Entre samba, jazz, pop e ritmos afro‑brasileiros, Djavan trilha um caminho sem igual na música brasileira. Sua trajetória é homenageada na peça Djavan, O Musical: Vidas Pra Contar, que chega aos palcos de São Paulo, no dia 9/8, no Teatro Frei Caneca (veja ingressos aqui).
A produção foi idealizada por Gustavo Nunes, dirigida por João Fonseca com texto de Patrícia Andrade e Rodrigo França, por fim, a direção musical é assinada por Fernando Nunes e João Viana, filho de Djavan. Além de Raphael Elias, que dá vida a Djavan, o musical conta com outros doze atores.
Entre eles, está Walerie Gondim, responsável por dar vida a Gal Costa. A semelhança da atriz com a cantora vem chamando atenção do público. Antes de chegar a Gal, a manauara, de 34 anos, já trilhou um grande caminho nas artes.
Aos 17 anos, entrou para o grupo “Teatrama”, no que ela define como: “sua primeira grande escola”. Ali, sob a orientação de Perla Duarte e Alexandre Marinho, mergulhou em todas as funções do teatro – dando aulas, atuando, dirigindo e produzindo.
Foram três anos ininterruptos, aprendendo na prática e com o espírito coletivo do teatro de grupo. Depois de se formar em Produção Cultural na UFF, Walerie trabalhou na RioFilme, conhecendo um outro lado das artes, em projetos para democratização do audiovisual.
Foi uma oficina no Sesc Tijuca, com Renato Carrera, que a fez perceber que o teatro era seu lugar. Em 2017, se mudou para Salvador, onde hoje cursa Direção Teatral na UFBA. Atuou em espetáculos como Deboche, de Paulo Machado, e A Peleja da Santa Dulce dos Pobres, de Elísio Lopes, seu primeiro musical profissional.

No cinema protagonizou Mamãe, curta premiado da Olho de Vidro Produções, pelo qual ganhou seu primeiro prêmio de melhor atriz. Walerie também continua no caminho da produção, tendo sido responsável, recentemente, pelo Festival Movimento Boca de Brasa, da Prefeitura de Salvador, e atuar na produtora teatral carioca Palavra Z.
Com um pé no teatro desde cedo, ela resume sua trajetória com sinceridade: “Depois que o teatro te pica, você fica querendo fugir, mas não consegue. Fui tendo experiências que me comprovaram a vocação que me chamava”.
Moradora do mesmo bairro em Salvador onde Gal nasceu e cresceu, Walerie conta que, antes de começar o processo do musical, foi até lá pedir licença: “São coincidências, que não são tão coincidências assim”, afirma.
Depois de uma temporada no Rio de Janeiro, Djavan, O Musical: Vidas Pra Contar fica em cartaz em São Paulo até o dia 28/9, em seguida vai para Fortaleza, Maceió e Brasília. A Noize conversou com a Walerie Gondim sobre a peça e a preparação para viver Gal Costa nos palcos, veja a seguir.
Como surgiu a oportunidade para interpretar a Gal Costa no musical do Djavan?
Já sabia que ia rolar o musical e, quando abriram as audições, fiquei paquerando aí, mas também estava tentando entender se eu ia conseguir fazer, porque eu estava em Salvador, onde é minha base. Fiquei estudando se ia ou não conseguir enviar material para a audição.
Eu não tinha nenhum encaminhamento para a Gal, na verdade, nem sabia que ia ter Gal no musical, mas quando eu fui enviar o material, a orientação era enviar um vídeo cantando uma música do Djavan. Fiquei pensando e, coincidentemente, mandei uma música que a Gal gravou dele “Nuvem Negra”.
É uma música que eu gosto muito e é mais próxima do meu tom. Quando recebi o retorno, com aprovação para a audição presencial, era me convocando para fazer audição para a Gal, eram duas músicas e um texto de cena, aí estudei bastante a Gal.
Como foi sua reação ao descobrir que conseguiu o papel da Gal?
Fiquei super emocionada. Estava torcendo muito para que rolasse e eu senti, na audição, que a banca tinha recebido bem meu teste, mas, claro, a gente só sabe com a resposta porque são muitas variantes até se selecionar uma pessoa. No musical, somos 12 atores que nos dividimos em vários personagens. Cada um tem seu personagem principal, mas fazemos outras coisas também. É um quebra-cabeça.
Recebi a resposta da Ciça Castello, a produtora de elenco, que é maravilhosa. Primeiro ela me mandou uma mensagem pedindo para falar comigo, mas não deu certo da gente se falar naquele dia. Aí ela me mandou uma mensagem: “Vou te adiantar só para você não ficar muito ansiosa, você ganhou o papel, a personagem é sua, amanhã a gente conversa direito” [risos].
O que foi mais desafiador na preparação para o papel?
Desde as audições até começar o processo de preparação mesmo, vi muitos vídeos da Gal, principalmente de shows, porque as cenas que eu faço no espetáculo são de shows, dando um pequeno spoiler. É uma performance de Gal, era importante entender como ela performava. Vi muitos shows, principalmente da época que se passa o musical, na década de 80, também muitas entrevistas.
E, claro, muita música e leitura. Foi um estudo muito amplo, mas sobretudo, ouvir as músicas e assistir os vídeos, era importante para entender o timbre. A Gal foi minha primeira grande referência de cantora, minha mãe ouvia muito Gal quando eu era criança.
Quando se fala de Gal Costa, todo mundo tem uma história.
No processo, eu reconheci várias coisas dela como artista, do jeito a voz, que eu fui assimilando ao longo da vida, sem me dar conta disso. Não são os movimentos idênticos dela que eu preciso apresentar, mas sim a energia da Gal, qual a parada que essa mulher tem. Claro, ela era ela [risos], ninguém nunca vai chegar aos pés de Gal Costa.
O processo foi, sobretudo, identificar personalidade, energia e essência de Gal e tentar traduzir isso, do meu jeito, sendo o mais fiel possível ao como ela se comportava.
Foi um estudo de atriz mesmo, gosto bastante de enfatizar isso. Tem muita gente que fala: “Incorporou/encarcou a Gal Costa” [risos], e recebo com o maior carinho, entendo que é um elogio, significa que você está chegando muito perto do que era a Gal, e fico muito feliz com isso. Mas é fruto de trabalho, repetições, entendimento, fazer de frente para o espelho, depois para a direção e direção musical. Repete e refaz, é um processo muito pessoal de pesquisa, tentativa e exercício.
O mais desafiador foi o timbre da Gal, que era muito específico, brilhoso, forte e marcante, era algo muito dela. Para falar a verdade, esse é um exercício meio cotidiano. No começo, tive aula de canto, com Nanda Andrade, que me ajudou muito, mas, até hoje, antes de entrar em cena, tem a timbragem e exercícios específicos de aquecimento para chegar no timbre dela.
Qual seu álbum favorito da Gal?
É muito difícil para uma libriana escolher coisas favoritas [risos]. Gosto muito do álbum Fantasia (1981), que tem “Azul” e “Açaí”. Também tem uma música da Gal que me toca muito, tem um lugar afetivo pra mim, que é o “Antonico”, composta por Ismael Silva.
Vivendo a Gal nos palcos, o que você aprendeu com ela?
Aprendi a ser ousada. A Gal da década de 80 era esse foguete.
Era uma persona, ela fazia muita questão de manter a vida pessoal dela reservada, que é uma coisa que eu me identifico também. A Gal assumia que era uma performer e, enquanto performer, ela era muito segura de si, isso me inspira muito. Enquanto estou interpretando, sinto essa energia.
É sobre não ter medo, olhar dentro do olho das pessoas na plateia, ela tinha isso. Tem uma ousadia que, embora pareça clichê, não é óbvio, é sobre segurança, de bancar quem ela era. É algo que aprendi com ela e que me dá força e potência enquanto estou interpretando ela.
Em algum momento da vida, ela saiu um pouco desse lugar, acho que deve ter ido cansando ela, foram surgindo outros interesses. No meio da década de 90 para frente, ela começou a gravar umas coisas do Tom Jobim, e a performance dela começou a mudar, não tinha mais algo tão afrontoso.
Dá para perceber as mudanças de fase que ela teve na carreira. Desde quando começou, que era algo mais retraído, depois passou para fatal, mais ousada e esquisito [risos], virou algo sensual e dona de si, Gal foi se transformando, é bonito de se ver.
Se você pudesse conversar com a Gal, sobre essa homenagem, o que falaria para ela?
Que difícil [risos]. Me vêm na cabeça as coisas mais clichês possíveis, mas acho que diria, obrigada por me permitir viver isso. E você é foda! [risos].
Como a relação da Gal e do Djavan é explorada no musical?
Os dois tem uma cena curta no musical. Na vida real, eles eram bons amigos, bem próximos. Gal gostava muito de gravar as músicas do Djavan, a gente percebe o carinho que um tinha pelo outro, além de uma química forte de parceria. Eu e Rapha [Elias] temos tentado trazer essa intimidade deles e o carinho que tinham um pelo outro para a cena.
Juntos, cantamos “Açaí” e temos conseguido fazer isso de um jeito bonito. Eu e Rafa nos amamos muito, viramos bons amigos, emprestamos esse carinho de atores para os personagens. Para o processo, buscamos referências em shows.
“Ah, isso é massa, vamos tentar fazer isso?”. Como eles se comportam, se abraçam, o selinho, que Gal dava selinho em todo mundo, tem essas coisinhas, com a ajuda dos nossos diretores queridos e maravilhosos, João Fonseca, Marcinha Rubin, João Viana e Fernando Nunes.
Conseguimos imprimir a relação próxima que Gal e Djavan tinham.
Tem alguma cena do musical que mais te marca e/ou te emociona?
Não vou dizer exatamente qual é a cena, porque seria muito spoiler [risos]. Embora seja eu fazendo a personagem, a gente sabe que é uma homenagem para a Gal, que se foi a pouco tempo, então existe uma homenagem dentro dessa homenagem, que é muito bonita, quem for assistir o espetáculo vai entender.
Também tem uma cena muito bonita, mais para o fim do espetáculo, que o Rafa canta “Faltando um pedaço”, que é uma música linda do Djavan, ao lado da mãe, Dona Virgínia, interpretada pela Marcela Rodrigues, ela é uma figura muito marcante na peça. A cena é bem onírica, em que entram as várias personagens da peça, uma licença poética para mostrar todos que fizeram parte da vida do Djavan, que é um cara tão importante.
Como está sendo a recepção do público com o musical?
Estou recebendo com muita alegria o retorno das pessoas. O público tem sido muito carinhoso e ficado bem comovido. Tem sido, realmente, uma chuva de feedbacks positivos e animados. Estou recebendo muito reconhecimento pelo trabalho, e tem sido muito especial para mim.
Por que o público deve assistir Djavan, o Musical: Vidas Pra Contar?
É musical sobre a história de um dos artistas mais importantes do país e do mundo. Um artista preto e vivo, o que é muito importante. Djavan é um absurdo, a gente [atores] sentimos isso e todo mundo que assiste também. Quem vê o musical, lembra da própria vida, ouvindo as músicas e vendo as histórias. É um trabalho que tem tocado as pessoas em um lugar bem pessoal, mexendo com as emoções.
Também vale a pena ser assistido porque é um musical genuinamente brasileiro. Em termos de formato e construção da história, é algo muito especial, porque é 100% nosso, sem desmerecer outros tipos de trabalho, mas o público se reconhece no palco a partir disso.
Tudo isso só é possível por causa do elenco. É um elenco maravilhoso e talentoso, de pessoas incríveis e amadas. Quem assistir vai reconhecer isso, tivemos um encontro muito feliz, tem muito trabalho por trás, como o teatro é, coletivo e com muita gente talentosa envolvida, da direção a equipe técnica.