiro. Tem músicas suaves lindas, tem aquela influência do João Gilberto, que vinha do Acabou Chorare (1972), mas tem uma parte roqueira do disco que é sensacional. É um negócio meio Led Zeppelin brasucado. É um rock com aquele swing brasileiro”.
Ele faz também uma análise sobre o jeito de tocar violão do pai. “Ele tinha muita personalidade. Ao mesmo tempo em que bebia no João Gilberto, e no chorinho, ele ia pro rock. É amplo, é plural. Ele jogou a assinatura dele nesse primeiro disco. Ele até pegou as influências, mas rapidamente assinou o violão dele também, com o balanço dele. Aquele sotaque do violão, aquele jeito muito pessoal de tocar. Os autodidatas realmente conseguem atingir uma personalidade”.
“Ele tinha uma batida que era maravilhosa, era completa, tanto percussiva quanto harmônica. Eu sempre falava: ‘Rapaz, você vale por um regional inteiro tocando com essa batida de violão’. Ele era uma alma musical do Novos Baianos, ele trazia toda aquela batida, e eu adorava aquilo”, Armandinho.
Moraes Moreira carrega o marco histórico de ter sido o disco em que Armandinho batizou de “guitarra baiana” o instrumento inventado por Dodô e Osmar nos anos 1940. “A gente chamava de cavaquinho elétrico. Eu batizei com esse nome pra dizer que ela é baiana e para transmitir uma sonoridade que a caracteriza: a linguagem ‘trieletrizada’, que é a fusão da música que meu pai fazia com o Dodô durante 30 anos e que eu comecei a jogar dentro do universo musical de Beatles, Hendrix, Stones… Essa fusão é o mais importante do que eu fiz com esse cavaquinho, transformando ele numa guitarra e dando o nome de guitarra baiana. Essa guitarra é baiana. Por isso o nome caiu perfeitamente”, diz Armando.
“O nome virou ‘guitarra baiana’ porque tem toda esta história com o carnaval da Bahia. O Armandinho já tinha fama na Bahia por ser um super músico, virtuose, tocando esse instrumento com uma habilidade incrível, uma pegada de Jimi Hendrix — lembro de ouvir o Armando pela primeira vez e isso me chamar atenção. O Moraes fez a música ‘Guitarra Baiana’, que cravou o batismo da guitarra baiana, e o Armandinho tocou guitarra e guitarra baiana também”, lembra Dadi.
Nos créditos do LP, vemos o registro mais antigo de uma gravação do instrumento batizado com esse nome. “Realmente eu toquei guitarra baiana nesse disco do Moraes. Eu não tinha essa ideia, a ideia era fazer com o guitarrão [a guitarra], acompanhando os arranjos, com a craviola e o bandolim, mas tem essa gravação de guitarra baiana na música ‘Guitarra Baiana’. Por sinal, ligeira pra caramba. Fiz até pra justificar o nome, que é o nome da música”, conta Armandinho.
Viver em harmonia com meu violão
O primeiro disco solo de Moraes Moreira é homônimo quase por acaso, porque, até esta data, o músico assinava suas obras apenas como Moraes. Moreira, apelido de Antônio Carlos Moraes Pires, que passou a ser seu nome artístico naquele momento.
“Esse disco é um recomeço, quando ele está saindo para os primeiros voos e sonhos solo. Marca muito o Moraes compositor, que desabrochou. É um disco em que quase todas as composições são dele, mas tem parceria com o Luiz Gonzaga e com o Galvão. É um disco com muita personalidade, mostra o lado do Moraes roqueiro, violonista”.
“Marca o início de uma caminhada dura — de um cara que sai de uma banda grande e inicia solo —, mas que viria a ser muito vitoriosa também. É o início do Moraes Moreira como grande artista de projeção nacional que ele virou, representando o frevo, o carnaval, o afoxé, o rock, toda essa diversidade da nossa música”, diz Davi Moraes.
“É um trabalho em que ele resgata um monte de coisas, principalmente do interiorano. Moraes foi um interiorano a vida inteira, um cara que cantou pro interior, pra esse Brasil interior. Ele tinha muito esse espírito interiorano. E nesse primeiro disco ele retrata muito isso, ele fala da gruta da mangabeira e tal, dos lugares da terra dele. É super importante como chegada de Moraes Moreira no cenário musical brasileiro em carreira solo. Ele deu uma geral no que viria a ser o Moraes Moreira para a música brasileira. O Moraes totalmente MPB, bem Brasil”, comenta Armandinho.
Sobre o visual do álbum de 1975, Cecília recorda como foi feita a foto que ilustra a capa: um Moraes Moreira moço, de bigode vasto, camisa vermelha com pequenos desenhos e alguns botões abertos, cabeleira até os ombros e uma postura quase escolar.
“A imagem do fundo da foto, aqueles coqueiros, era um pano que ficava em cima da cama dos meus pais. Era um pano de decoração, que tinha muito na época, era uma coisa meio hippie. Eu me lembro, a gente tinha ido com ele e o fotógrafo [Antonio Henrique Nitzsche] ia tirar a foto da capa desse disco, lembro dele botando o pano e aquela Bahia ali atrás”.
Segundo os entrevistados, o disco teve uma boa repercussão quando foi lançado. Mú Carvalho conta que, logo após a finalização do LP, Moraes o convidou pra tocar na sua banda, que iria sair em turnê. “A partir dali, quando Moraes entrega o disco pra gravadora, ele já me colocou na banda. Ele já queria teclados e curtiu a minha onda tocando, aí já me levou. A gente começou a ensaiar pra fazer os shows desse disco pelo Brasil, e o trio virou um quarteto. Foi quando nasceu A Cor do Som. Depois a gente voltou a gravar com ele no segundo, no terceiro, no quarto disco. A gente ficou gravando os discos do Moraes. Era um repertório espetacular, né?”.
Davi conta como foi assistir o pai melhorar as condições de vida dele e da família, com o andamento de sua carreira solo. “A gente acompanhou, eu e Ciça, o crescimento dele acontecendo. Eles saíram lá do sítio, e a gente não tinha condição ainda de ter uma casa. Nós morávamos com os meus avós maternos, nós seis juntos. Depois foi o primeiro apartamento que a gente alugou, ali na Rua Venâncio Flores, no Leblon. Daqui a pouco foi um apartamento melhor. Daqui a pouco foi a primeira casa que ele pôde comprar. A gente viu essa ascensão. É uma história muito bonita”.
Segundo os filhos, apesar da fama, Moraes era o cara conhecido na padaria, no mercadinho, querido pelos vizinhos, pelos amigos e pelas pessoas que tinham a felicidade de lhe encontrar pelo caminho. Um homem do mundo, que mantinha os pés bem fincados no chão de sua Ituaçu natal. Moderno e interiorano, plural e singular, ele trazia a guitarra para a sua música, mas encontrava seu caminho no violão melodioso, que em vez de fazer barulho, fazia barulhinho.
Um barulhinho bom, que inspira, que abraça. É bem possível que você já tenha se pego a cantarolar uma melodia dele ou encontrar nos pensamentos um verso escrito por Moraes, o “Vaqueiro do Som”, como bem definiu certa feita João Gilberto. Há pessoas que surgem no mundo para nos ajudar a entendê-lo e Moraes Moreira é uma das figuras que, se olhadas bem de perto, nos ajudam a entender o Brasil descendo a ladeira, com a beleza que vem de dentro.
O artista que se formou na poesia delicada do cotidiano, na chuva que cai no brejo, chupando manga na beira do rio e compondo, incessantemente, compulsivamente, nos presenteou com um legado atemporal, com uma voz doce daquele amigo que sabe o que te dizer num dia bom e mais ainda num dia ruim. Ouvir Moraes, e muito especialmente neste primeiro disco solo, é sentar-se na sala de casa e bater um papo num dia de calor.
É sentir-se bem consigo mesmo, é encontrar beleza nos pequenos gestos. É estar no tempo-presente e saboreá-lo de se lambuzar. Moraes namorou o frevo, o chorinho, o samba, o rock, mas se casou com o Carnaval baiano. Em cima do trio elétrico, fez sua casa na colina e trouxe toda uma nova vida para a festa mais popular do país.
Ele era o Carnaval. De suas mãos, ora no violão ora na caneta, vimos brotar muita beleza nascida no chão da praça, na graça que só os desavisados são capazes de encontrar. O seu primeiro disco solo é a primeira mensagem de uma carreira rica, carinhosa e querida por todo o país. O Brasil ama Moraes Moreira assim como ele amou o Brasil.