Com feat de Catto e referências a Björk, Viridiana cria mitologia própria em “Coisas Frágeis”

29/10/2025

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Por: Damy Coelho

Fotos: Divulgação/Lau Baldo

29/10/2025

Após estreia em 2021 com Transfusão, a cantora Viridiana lançou o segundo disco, Coisas Frágeis, em outubro. O novo trabalho passa por referências diversas, do eletrônico oitentista do Pet Shop Boys e pop rock de Marina Lima ao experimentalismo de Björk — mas, principalmente, revela muito da experiência pessoal da artista. “Entendi que o encontro físico e a troca que o palco proporciona me aproxima do que eu quero comunicar: minha vivência e meus afetos como travesti. Então, quis fazer um disco que fosse muito legal e intenso de tocar e cantar”, conta.

Coisas Frágeis tem produção da própria artista com seus “Viridiboys”, André Garbini, Bernard Simon e Ricardo de Carli. Para os feats, trouxe Catto, Navalha Carrera (em “Final Feliz”) e Clarice Falcão (em “Remember”). Em entrevista à Noize, Viridiana explica a escolha por Catto, cujo novo álbum, Caminhos Selvagens, está em pré-venda em vinil pelo NRC: “A Catto incorpora todo esse caráter vingativo e irônico da canção. Tem até uma referência ao próprio trabalho dela, falando de ‘todas as belezas que você destrói’, pensando no nome do disco em que ela canta Gal“, explica a cantora. 

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Ligada em todas as fases do processo criativo do disco — que evoca a experiência da artista com as pistas — a gaúcha escolheu para a capa uma referência ao mito de Psique, a musa que se apaixona por Cubido. “Ela é sempre representada de forma chique, mas também meio desiludida, por ser apaixonada pela entidade que faz as pessoas se apaixonarem. Lá pelas tantas, o Cupido some, e fiquei pensando: o que a Psique faria se ele tivesse deixado uma flecha pra trás? Foi daí que veio esse signo da flecha nas fotos do disco”, diz Viridiana.

Confira o bate-papo abaixo:

Sua sonoridade é bem dançante, mas ao mesmo tempo, tem letras intensas, sentimentais. Como construiu essa identidade sonora?

Eu acho que muito da vontade de construir um som dançante vem da minha própria relação com a pista. Por um lado, venho sendo DJ desde 2022 em festas queer e alternativa de Porto Alegre, e observar a forma como as pessoas se movem, se olham, se apaixonam na pista – e como a música que tá tocando ali rege tudo isso-, me deixou muito curiosa e instigada pra cada vez mais me apropriar dessa música que faz mexer. 

Por outro lado, olho pra relação longa e intensa que a comunidade LGBTQIA+, mas especificamente a comunidade T, tem com a dança e com a festa. Esse espaço que, historicamente, é onde pessoas dissidentes se expressam e criam núcleos de resistência e pertencimento, e que é um espaço de exploração artística e vanguarda também. 

O que você esperava quando começou a produzir o seu disco? Você já tinha em mente uma primeira ideia de como ele deveria soar?

Esse foi um disco que veio muito aos pouquinhos e depois todo de uma vez, sabe? Teve uns dois anos ali que todas as ideias musicais vinham pra mim muito fragmentadas, nada parecia encaixar. Até que surgiu “Você puxou o meu tapete”, a penúltima faixa do disco, e que é só voz e violão. Conseguir escrever uma canção desse jeito me acendeu uma faísca e me levou a olhar pra todo esse mundinho de sons Viridiana que já existiam, mas com a vontade de casar eles cada vez mais com a pegada e a sonoridade de uma banda. Ir pro instrumento mesmo e compor um pouco mais longe do computador. Nesse processo, os Viridiboys (André, Bernard e Ricardo) foram essenciais, porque a gente conseguiu criar um universo de ideias e de referências super leve e fluido. 

Daí eu fui entendendo que o caminho levava pra pista, mesmo que dessa forma mais indie e mais suada do que talvez os meus trabalhos anteriores, e essa mudança de ponto de vista me deixa bem feliz, parece que arejou todo o meu processo.

Seu disco conta com parcerias como a Catto e Clarice Falcão. Como você as conheceu e como foi a escolha por elas, além de Navalha Carrera, para as canções?

Pois é, essas foram as primeiras vezes que eu trabalhei com parcerias em canções minhas, e foi super legal poder contar com pessoas cujas trajetórias eu admiro tanto! A primeira delas que gravou foi a Navalha, e há tempos a gente conversava sobre fazer alguma coisa juntas. 

Quando “Final Feliz’ apareceu, eu sabia que queria muitas guitarras e um solo e toda essa patacoada oitentista “mais é mais”. Só que eu mandei a faixa pra ela sem nenhuma guitarra, nenhuma ideia, e disse que ela podia fazer tudo que desse na telha. O que voltou foi toda essa lindeza que aparece na faixa. 

E a Catto entrou logo em seguida, cantando essa estrofe que foi o André que escreveu, e que incorpora todo esse caráter vingativo e irônico da canção. Tem até essa micro-referência ao próprio trabalho da Catto, falando de “todas as belezas que você destrói”, pensando no nome do disco dela cantando Gal. Eu e a Catto, por mais que sejamos da mesma cidade, nos conhecemos pelas redes mesmo, e a partir disso nos encontramos algumas vezes em shows, e até pude recebê-la pra discotecar duas vezes na Alfinete, a festa que faço aqui em POA junta da LuizaPads

Por fim, a Clarice, que era coisa de sonho receber pra uma faixa mesmo, que eu conheci num evento aqui em Porto Alegre no ano passado, e que nessa talk que nós demos juntas ela que me intimou pro feat (!!!).  Eu escrevi “Remember” quase sob medida pra isso. 

Os garotos já tinham me cobrado uma canção que tivesse um deboche mais na cara, e eu preenchi as lacunas de “Remember” já pensando na voz e no jeito da Clarice cantando. Fiquei super feliz que tanto ela quanto a Catto toparam cantar as palavras que a gente escreveu aqui, senti uma validação super grande com isso.

O disco também tem uma onda da música oitentista, lembrando ora Pet Shop Boys, ora Rita Lee. Tem algum artista que mais te inspira na criação? E por quê?

Olha, eu tenho pensado até menos em referências pontuais e mais nesse imaginário muito doido que as gerações de hoje criaram/tão criando desse período. 

Eu acho bem doido, e um tanto bonito, que várias pessoas super jovens conseguem se relacionar com uma canção do New Order que viraliza no Tiktok, ou que pessoas que nem tavam vivas nessa época (tipo eu) entram em contato com artistas tipo a Rita Lee ou a Marina Lima, porque uma galera do alternativo brasileiro tá abraçando e trazendo luz pra essas importantíssimas figuras, tipo Ana Frango Elétrico e Pabllo Vittar. 

A coisa que me inspirou mais nas sonoridades e postura do disco é esse ar todo, entende? Acho que isso ajuda pra localizar a sonoridade do disco sem parecer uma referência cansativa sem fim e saudosista a esse universo todo, que é muito babado, mas que também parece que a gente tá sempre redescobrindo e re-interpretando. 

Talvez o babado de fazer música seja justamente esse né? Que é meio uma fonte inesgotável de sentidos e sensações, dependendo de em que momento que a gente olha pra ela [risos].

Acho que é isso!! Obrigada pelas perguntas <3 <3 

Adoro tagarelar sobre esse disco, faria o dia todo [risos].

Leia (e ouça) Coisas Frágeis faixa a faixa:

“Risco”: Quando eu escrevi essa música foi quando eu soube que tava fazendo um disco. Ela é tudo que eu procuro numa abertura, tem senso de humor, tem muita energia. Fico orgulhosa dela porque foi cantando ela que eu descobri todo um outro jeito de usar a voz, mais forte e com mais presença. A seção final é uma das minhas partes favoritas do disco, e foi feita num dia que o Ricardo apareceu do nada no meu estúdio e se negou a sair até a gente fazer ela funcionar, e que bom que funcionou!!!

“Remember” (feat. Clarice Falcão): Foi a primeira grande colaboração de nós 4 (Eu, André, Bernard e Ricardo) fazendo o disco. Eu compus a letra no banho um dia (o que rolou com mais de uma faixa no disco, vai entender), o Dé harmonizou, o Ricardo fez uma parte grande do arranjo remotamente (porque mora no RJ) e o Bernard passou dias criando uma linha de baixo que fosse o puro suco dos anos 70 e 80 no Brasil. Poder juntar o Jojô tocando guitarra e o feat da Clarice nela foram as cerejinhas do bolo. Eu e Clarice já tinhamos trocado umas mensagens aqui e ali, mas foi num evento na PUCRS onde botaram a gente pra trocar ideia que rolou um match super legal de senso de humor e energia.

“Navalha”: É uma que tocamos ao vivo várias vezes já, e pra mim é uma das músicas mais Viridiana que eu já fiz (risos). Tem muito de tudo, muitos synths, muita percussão, e a virada de bateria icônica que a Madonna popularizou nos anos 90. Pra mim ela resume muito a nossa ideia de fazer um disco que produzisse um show legal, ela ao vivo é uma explosão linda de ver

“Estrela Cadente”: É uma das mais antigas do disco. Ficou parada no meu HD sem letra por mais de um ano, até o André fazer o refrão comigo. Essa foi uma das primeiras que a gente fez junto, e desbloqueou o universo de todo o resto do disco. Eu amo que ela junta um pouco o lado indie-rockeira fã de anime que eu fui toda a adolescência junto com esses sentimentos complexos que o resto do disco abraça.

“Eu não quero dançar”: Essa eu não escrevi! É do Pedro Cassel, musicada pelo Ricardo, mas com o arranjo também em um outro grande momento de colaboração de nós quatro do disco. Se eu tentasse contar quantos arranjos cada um fez até ficar bom… credo. A gente teve que juntar todas as ideias numa música só, fazer essa batida incessante que quase obrigasse alguém a bater pézinho. E ela agora solidifica uma tradição: em todos os discos da Viridiana tem que ter alguma música com autotune, podem me cobrar!!

“Coisas Frágeis”:  Eu claramente amo muito Björk, então tentei canalizar um pouco da mãezinha pra fazer essa. Uma coisa gelada, que realmente evidencia o momento que a nossa protagonista do disco tem seu coraçãozinho quebrado. Ela tem esses momentos contrastantes, muito marcados pela entrada da bateria do André. Fico muito orgulhosa dos sons que a gente tirou de tudo, da voz, da bateria e dos synths. A mix do Martin Scian completamente transformou essa, ela não costumava ter a voz de rádio no início!! foi tudo ideia do nosso herói da pós produção, arrepio só de lembrar da primeira escuta que eu tive dela.

“Erro”: Essa é a mais antiga do disco. Eu comecei ela em 2022 e era só um interlúdio, sem percussão, e só uma estrofe por cima dessa cama de synths. Corta pra janeiro desse ano, no ápice da pré produção do disco, eu tava na rua ouvindo Pretty in Possible, da Caroline Polachek, que tem essa referência ao trip hop e garage dos anos 90. Na hora me ocorreu que seria muito bonito ter uma bateria assim nessa música. Nessa mesma seção de gravação acabou entrando os sons da intro, que são o gameboy do Ricardo. Às vezes eu queria que essa durasse uns 10 minutos de tão gostosa de ouvir

“Final Feliz” (feat. CATTO e Navalha Carrera)”: Uma das coisas que eu mais ouvi dos meninos na produção do disco é que a gente precisava encontrar um lugar pro humor. Eu sou uma pessoa muito irônica, e isso demorou pra vir nas letras. Mas essa… eu gosto de pensar que compensamos [risos].

Ela é muito bad girl, muito elétrica, muito explosiva. E pra isso eu tive que chamar as duas travestis mais icônicas do Brasil pra fazer ela comigo. Sou fã da Navalha através do trabalho dela com a Letrux, e eu passei alguns meses dizendo que ia escrever uma música merecedora de um solo de guitarra dela. Da mesma forma com a Catto, conterrânea que é realmente um ícone da música de Porto Alegre. Foi uma alegria imensa contar com o drama dessa sereia na faixa.

“Você puxou o meu tapete”: Essa foi a gênese do disco. Eu tenho ainda a gravação original dela no meu celular, tudo de uma vez só. Eu cheguei em casa completamente abalada do coração, sentei na minha cadeira e peguei o violão. Eu espirrei essa canção, minha primeira canção de amor. E foi assim que apareceu todo o resto do disco. Tanto por ser um mergulho no universo do amor e da quebração de coração, quanto por me reaproximar da composição no violão ao invés do computador. 

“Antigamente: Se “Coisas Frágeis” é meu abraço na Björk, essa é meu abraço na Robyn, que pra mim faz synthpop como mais ninguém. Fui muito inspirada por esse drama e esse épico que a gente aprendeu a aceitar na música pop dessa verve sueca e tudo mais. Foi uma das que eu mais trabalhei a voz também, pra conseguir ter essa leveza e ao mesmo tempo entregar com franqueza essa mensagem: “Foi bom, você vacilou, até a próxima”. Essa foi uma que quando eu mostrei a ideia original pros garotos, eles me olharam e disseram que já tava pronta, que eu tinha encontrado uma verdade muito bem elaborada nessa, então mudamos pouquíssima coisa desde o dia um. Talvez a adição mais marcante seja a bateria do André a partir do instrumental do final, e realmente, acabar o disco com esse último refrão na energia máxima deu toda uma sensação diferente pro disco.

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29/10/2025

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Damy Coelho