Em 1799, em Londres, quando um grupo de anglicanos uniu-se para criar a sua própria congregação religiosa durante o período vitoriano da Inglaterra, eles não poderiam imaginar que, dois séculos depois, o espaço seria um espaço consagrado de música popular. A edificação da Union Chapel ficou pronta em 1870, período no qual a arquitetura europeia voltou a olhar para inspirações da idade média, constituindo o estilo neogótico.
Com uma grande abóbada que traz ressonância para a acústica do espaço, bancos espalhados em forma de arena para o público, vitrais coloridos para a entrada de luz e pilares circunscrevendo a nave sem atrapalhar a visão, a capela tornou-se uma joia rara para as liturgias cristãs. Frente à uma crise financeira da igreja e a diminuição do número de fiéis contribuintes, em 1991, essas mesmas características fizeram com que o púlpito da Union Chapel se transformasse em palco.

Afinal, há algo em comum entre as experiências musicais e religiosas, especialmente a necessidade de atenção plena à cerimônia e a experiência de imersão sensorial. Bret Pacownik, diretor de programação da Capela em 2025, explica: “O piso inclinado, as paredes hexagonais e o teto de madeira abobadado contribuem para um som natural e envolvente, limitando os ecos e com uma reverberação perfeita e sem excessos. Dá para ouvir uma agulha cair no chão quando um artista está no palco. Todo mundo fica totalmente imerso na apresentação, e isso cria uma atmosfera realmente especial”.
Desde que o palco passou a receber shows, centenas de artistas e milhares de expectadores foram impactados pela construção. Alguns dos grandes nomes da música mundial, como Elton John, Amy Winehouse e Adele, passaram pelo palco, em apresentações históricas. A islandesa Björk chegou a gravar um álbum em sua apresentação, acompanhada pelo quarteto de cordas The Brodsky Quartet.
A cabo-verdiana Mayra Andrade também registrou sua apresentação no disco reEncanto, no qual apresenta suas composições em formato acústico intimista, somente com voz e violão, acompanhada pelo seu conterrâneo Djodje Almeida. O álbum ganhou versão em disco de vinil e está em pré-venda no NRC+.
Além dos gringos, não foram poucos os brasileiros que cantaram na capela. Milton Nascimento, por exemplo, apresentou sobre o palco anglicano, em 2022, a sua turnê de despedida, A Última Sessão de Música. Já Luiz Melodia comemorou quarenta anos de carreira com uma apresentação na Union, em 2013. Entre os mestres da MPB, há ainda Lenine, que, em 2024, lá apresentou o seu repertório acompanhado pelo pianista holandês Martin Fondse.
Ed Motta, aclamado como um dos grandes nomes do jazz pelos europeus, apresentou-se na capela há mais de dez anos, em 2014. Bebel Gilberto também apresentou o seu repertório por lá, em um formato voz e violão, em 2019. E para fechar nossa lista, o jovem Zé Ibarra, que abriu o show de Milton em 2022, aproveitando o reverb natural do templo religioso.
Segundo Brett, o gerente de programação da casa, a estupefação dos artistas é sempre a mesma ao entrar pela primeira vez no espaço. Não é à toa: nas últimas décadas a Union Chapel tornou-se um dos espaços mais nobres da música mundial. Portanto, esperamos que a acústica impecável do templo ainda faça ressoar muitas vozes, com canções ecoando em sua abóbada centenária.