Urias fala sobre força ancestral do novo disco: “Se ‘Carranca’ fosse um lugar, seria a Etiópia”

24/10/2025

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Por: Vitória Prates

Fotos: Divulgação/Mateus Aguiar

24/10/2025

Lançado no início deste mês, Carranca (2025), terceiro álbum de Urias, reinventa a figura da diva pop. Depois dos lançamentos Fúria (2022) e Her Mind (2023), a cantora mineira se reinventa — na sonoridade e nas composições — para contar uma história ancestral. 

O próprio título chama atenção. Carrancas são objetos religiosos que afastam maus espíritos, comum em proas de navio. Para os visuais, Urias mergulhou em deuses antigos e orixás. Depois de cantar em inglês e espanhol sob beats eletrônicos em Her Mind (2023), Urias ressurge mais brasileira do que nunca. 

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Produzido por Nave, Gorky, Maffalda, Paulo DKVPZ, Mackson Kennedy e Zebu e com participações de Criolo, Don L, Major RD e Giovani Cidreira, Carranca (2025) fala do sagrado, da busca pela liberdade, a resistência e das tensões raciais. Urias não poupou referências para o disco.

“Deus”, por exemplo, ressignifica a música “Soca Pilão”, tema folclórico cantado por Inezita Barroso, e sample do O Guarani, ópera de Carlos Gomes, aparece em “Voz do Brasil”. Das 14 faixas, o álbum traz ainda três interlúdios, narrados por Marcinha do Corintho, artista que marcou a noite paulistana nos anos 80.

A recepção é acompanhada de perto por Urias: “O dia de lançamento é quando mais entro na internet [risos] Estou adorando a recepção, só vi gente falando bem”, comenta. Em entrevista à Noize, a artista destrinchou Carranca, com suas principais referências, parceiros e próximos passos. 

O álbum guia o ouvinte por uma tríade: Egito Antigo, religiões de matriz africana e as próprias raízes brasileiras. Como você chegou nesse conceito? Como eles se conectam?

Esteticamente, partimos do Egito por ser o registro de ancestralidade negro mais antigo e próspero, são histórias de riquezas, conhecido por ouro, suas invenções e estudos, era uma grande nação.

Mas, como é um álbum, musicalmente e completamente brasileiro, não podíamos deixar de fazer a conexão com os signos brasileiros, do candomblé, que remete  à cultura brasileira, porque é uma religião difundida popularmente por aqui. 

Essa conexão também levou ao nome do disco. “Carranca” tem esse teor estético até um pouco do Egito, porque os deuses antigos trazem esse caráter antropomórfico. Especificamente a carranca vermelha, na capa do álbum, se relaciona com Exu. Então, é algo completamente brasileiro, mas as cores, por exemplo, escolhemos por causa do Egito, são pigmentos retirados diretamente da natureza e que era muito usado.

Quero muito falar sobre a capa — na verdade, toda identidade visual do trabalho está fantástica — Quais foram suas inspirações? 

Quando fomos fazer a capa, já tínhamos produzido quase todo o material dessa nova era. Então, já existia um Norte claro, com as cores limitadas também — azul, vermelho, branco e preto — que conversam entre si no nosso universo. O preto e branco aparecem como opostos, simbolizando a tensão racial. O azul royal europeu remete à realeza e o vermelho, a Exu e as coisas da terra. 

Então, a capa partiu dessa paleta de cores. Sentei com o Isaac de Souza Sales e fomos acordando como representar certas coisas, como o porquê das pombas aparecerem machucadas na capa, por exemplo. Uma exigência minha era que não tivesse uma carranca na capa.

Não queria que fosse tão óbvio, sabe? Mas também não poderia deixar de representar a carranca, então eu apareço como ela na capa, com o rosto vermelho e o corpo pintado de preto. A carranca simboliza proteção e afasta as más energias. 

O álbum traz participações de Criolo, Don L, Major RD e Giovani Cidreira. Como você se conecta com o trabalho deles?

Sempre fui fã! Nos últimos dois anos, me aproximei do trabalho do Giovani Cidreira e quem me apresentou o trabalho dele foi o Gorky, já que eles são próximos. Então, o Giovani participou muito de Carranca. Nas 14 músicas, ele compôs comigo oito delas. 

O Giovani é um elo fortificado no projeto. Com os outros meninos, as coisas aconteceram de forma natural, foram pessoas que eu nem imaginei que um dia faria feat junto. Para “Deus”, na hora eu pensei no Criolo, pela denúncia da letra, que trata de um roubo religioso, algo que ele já abordou antes em sua obra. Quando ele aceitou, fiquei: “Meu Deus!” [risos].

Com o Major, a gente já tinha combinado de fazer uma música juntos. Quando mandei a base “Voz do Brasil”, ele me encaminhou a parte dele, e não tive dúvidas nenhuma que era a parceria certa! O mesmo com o Don L, a presença dele era importante, inclusive, pelo teor da música. “Paciência” traz diversas questões sociais e o trabalho dele também, ele é genial. 

Um ponto alto do álbum são os interlúdios, que ajudam o ouvinte a acompanhar a história. Eles são declamados por Marcinha do Corintho, como foi a parceria de vocês duas?

Fiz os esboços dos interlúdios, antes de começar a escrever o álbum, assim que entendi sobre o que ele seria. Aí, eu e a Ode, diretora criativa, entramos em contato com o curador francês Guillaume Blanc-Marianne e ele escreveu de uma forma incrível, para a Marcinha narrar. 

Desde o começo, pensamos muito sobre ter ou não, se as pessoas não iam parar para ouvir, se iam passar muito rápido, se não iam se interessar e escutariam somente a música, mas, mesmo assim, chegamos na conclusão que era muito importante a presença deles no álbum. Se dessem play ou não, para o conjunto, era indispensável, e a Marcinha foi a primeira escolha para narrar.

Bati o pé. Não tem outra pessoa que tenha o mesmo peso que ela, com a história que ela carrega, tudo que ela toca e representa. Também foi um jeito muito bom para outras pessoas a conhecerem e tudo que ela significa para a classe artística de São Paulo, independente de gênero. 

Queria que as pessoas soubessem quem ela é e o que significa. Sempre foi a primeira ideia. Entramos em contato, fui na casa dela, que me contou várias histórias, me deu várias dicas, conheci os cachorros dela, foi tudo! [risos].

O álbum apresenta um eu lírico em uma jornada histórica. Como foi o seu processo de composição? Houve alguma faixa que se mostrou particularmente desafiadora de criar? Por quê?

Quase todas foram desafiadoras! [risos] É um formato completamente diferente de tudo que eu já fiz, mesmo em comparação com o meu primeiro álbum, que foi em português, era algo distante. Não fui segura, fui escrevendo as músicas e sempre me criticando no processo. 

Mas o desafio me manteve interessada em fazer. Não queria me repetir, estava há dois anos sem lançar disco, e queria voltar adicionando uma nova camada. Foi um grande processo, super inovador, mas agora sinto que, nesse mundo da música, sei fazer mais coisas. A primeira faixa foi “Vontade de Voar”, com o Giovani Cidreira. Ele me disse: “Tá vendo? Você pode escrever assim!” Foi apoteótico. 

O álbum tem um grande apelo social. Quando estou compondo, não sou de criar personagens. Já é difícil lidar com os meus pensamentos sozinha, imagina criar um alter-ego, não vai ser legal para mim [risos], mas, a busca pela liberdade, por exemplo, não é só algo pessoal, mas dentro do coletivo.

Além das suas composições autorais, o álbum traz “Águas de Mar Azul”, do Hyldon, como você chegou nessa música? O que sentiu na primeira vez que ouviu?

Essa música foi uma descoberta e uma sugestão do Gorky. Quando ouvi pela primeira vez, foi uma confirmação espiritual de que eu estava no caminho certo, não se te explicar de outra maneira [risos]. O Hyldon foi muito receptivo, disponibilizou a música de bom grado. Pensei: “Estou fazendo a coisa certa! Olha quem está dando aval para ter uma música dentro do álbum, sabe?” Foi uma sensação incrível! 

O interlúdio ‘Oração’ marca a chegada à Etiópia — que aparece não apenas como um local geográfico, mas como um espaço simbólico, um refúgio de paz. 

Se Carranca fosse um lugar, ele seria a Etiópia. Quando o ser humano surgiu, enquanto espécie, o lugar de surgimento dos humanos foi denominado “Etiópia”, que, não necessariamente, é o lugar onde está a Etiópia hoje em dia. Mas, nesse surgimento, eram todos negros, então, se todo mundo era negro, ninguém era negro, não existia etnia. Essa ideia anula a liberdade que falo no começo do álbum. 

Canto em “Etiópia” sobre o desejo de voltar para o começo, onde não existia tensão racial, porque não existia raça. Se éramos todos iguais, essas questões não existiam, é a resolução de todos os meus problemas, mas em um grande imaginário. Na música, comparo essa ideia com encontrar um amor afrocentrado, de enxergar no meu parceiro o passado, presente e futuro. 

Qual é a faixa que você está mais animada para apresentar ao vivo? Já tem planos para uma turnê? Pode dar algum spoiler? 

A “Voz do Brasil” por causa da quebração total! Mas também “Herança” e “Etiópia”. “Águas de Mar Azul” já apresentei ao vivo algumas vezes, que foi incrível. Já estamos montando a turnê, ainda não estou autorizada a falar sobre [risos] Vai que eu digo que vai ter isso, isso e aquilo e no fim não tem nada do que eu falei, vou sair de mentirosa! [risos]. 

Mas logo mais vamos ter novidades, vai ser outro formato de show, mas sem abrir mão da minha grande linha diva, obviamente, mas terá outra estrutura de direção. Queremos fazer uma extensão da história do álbum, através do show, sabe? Então está sendo desafiador decidir quais elementos vão entrar no palco, como conseguimos fazer de um jeito prático, para, em todos os lugares que formos, termos essa estrutura nas viagens. Estamos pensando! 

Qual mensagem você gostaria de deixar para quem vai ouvir esse álbum pela primeira vez?

Não sei se é bem uma mensagem, mas gostaria muito que as pessoas se identificassem, porque é um estilo de música para todo mundo, não nos limitamos. Dá para sentar e ouvir ou dançar com o som. Espero que Carranca faça parte da vida das pessoas, que, cada música, faça você lembrar de momentos e pessoas especiais.

É um álbum de se viver.

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Vitória Prates